Intervenção de José Soeiro, membro da Comissão Política do Comité Central, XV Congresso do PCP

Os problemas da terra e da água no Alentejo

Que o Alentejo vive hoje uma das suas mais profundas crises económicas e sociais é coisa que ninguém ousa contestar. A crise é reconhecida por todos. O Alentejo envelhece e desertifica-se; o desemprego estrutural atinge mais de 40 mil trabalhadores, 18%, a mais elevada taxa do País; mais de um terço da população vive na pobreza; aprofunda-se o fosso que separa o Alentejo das outras regiões da Europa sendo hoje o Alentejo a mais atrasada de todas elas. Em 10 anos tivemos uma quebra de 6% no rendimento «per capita» em termos de paridade com a média europeia descendo de 48% para 42%. Uma leitura atenta do Orçamento do Estado para 1987 confirma mais uma vez a penalização e marginalização do Alentejo. A CCRA, num recente estudo, afirma que, a manter-se a política actual, o Alentejo perderá, nos próximos 15 anos, mais 87 500 habitantes da sua já tão reduzida população.

Quais as causas desta dramática situação que atinge tão profundamente a região? A ausência de recursos? o clima? a pobreza dos solos? a ausência de alternativas? a influência dos comunistas na região como afirmam desavergonhadamente o PS, o PSD e o PP?

Com quase metade — cerca de 47% — da superfície agrícola útil do País; dispondo de importantes recursos mineiros — cobre, zinco, estanho, mármore, granito, xisto, etc., — e de condições excepcionais para o desenvolvimento do turismo — património natural, histórico, cultural e ambiental diversificado e riquíssimo —, entre outras potencialidades, o Alentejo foi e é antes de mais uma região predominantemente agrícola.

Com condições excepcionais para a plantação da vinha, da oliveira, do sobreiro e frutos secos culturas ricas e geradoras de emprego; podendo intensificar particularmente a criação de ovinos, caprinos e bovinos de qualidade; situado entre dois dos mais importantes rios que atravessam o País, o Tejo e o Guadiana e dispondo de outros importantes cursos de água como o Mira ou o Sado que poderiam irrigar no seu conjunto mais de 200 mil hectares de terras com boa aptidão para o regadio, condição essencial à diversificação e intensificação cultural — beterraba, arroz, milho, tomate, tabaco, horto-frutículas, etc. — e consequente industrialização; dispondo em suma o Alentejo de três elementos fundamentais a uma agricultura moderna, próspera e desenvolvida — Sol, terra e água — dois deles escassos, estratégicos e vitais para qualquer política de desenvolvimento: a terra e a água, porque razão é a agricultura alentejana pobre, extensiva e fundamentalmente cerealífera e de sequeiro? Porque razão continuam centenas de milhares de hectares de terra subaproveitados ou simplesmente incultos? Porque razão o Plano de Rega do Alentejo acabado de elaborar nos anos de 1955/58, há mais de 40 anos, e que tinha como fundamental o Empreendimento de Fins Múltiplos de Alqueva, ainda hoje não está implementado? Porque razão os poucos perímetros de rega existentes nunca foram convenientemente aproveitados?

Marcelo Caetano, que em 1959 reconhecia ser a irrigação do Alentejo mencionada desde um passado muito remoto em todos os estudos económicos e até nos programas políticos como a condição essencial de transformação das condições de vida nacionais, confessa nas suas memórias que tal não foi possível pois «a resistência dos interesses era superior ao impulso do poder».

Que interesses podem justificar ainda hoje o não aproveitamento das enormes potencialidades agrícolas do Alentejo num País cada vez mais dependente das importações estrangeiras no campo agro-alimentar? Que podem justificar a condenação ao envelhecimento, à desertificação, à estagnação e ao abandono de uma região que representa um terço do território nacional e que tanto pode e deve dar aos portugueses?

Para não citar Álvaro Cunhal, Carlos Carvalhas ou um dos inúmeros documentos do nosso Partido que têm respondido a estas perguntas, cito Castro Caldas que afirma «...a hidráulica agrícola determinava fortes reacções de oposição por parte dos proprietários de terras a submeter ao regadio, especialmente os que usufruíam das vantagens do latifúndio dominante nos sequeiros a regar no Sul.»

Latifúndio que PS,PSD e PP reconstituíram com a destruição de uma das mais belas conquistas de Abril, a Reforma Agrária, liquidando mais de 50 mil postos de trabalho e concentrando na mão de 1% das explorações 80% do total da superfície agrícola útil do Alentejo. Latifúndio premiado escandalosamente com mais 60 milhões de contos pelo PS enquanto barragens há muito inventariadas e necessárias ao desenvolvimento ficam por construir. Latifúndio que, para ser reconstituído, levou à suspensão do E.F.M. de Alqueva no final dos anos 70 como confirmaram o mês passado, o ex-Secretário de Estado do PSD, António Taveira e o Presidente do Instituto Nacional da Água ao afirmarem que« o investimento foi suspenso por razões políticas» pois com a construção de Alqueva «temia-se contribuir para a consolidação da Reforma Agrária, impedindo a retoma dos grandes agrários alentejanos».

Os resultados de uma tal política estão à vista no Alentejo.

É pois justa a afirmação contida no projecto de resolução política de que«Hoje como ontem, a estrutura latifundista surge como o mais pesado factor de bloqueamento do desenvolvimento da região e do progresso social das populações do Alentejo». Como é justo afirmar que, com características e com critérios inseridos na realidade actual do País e da região, a resposta necessária à degradação económica e social do Alentejo, gerada pela contra reforma agrária e agudizada pela PAC, o melhor caminho para uma nova agricultura, assente no racional aproveitamento da terra e da água, será a realização de Uma nova reforma agrária nos campos do Alentejo.

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