Sessão Solene Comemorativa do XXXII Aniversário do 25 de Abril
Sr. Presidente da República,
Sr. Presidente da Assembleia da República,
Sr. Primeiro-Ministro,
Srs. Presidentes do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal Constitucional,
Sr.as e Srs. Deputados,
Sr.as e Srs. Convidados:
Permitam-me,
uma nota prévia de satisfação: é a primeira vez que as comemorações do
25 de Abril estão a ser transmitidas em língua gestual nesta Casa da
Democracia — porque Abril também se manifesta neste singelo
reconhecimento do direito à igualdade aos cidadãos com deficiência.
Srs. Presidentes,
Srs. Deputados: Estamos profundamente preocupados com o que está a acontecer ao nosso país 32 anos após o 25 de Abril de 1974. E
perguntamos porquê, se há 32 anos vivíamos um dos momentos grandiosos
da nossa época contemporânea e perspectivávamos, numa esmagadora
maioria, um País de justiça social, progresso e desenvolvimento, onde a
paz e a solidariedade constituiriam as bases da sociedade. Esse era o
paradigma da Revolução de Abril. Foi ao som da Grândola Vila Morena que,
em Portugal, se iniciou, em 25 de Abril de 1974, a libertação de um
povo que sofreu um longo período de obscurantismo, de opressão, de
atraso, de medo e de ausência de liberdades.Saudamos,
por isso, os capitães de Abril, por terem sabido interpretar as
profundas inquietações e anseios da população portuguesa num momento em
que, também eles, sentiam na pele os dramas e as frustrações de uma
guerra colonial injusta e sem fim à vista. As
profundas transformações então realizadas na sociedade portuguesa foram
plasmadas numa das Constituições mais progressistas da Europa. Os
Deputados da Assembleia Constituinte, que daqui também saudamos,
souberam traduzir a vontade manifestada livremente pelo povo português,
inserindo nela as principais conquistas da Revolução: a liberdade, os
direitos individuais e colectivos dos trabalhadores, das mulheres, a
protecção da infância e da velhice, o fim do poder dos monopólios e dos
agrários, o poder local democrático, entre muitas outras. Foi
uma afirmação exemplar de vivência democrática aos olhos de todo o
mundo, na sequência de uma Revolução sem derramamento de sangue. Era
também uma ruptura com o passado e uma aposta e uma esperança no futuro. Em
boa hora a Assembleia da República acabou de realizar as comemorações
dos 30 anos da elaboração da Constituição da República Portuguesa. O
Partido Comunista Português orgulha-se de ter contribuído com inúmeras
iniciativas, desenvolvidas em todo o País, levando ao cidadão comum uma
edição popular da Constituição, e proporcionando uma reflexão
generalizada sobre os direitos e garantias nela consagrados, apesar dos
retrocessos resultantes das sete revisões havidas, que em vez de a
aperfeiçoar a empobreceram. É
necessário que os portugueses sintam que continua a estar nas suas mãos
a capacidade de decidir sobre os destinos deste País. À democracia representativa consagrada em Portugal, importa acrescentar oinseparável
desenvolvimento da democracia participativa como forma de reflectir na
governação do País a vontade soberana do povo português e para que a
sua expressão não se restrinja aos actos eleitorais. Quantas
vezes estes actos eleitorais ficaram frustrados logo nos primeiros
tempos de governação de quem acabara de ser mais votado e cujo governo
vai governando da mesma maneira e com a mesma política até que outro
lhe suceda…! Uma das conquistas da Revolução que a Constituição da República Portuguesa consagra é o poder local democrático. Instituído
o pluralismo partidário, consagrados os princípios da autonomia
administrativa e financeira, da colegialidade dos órgãos executivos, as
autarquias em Portugal têm contribuído decisivamente para
o progresso e o desenvolvimento do País ao longo destes 30 anos. Hoje
em dia, as autarquias vêem-se a braços com enormes dificuldades que
lhes impedem o cumprimento das suas obrigações constitucionais de
defesa dos interesses das populações que representam, mas não será com
as alterações dos princípios da colegialidade e do pluralismo
partidário nos órgãos executivos, como pretendem os partidos
maioritários desta Assembleia, que se conseguirá uma melhor
contribuição das autarquias para o desenvolvimento futuro do País. Tais
princípios, o pluralismo e a colegialidade dos órgãos executivos,
instituídos sabiamente na Constituição de Abril, revelaram-se, na
prática, como os factores fundamentais e decisivos para a realização da
democracia, e para a resolução dos problemas das populações. Se viessem
a acontecer as alterações, que alguns desejam, seria a própria democracia que estaria a ser posta em causa ao nível do poder local. E
neste particular momento, em que a instituição parlamentar atravessa
momentos complexos e difíceis, importa denunciar o oportunismo dos que,
aproveitando a conjuntura, pretendem concretizar os seus velhos
projectos de bipolarização forçada, pela via da alteração da Lei
Eleitoral da Assembleia da República, reduzindo o pluralismo e a
representatividade no Parlamento das diversas correntes políticas da
sociedade portuguesa. Parece-nos
oportuno perguntar, neste momento em que estamos a comemorar os 32 anos
do 25 de Abril, por que é que Portugal em vez de se aproximar da média
do nível de vida da União Europeia, em que nos integrámos já há 20
anos, se encontra cada vez mais recuado, a braços com uma grave crise
de crescimento e com a perda de direitos dos trabalhadores, na
regulação laboral, na saúde, no ensino, na segurança social. Na
verdade, o Governo prevê para o nosso produto interno bruto um
crescimento de cerca de 1%, enquanto a União Europeia cresce em média
2% a 3%. O
desemprego atinge mais de 500 000 trabalhadores, dos quais cerca de 70
000 são licenciados e destes cerca de 40 000 são jovens. A balança comercial é deficitária em cerca de 9% do produto interno bruto. A dívida pública atinge mais de 90 000 milhões de euros, cerca de 70% do produto interno bruto. O
défice orçamental atingiu, em 2005, 6,02% do produto interno bruto, sem
que tivesse havido um reflexo positivo no desenvolvimento económico do
País. A
função pública (e, por arrastamento, a maior parte dos trabalhadores
portugueses) teve um aumento de 1,5%, enquanto a inflação prevista é de
mais de 2%. Não
por Abril mas contra Abril, propõe-se o encerramento de escolas, de
centros de saúde, de maternidades, de postos de correio, de serviços
regionais da EDP, de transportes rodoviários e ferroviários, o que
inevitavelmente vai provocar maiores desigualdades, injustiças e
desequilíbrios entre o interior e o litoral, entre o mundo rural e o
mundo citadino. Temos mais de 2 milhões de portugueses pobres. Temos mais de 200 000 portugueses a passar fome. Os ricos estão cada vez mais ricos e os pobres estão cada vez mais pobres.Não
se trata de uma crise conjuntural como as anteriores, é já uma crise
estrutural com tendência para se agravar em face da concorrência
internacional e dos novos parceiros europeus. Srs. Presidentes,
Srs. Deputados: Como foi possível chegarmos a esta situação três décadas após o 25 de Abril? A
verdade é que os governos, uns após outros, acabam sempre por não
cumprir as promessas que fizeram em campanha eleitoral e por não
corresponder às expectativas e necessidades reais do povo que os
escolheu. Porque têm estes partidos de prometer nas eleições o que sabem que não vão cumprir enquanto governo? Certamente
pelo facto de estarem cientes de que ainda está na memória dos
portugueses o 25 de Abril e a afirmação clara dos desígnios traçados
nessa altura pelo povo português. Na
verdade, o povo, o País continua à espera que venha um governo que
assuma uma política virada para o bem-estar generalizado dos
portugueses e não, como estão a fazer sucessivos governos, a promoção e
a protecção dos interesses só de alguns, através da privatização da
economia e da entrega ao grande capital e aos interesses exclusivos de
uma classe privilegiada da gestão de bens, equipamentos e serviços
públicos vocacionados para responderem a necessidades básicas como a água, os hospitais, as escolas. Para
que Portugal mude e atinja os patamares de progresso e desenvolvimento
a que tem direito é necessário inverter as políticas que têm sido
seguidas neste passado recente e que o Portugal de Abril se cumpra de
uma vez para sempre. É
na consciência, que continua viva no povo português, dos direitos que
Abril nos deu e das portas que Abril abriu, que residem a esperança e a
confiança num futuro melhor, no desenvolvimento, no progresso, na
igualdade e no aprofundamento da democracia num Portugal de paz aberto
ao mundo e à cooperação com outros povos. Com Abril, Portugal é possível! Que viva, sim, que Viva Abril!