Artigo de Francisco Lopes no«Setúbal na rede»

«Aborto clandestino e julgamento de mulheres: o escândalo continua»

Na próxima quinta-feira, dia 31 de Março de 2005, mais três mulheres vão ser julgadas no tribunal de Setúbal pela prática de aborto.

São muitas as mulheres que têm sido sujeitas a julgamento e cuja vida pessoal tem sido exposta de forma implacável, são muitas mais aquelas que têm sido empurradas para praticar o aborto na única situação possível – a clandestina - em condições deploráveis que afectam a sua saúde e em muitos casos põem em causa a sua própria vida.

O PSD e o CDS-PP assumiram-se como os responsáveis pela manutenção desta situação anacrónica que envergonha Portugal.

Mas tudo poderia estar resolvido há muito tempo. Em 1998 foi aprovada na Assembleia da República pelo PCP, Partido Os Verdes e PS uma lei que resolvia o problema do aborto clandestino. Aprovada a lei e quando se esperava a sua entrada em vigor eis que o PS de António Guterres se entendeu com o PSD cujo presidente era na época Marcelo Rebelo de Sousa para realizar um referendo que impedisse a aplicação da lei.

O referendo realizou-se e apesar de não ter sido vinculativo, porque só participaram 31,9% dos eleitores (para ser vinculativo teria que ter a participação de mais de 50%), como o Não teve uma ligeira vantagem nas opiniões expressas, serviu de pretexto para impedir a entrada em vigor da lei já aprovada na AR.

Passaram sete anos de um referendo não vinculativo e eis que o PS vem esconder-se outra vez atrás da realização do referendo para fugir à responsabilidade de aprovar uma lei de despenalização do aborto na AR. E o BE vem secundar a exigência do PS da realização do referendo.

O PS deu a mão à direita, o BE dá agora a mão ao PS e de mão em mão vão adiando a solução que pode por termo ao aborto clandestino.

Em 20 de Fevereiro o povo português deu uma maioria inequívoca às forças políticas que defendem a despenalização do aborto.

Porquê estar à espera de um referendo quando a Assembleia da República tem condições para decidir, quando até aqui toda a legislação sobre a matéria foi aprovada pela Assembleia da República? Porquê estar a retardar uma solução que pode ser decidida com grande rapidez? Porquê estar a dar oportunidade para todo o tipo de terrorismo psicológico a que certos sectores já nos habituaram e que cria constrangimentos em tantas mulheres?

Não há justificação. Aqueles, como o PS e o BE, que andaram a recolher assinaturas há pouco mais de um ano em torno de um referendo que diziam ser para resolver a questão do aborto clandestino, afinal, pelo que defendem hoje, já na altura usavam esse abaixo assinado, não tanto para pressionar a resolução da questão, mas afinal como elemento de pressão sobre a Assembleia da República para que esta não assumisse as suas responsabilidades e competências legitimas nesta matéria.

O PCP e o PEV apresentaram projectos lei e defendem que a AR os discuta e aprove despenalizando a interrupção voluntária da gravidez (IVG). É a forma mais rápida e segura de acabar de uma vez por todas com o aborto clandestino, com as suas sequelas para a saúde e a vida das mulheres, com aberrantes julgamento como o de quinta-feira. Basta o PS e o BE juntarem-se ao PCP e aos Verdes e deixarem as cumplicidades que só favorecem o PSD e o CDS-PP e os seus propósitos dilatórios.

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