Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-Geral, Sessão Pública «Comemorativa dos 80 anos de Adriano Correia de Oliveira»

«Adriano Correia de Oliveira, com a sua voz única, esteve sempre do lado da liberdade, da democracia, da justiça social, sempre ao lado do seu povo, sempre com o seu Partido»

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Assinalamos aqui e neste dia de Abril, neste fecundo e simbólico mês que há 80 anos viu nascer Adriano Correia de Oliveira e depois a Revolução libertadora que gostamos de chamar de Abril e que as suas canções de combatente de enorme coragem, almejavam apressar e depois com a sua realização e no processo revolucionário, intensamente viver, em cada terra, em cada lugar recôndito do País, com a sua presença solidária e a sua voz ímpar, sublinhando as lutas do nosso povo e do seu Partido.

Essa voz que se distinguia pelo seu timbre e pela clareza, que interpretou palavras de luta e de resistência contra a ditadura fascista e os avanços e conquistas no caminho aberto por Abril.

Deixou-nos muito novo, em 1982, mas nunca o esquecemos, nem o esquece o seu Partido Comunista Português ao qual aderiu no princípio dos anos sessenta, para nele permanecer até ao fim dos seus dias. São anos de brasa, esses anos do início da década da sua adesão ao Partido, anos marcantes que anunciam a crise geral do regime fascista. Anos das grandes greves operárias e camponesas, do expressivo primeiro de Maio de 1962, da guerra colonial que se inicia, das fugas dos presos políticos de Peniche e Caxias, das grandes lutas e greves da crise estudantil de 62, reprimidas pela ditadura com a prisão de centenas de estudantes e nas quais Adriano activamente participa.

Adriano Correia de Oliveira, com a sua voz única, esteve sempre, ao longo dos seus quarenta anos de vida, do lado da liberdade, da democracia, da justiça social, sempre ao lado do seu povo, sempre com o seu Partido.

Homem da música, da cultura, da participação cívica e da luta, Adriano Correia de Oliveira foi um dos autores mais marcantes da Música de Intervenção portuguesa e da Canção de Coimbra, em cujo movimento de renovação participa e o qual viria a ter um papel de relevo na luta contra o regime fascista.

Um tempo marcante para aquele estudante de Direito da velha Universidade de Coimbra. Um tempo de descoberta da verdadeira realidade social do País, da guerra de libertação das ex-colónias, como nos disse, mas também da sua própria afirmação no canto, na música, na actividade associativa, na luta dos estudantes, mas também nas actividades do movimento de contestação ao fascismo extra estudantis. Será membro da Direcção do CITAC, coralista do Órfeão Académico, atleta da Associação Académica de Coimbra. Será nesta cidade dos estudantes que gravará o seu primeiro disco. É com a “trova do vento que passa”, essa canção que será um marco do canto na Resistência, inclusa no seu reportório que começou a sentir, como confessou, “verdadeiramente o gosto por cantar, por fazer música e, sobretudo, por sentir que estava do lado justo, do lado da luta antifascista”.

O gosto pelas actividades do movimento associativo, a sua entrega e a sua dedicação aos outros não tinham nascido em Coimbra. Esse interesse já antes tinha germinado nele.

Nascido no Porto, de berço vai com os pais para Avintes a terra que sente que foi sempre a sua. É aí que Adriano inicia a sua actividade cultural e cívica, com ligações ao associativismo popular, ao desporto e ao teatro. Ali fundou com outros jovens a União Académica de Avintes. Nessa terra com olhar para o rio que Adriano dizia que era “o lugar mais bonito do mundo” e à qual ficou sempre preso. Essa terra que também o não esquece e, por isso, se empenham as suas gentes na divulgação da sua obra, com iniciativas próprias comemorativas dos seus oitenta anos e que daqui saudamos.

Essa terra e esse rio que Ary dos Santos no poema em sua memória não quis esquecer, sabendo o que ligava este homem fraterno a essa terra.

“O teu coração de ouro veio do Douro
num barco de vindimas de cantigas
tão generoso como a liberdade”

Sim, Adriano transportava um barco de cantigas, cerca de 100, que transformou em armas de luta contra a ditadura, contra a exploração, contra a guerra e contra todas as discriminações.

Cantigas que continuam a ecoar com a sua voz em todos os anos sessenta e princípios de setenta, solidário com todas as lutas dos estudantes e operários. Novos discos surgem. Naqueles anos que antecedem o derrube da ditadura são anos empolgantes. De 1969 a 1973 vivem-se anos históricos na Canção de Intervenção. São também anos de grandes lutas dos trabalhadores e do nosso povo. Em Março de 1974 no Coliseu de Lisboa dá-se o primeiro Encontro da Canção Portuguesa. Um espectáculo memorável rigorosamente vigiado pela PIDE. E quando Abril chega a canção salta para a rua e Adriano está na primeira linha.

Eram cantigas de luta, mas também cantigas que falavam das nossas vidas, da vida difícil de um povo, do seu trabalho e do trabalho que não tinha e que o levava a emigrar, para longe e para terras desconhecidas, mas que cantava também das suas alegrias e esperanças.

Muitas que cantam ainda, apesar da realidade mudada, as nossas vidas de hoje. Ainda há muitas vilas de Alvito nas Odemiras de hoje que “têm ruas e praças/Homens e mulheres e muitas desgraças. Vilas que tal como a Alvito de outrora tem dois lavradores/tem muita riqueza/ e raros amores”. Onde continuam a habitar maltezes ganhões que se renovam em cada cultivo ou cada colheita.

Como canta ainda a realidade de milhares de jovens de hoje que o País precisa e que daqui se vão, porque não encontram nele resposta para as suas vidas e que o seu “Cantar da Emigração” amargamente denunciava, e onde em vez da Galiza, era o Portugal desses anos que retrava, quando dizia:

“Este parte, aquele parte
E todos, todos se vão.
Galiza ficas sem homens
Que possam cortar teu pão”

Como canta essa canção ainda tão actual, a “Lágrima de preta” que era um hino contra o racismo que a ideologia da ditadura legitimava, para assegurar a exploração.

“Encontrei uma preta
que estava a chorar,
pedi-lhe uma lágrima para analisar.

Nem sinais de negro,
nem vestígios de ódio.
Água (quase tudo)
e cloreto de sódio.”

Canções para unir os combatentes de todas cores e pelo fim da guerra, travando com a palavra da canção, o mesmo combate que o seu Partido travava, quando se lançava na construção de uma frente de luta anti-imperialista do povo português e dos povos coloniais pela libertação de todos.

Uma canção para cantar neste tempo, onde navegam todos os racismos, dos mais subtis, aos mais descarados e explícitos que os senhores do mundo e da dominação promovem, mas também as xenofobias doentias deliberadamente acicatadas e ampliadas com a sua propaganda da guerra, onde povos são estigmatizados e perseguidos e o património cultural de cada um e até o de reconhecido valor universal é colocado na pira da intolerância.

Uma canção para ser ouvida cá e para lá das fronteiras, numa União Europeia, onde há muito se pisa um terreno cada vez mais ambíguo e perigoso que já levou à criação da Missão para «a defesa do modo de vida europeu», esse novo credo legitimado pela Comissão Europeia e transmutado à pressa em «promoção do estilo de vida europeu» que mais não é que a forma disfarçada de discriminação e subalternização do outro, seja ele o emigrante ou refugiado de pele diferente e campo aberto para guerras civilizacionais que as forças reaccionárias e fascizantes reclamam.

Tempos perigosos, onde se levantam novas censuras e a pretexto da guerra se sanciona a cultura e o desporto nas pessoas que a fazem e praticam, à revelia dos tão proclamados valores ocidentais. Que hostilizam e “queimam” na praça pública quem se atreva a ir ao arrepio da cartilha ditada e imposta pelas autoridades do pensamento único, perseguindo todos os que recusam a lógica da confrontação e, sinceramente, aspiram e desejam se encontrem os caminhos da paz.

Adriano merece que o revisitemos em cada canção e em toda a sua obra, em cada momento da sua vida de lutador, tal como mereceu que a República o distinguisse com a Ordem da Liberdade. Essa liberdade que celebramos em Adriano, lembrando as nossas justas preocupações sobre o rumo deste mundo que nos rodeia e da nossa própria democracia.

Para o PCP, a liberdade de expressão, o pluralismo ideológico e partidário, o rigor e a qualidade da informação difundida pelos órgãos de comunicação social são parte integrante do regime democrático.

Se é verdade que com a revolução de Abril se rompeu com a censura, se possibilitou o exercício livre do contraditório, se promoveu o acesso à cultura, elementos estes que se afirmaram como uma conquista e um património do povo português, o que vamos vendo é motivo de crescente preocupação, incluindo na comunicação social que há muito deixou de ser apenas um grande negócio para os grupos económicos, mas também e, nalguns casos, acima de tudo, um instrumento de pressão e de dominação das opiniões e das consciências.

A condição de comunista de Adriano Correia de Oliveira é inseparável do percurso e das opções que tomou ao longo da vida, de que são testemunho quer os inúmeros espectáculos e acções em que participou durante o fascismo, tendo sido uma bandeira da luta do Movimento Estudantil e da Resistência, quer o seu papel impulsionador para que grandes nomes da música portuguesa se dessem a conhecer, quer a sua participação no Comité Organizador da Festa do «Avante!» desde a primeira edição, quer ainda o seu envolvimento militante em centenas de iniciativas do PCP depois do 25 de Abril.

Consciente do papel do artista na sociedade e no tempo em que foi destacado protagonista, Adriano Correia de Oliveira viria a afirmar uma posição de princípio quando perguntado acerca de uma controvérsia num projecto em que participava: «a única luta pelo poder em que estou empenhado é a luta para que o povo português tome o poder e que nessa luta tenha um papel determinante a actividade do aparelho político organizado que é o PCP, a que pertenço».

E disse mais: “A canção pode não ter uma influência decisiva, mas é complementar e interessa que a arte, seja qual for, reflicta exactamente aquilo que se está a passar em cada sociedade. Se não, não é útil e falha substancialmente. Não corresponde à sua função”.

Após o seu desaparecimento, o PCP evocou em diversas ocasiões a obra e o papel de Adriano na música portuguesa, a sua actividade de militante comunista, tendo realizado na Festa do «Avante!» um espectáculo em sua homenagem, produzido exposições evocativas da sua vida e obra, editado um filme com testemunhos de seus camaradas e companheiros de actividade artística e publicado um registo fonográfico – juntamente com um suplemento do jornal «Avante!» – em que foram reunidas algumas das mais belas canções do seu reportório.

No Portugal dos nossos dias, nas condições de agudização da luta de classes e de ofensiva contra os direitos dos trabalhadores e do povo, a obra de Adriano assume de novo o papel que sempre foi o do homem, artista e revolucionário Adriano Correia de Oliveira, integrando-se na luta do seu Partido de sempre pela construção da sociedade nova com que sonhava, liberta da exploração, da opressão e de todas as discriminações.

  • Adriano Correia de Oliveira