Projecto de Resolução N.º 123/XI/1.ª

Verificação oficiosa do falso trabalho independente

Recomenda ao Governo a verificação oficiosa do falso trabalho independente e a suspensão do pagamento das dívidas daí decorrentes

A precariedade laboral, os baixos salários e o ataque à contratação colectiva têm sido, entre outros, o caminho seguido por sucessivos Governos para aumentar a exploração de quem trabalha e, consequentemente, aumentar as injustiças sociais.

Usando e abusando de um discurso de uma falsa modernidade, de competitividade e inevitabilidade, sucessivos Governos e correntes de opinião publicadas, criam a ideia que a precariedade é normal e aceitável. Assim, ao longo dos últimos anos, tem-se criado a ideia que o recurso a trabalho temporário, recibos verdes e contratos a termo para tarefas permanentes na empresa não só é aceitável, como legal.

Ora, não é assim. Na verdade, para tarefas permanentes deve corresponder um contrato de trabalho permanente. Assim, o uso de trabalho temporário, recibos verdes, estágios profissionais, contratos a termo e empresas outsourcing em cascata só são legítimos em situações muito concretas e quando respeitem os requisitos legais.

Não obstante, sucessivos Governos pouco ou nada fizeram para, de uma forma sistemática, combater a precariedade laboral e as violações à lei. Antes pelo contrário, procederam a alterações na legislação que fragilizam as relações laborais e criaram condições para aumentar a precariedade.

Assim, não é surpreendente que hoje existam mais de 1 milhão e 200 mil trabalhadores com vínculos precários no nosso país.

Importa referir que os trabalhadores precários são os primeiros a serem despedidos, são os mais explorados e são aqueles que sofrem, de uma forma mais acentuada, a ofensiva contra os direitos.

A precariedade laboral significa a precariedade das próprias vidas. A instabilidade do vínculo laboral implica que os trabalhadores não saibam até quando vão receber o seu salário, nem por quanto tempo manterão o emprego, pelo que torna praticamente impossível programar a própria vida e tomar decisões, como adquirir habitação ou ter filhos. Os números do trabalho precário entre os jovens trabalhadores, os mais afectados, são assustadores, inaceitáveis e exigem uma urgente intervenção.

Entre as diferentes formas de trabalho precário, para além do trabalho temporário, trabalho ilegal ou clandestino, dos estágios profissionais e abusos na utilização de contratos a termo certo, encontra-se também o recurso aos chamados “falsos recibos verdes”, isto é, a utilização da figura de prestação de serviços para trabalho permanente e subordinado, onde os trabalhadores não trabalham com independência e autonomia, não são os detentores dos meios de produção, estão sujeitos a um horário de trabalho e estão economicamente dependentes da entidade para a qual trabalham.

A estes “falsos recibos verdes” é-lhes negado, ilegalmente, um contrato de trabalho sem termo.

No quarto trimestre de 2009, os trabalhadores por conta de outrem eram 3 milhões 827 mil, os trabalhadores por conta própria eram 1 milhão 153 mil. Não é credível que existam no nosso país este número de verdadeiros trabalhadores independentes, verdadeiros recibos verdes, pelo que se estima que destes, mais de 500 mil, são falsos prestadores de serviços.

Estes trabalhadores, que são os primeiros a ser despedidos (de acordo com dados do INE, entre 2008 e 2009 desapareceram cerca de 54 mil postos de trabalho “independentes”), não têm direito à contratação colectiva, não gozam da mesma protecção social dos restantes trabalhadores e são obrigados a suportar todos os encargos da sua relação laboral. De facto, eles são responsáveis por toda a contribuição para a segurança social, ficando a sua “entidade patronal” isenta.

Muitos destes trabalhadores, dados os baixos salários e, em muitos casos, a irregularidade de rendimentos, não conseguem suportar os encargos para com a Segurança Social. A consequência é, para além da precariedade e da exploração, o facto de estes trabalhadores serem confrontados com processos de execução de dívidas à Segurança Social.

Acontece que a Segurança Social, ao cobrar essa dívida, não tem em conta, nem procura averiguar os motivos dessas dívidas e não verifica, oficiosamente, se se trata de uma verdadeira prestação de serviço.

Assim, para além da necessidade imperiosa de combater todas as formas de trabalho precário com medidas concretas, que aliás o PCP tem vindo apresentar na Assembleia da República, como um plano nacional de combate a precariedade laboral, alterações ao código do trabalho e reforço da acção da Autoridade para as Condições de Trabalho, importa resolver o problema concreto dos “falsos recibos verdes” e as suas dívidas à Segurança Social. Mais, importa aproveitar este facto para proceder a uma averiguação oficiosa da existência ou não de uma verdadeira relação jurídica de prestação de serviços e retirar dessa averiguação todas as consequências legais.

Assim, nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição da República Portuguesa e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, a Assembleia da República recomenda ao Governo que:

1. Crie os mecanismos e procedimentos céleres que permitam, nos processos de recuperação de dívidas à Segurança Social, em que é devedor um trabalhador independente, se suspenda a sua execução até que a Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), em coordenação com a Segurança Social e a Direcção Geral dos Impostos, proceda à verificação oficiosa da relação jurídica em causa.

2. Crie os mecanismos e procedimentos para que a ACT disponha, rapidamente, das informações necessárias, nomeadamente fiscais, para essa averiguação.

3. Crie os mecanismos e procedimentos necessários para, caso se verifique a existência de um “falso recibo verde”, para além da conversão do falso trabalho independente em contrato de trabalho sem termo, se responsabilize a entidade patronal pelas contribuições que não pagou à Segurança Social.

4. Crie os mecanismos e procedimentos necessários para que a administração fiscal envie para a ACT, anualmente, uma lista dos trabalhadores independentes que, reiteradamente, prestam serviços para a mesma entidade, para que esta fiscalize e averigúe se são ou não de verdadeiros trabalhadores independentes.

Assembleia da República, em 22 de Abril de 2010

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