Projecto de Lei N.º 546/XV/1.ª

Acesso ao Título de Reconhecimento do Estatuto da Agricultura Familiar e Programa de Valorização da Agricultura Familiar e do Mundo Rural

Exposição de motivos

A agricultura familiar assume uma importância estratégica para a produção nacional, para a qualidade e para a soberania alimentar, para a ocupação harmoniosa do território, para a defesa do meio ambiente, da floresta e do mundo rural, para a coesão económica e social em vastas regiões.

Apesar da sua reconhecida importância, o exercício da atividade agrícola para os pequenos e médios agricultores, distribuídos no território nacional por mais de 250 000 produtores agrícolas singulares (dados do RA2019), depara-se com um conjunto de problemas que requer a definição de respostas estruturais de defesa do mundo rural e da agricultura familiar.

Porém, essas respostas continuam ano após ano, desde o reconhecimento do Estatuto da Agricultura Familiar (EAF), por concretizar, não passando, no fundamental, de uma “declaração política” sem substância e valia para o universo dos pequenos e médios agricultores familiares em Portugal.

Os números das candidaturas apresentadas para atribuição do Título de Agricultura Familiar, publicado pela DGADR, à data de setembro de 2022, demonstra a falta de respostas associada à atribuição do Estatuto – do universo de mais de 250 000 produtores, apenas se conta com 3518 candidaturas, e destas, apenas se encontram atribuídos 2446 Títulos de Reconhecimento de Agricultura Familiar, e destes, apenas 669 se encontram ativos, tendo sido indeferidas 918 candidaturas.

No próprio Plano de Ação para a Década da Agricultura Familiar é referido que “as limitações impostas ao acesso ao EAF, a escassez de medidas implementadas ou o facto das concretizadas não serem percecionadas como verdadeiras mais-valias pelos/as agricultores/as familiares, mantêm a adesão ao programa muito reduzida.”

Num quadro em que o rendimento agrícola é já diminuto, pondo muitas vezes em causa a subsistência da agricultura familiar, as dificuldades colocadas ao acesso ao EAF e a falta de apoios concretos para aliviar o “peso” que os custos de contexto detêm na produção dos bens alimentares e a afetação das culturas agrícolas devido a situações acidentais, vem dificultar fortemente a continuidade do exercício desta atividade por parte destes agricultores.

Para que o EAF se traduza no instrumento de desenvolvimento da Agricultura, do Mundo Rural e da soberania alimentar de que o país necessita, é obrigatório que se adotem medidas para promoção e concretização do Estatuto, que se reforcem as estruturas do Ministério da Agricultura e Alimentação necessárias a prestar o apoio devido aos agricultores, em especial aos beneficiários do Título de EAF e que seja posto em prática um verdadeiro programa de valorização da pequena e média agricultura, diversificada, capaz de responder às necessidades do país.

Com o presente Projeto de Lei, o PCP procura dar a resposta necessária para que o Estatuto da Agricultura Familiar se traduza no instrumento de desenvolvimento da Agricultura e do Mundo Rural de que o país necessita.

Assim, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projeto de Lei:

Artigo 1.º

Objeto

A presente Lei procede à segunda alteração ao Decreto-Lei n.º 64/2018, de 7 de agosto, que consagra o Estatuto da Agricultura Familiar (EAF), cria medidas de apoio para facilitar o acesso ao pedido de reconhecimento do EAF um Programa de Valorização da Agricultura Familiar e do Mundo Rural.

Artigo 2.º

Alteração ao Decreto-Lei n.º 64/2018, de 7 de agosto

Os artigos 5.º e 6.º do Decreto-Lei n.º 64/2018, de 7 de agosto, na redação atual, passam a ter a seguinte redação:

“Artigo 5.º

[...]

  1. [...]
    1. [...]
    2. Tenha um rendimento coletável, por sujeito passivo, inferior ou igual ao valor correspondente ao quinto escalão do imposto do rendimento de pessoas singulares;
    3. O rendimento da atividade agrícola seja igual ou superior a 10 % do total do rendimento coletável;
    4. [...]
  2. [...]
  3. […]
  4. A todos os beneficiários do Regime da Pequena Agricultura que o requeiram é atribuído o título de reconhecimento do EAF.

Artigo 6ª

[…]

  1. […]
    1. […]
    2. […]
    3. a majorações específicas nas medidas de apoio no âmbito da Política Agrícola Comum;
    4. [antigo c)]

Artigo 3º

Apoio ao pedido do título de reconhecimento do Estatuto da Agricultura Familiar

  1. Nos serviços descentralizados do Ministério da Agricultura e Alimentação e do Ministério da Coesão Territorial, são criados balcões de atendimento específicos para apoio aos agricultores.
  2. Os balcões referidos no número anterior são dotados dos recursos humanos necessários para assegurar a informação e divulgação do EAF e a elaboração dos requerimentos de Título de Reconhecimento do EAF, facilitando o acesso a todos os que pretenderem beneficiar do EAF, compatibilizando a informação já recolhida no âmbito das submissões apresentadas a medidas do PDR2020, ou já recolhidas pelo Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P (IFAP).

Artigo 4.º

Majoração nos apoios do a Política Agrícola Comum

O Governo assegura, nas medidas de ajuda no âmbito da Política Agrícola Comum, uma majoração específica para os titulares do Estatuto da Agricultura Familiar.

Artigo 5.º

Programa de Valorização da Agricultura Familiar e do Mundo Rural

  1. O Governo, através do Ministério da Agricultura e Alimentação, em colaboração com as restantes áreas governativas com interesse no âmbito da agricultura, florestas e desenvolvimento rural, cria e desenvolve um Programa de Valorização da Agricultura Familiar e do Mundo Rural, o qual inclui um conjunto de medidas específicas de valorização, apoio e reforço da atividade agrícola para os beneficiários do EAF.
  2. O Programa referido no número anterior inclui medidas de discriminação positiva para a Agricultura Familiar, designadamente nas seguintes áreas:
    1. Apoios, a fundo perdido, para pequenos investimentos na produção agrícola e pecuária;
    2. Investimentos em equipamentos coletivos de recolha e conservação de alimentos para a pequena agricultura;
    3. Apoios à transformação de produtos agrícolas e pecuários;
    4. Apoio à renovação da frota de veículos agrícolas e/ou ao seu equipamento com dispositivos de segurança específicos promovendo o aumento das condições de segurança no exercício da profissão e melhorando o desempenho ambiental;
    5. Apoio ao pagamento das taxas e tarifas cobradas no âmbito do exercício da atividade agrícola, assegurando que, em articulação com as diferentes autarquias locais, seja garantido o acesso de forma gratuita aos mercados locais e acesso a apoios com regras, designadamente fiscais, bastante simplificadas, para os beneficiários do Estatuto.
  3. É criado um Programa de Formação Específico para os beneficiários do EAF, compatível com formações de carácter obrigatório, de acesso gratuito e adaptado às especificidades dos agricultores familiares, nomeadamente, escalões etários, formação escolar e dispersão regional.

Artigo 6.º

Regulamento dos seguros agrícolas

  1. O Governo promove a alteração dos regulamentos dos seguros agrícolas para os titulares do EAF, considerando a necessidade da sua eficácia e acessibilidade.
  2. No âmbito da alteração dos regulamentos dos seguros agrícolas é assegurado o alargamento dos prazos e das coberturas por forma a garantir a cobertura de colheitas mais tardias.
  3. A taxa de apoio ao prémio aplicada aos beneficiários do EAF é majorada em 15 pontos percentuais.
  4. São eliminadas as franquias a pagar em caso de sinistro sem aumento do prémio de seguro para os beneficiários do EAF.

Artigo 7.º

Renovação do Título de EAF

A renovação do título de reconhecimento do EAF é feita de três em três anos pelo titular, mediante declaração de continuidade ou retificação das condições em que foi atribuído o título.

Artigo 8.º

Regulamentação

Compete ao Governo, no prazo de 60 dias, aprovar a regulamentação necessária à execução da presente lei.

Artigo 9.º

Entrada em vigor

  1. A presente lei entra em vigor no dia seguinte à sua publicação e produz efeitos com o Orçamento do Estado subsequente, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
  2. Compete ao Governo a criação de condições para que a presente lei produza efeitos ainda em 2023, considerando a disponibilidade orçamental para o ano económico.
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