"Vencer o bloqueio, preparar o futuro"

Entrevista de Bruno Rodriguez , Vice-ministro das Relações Exteriores de Cuba
Avante Edição N.º 1772, 15-11-2007

De passagem por Portugal, o vice-ministro das Relações Exteriores de Cuba, Bruno Rodriguez, concedeu uma breve entrevista ao Avante! onde sublinhou a importância da rejeição na ONU do bloqueio norte-americano e lembrou que o povo está a discutir o futuro afirmando a revolução.

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Avante!: Cuba está cada vez menos isolada no contexto internacional e isso viu-se na recente votação na Assembleia Geral das Nações Unidas a respeito do bloqueio dos EUA. Acha que o fim do bloqueio norte-americano pode estar para breve?

Bruno Rodriguez: Não se pode dizer que Cuba tenha alguma vez estado isolada, nem nos piores anos do período especial. Mesmo nesse contexto, sempre granjeamos uma enorme solidariedade internacional, em Portugal e noutros países da Europa, na América Latina, em África e na Ásia, por acção e reconhecimento dos povos em relação ao nosso país.
Cuba hoje tem mais de 120 representações diplomáticas no exterior e em Havana há mais de 80 embaixadas de países de todos os continentes; mais de uma centena de meios de comunicação têm correspondentes permanentes em Cuba; recebemos mais de um milhão de turistas estrangeiros; temos uma economia aberta ao investimento, de maneira que hoje as relações com Cuba estão na agenda da maioria das nações, e isso traduziu-se de forma comovente na rejeição do bloqueio norte-americano.
Algumas décadas atrás, Cuba estava em minoria na Cimeira Ibero-Americana, mas hoje é o neoliberalismo quem não colhe simpatia, o que reflecte igualmente que na América do Sul e no Caribe a solidariedade com Cuba, o seu povo e as suas opções estão reforçadas.
Mesmo nos EUA, existe hoje uma clara maioria a favor do levantamento do bloqueio, como indicam aliás várias sondagens. Até a comunidade cubana ali residente, na sua maioria, é favorável ao fim do bloqueio.

Apesar disso, Bush insiste no reforço dos meios de repressão contra Cuba socorrendo-se de uma forte operação mediática. Como se pode romper com essa campanha?

Hoje a verdade sobre Cuba é mais conhecida do que nunca, apesar da ocultação de informação ser ainda considerável.
Os meios de comunicação dominantes não informam com objectividade a opinião pública mundial, certamente por interesses económicos e políticos fortes, mas, não obstante, casos como o dos cinco patriotas cubanos presos nos EUA começam a abrir brechas no silêncio e na manipulação.
Hoje é uma causa conhecida com activistas e iniciativas de sucesso em dezenas de países, embora seja ainda incipiente no que toca à sua libertação. Mas é já um sinal de conhecimento dos factos, da injustiça, da política de dois pesos e duas medidas dos EUA.
Posso dizer que a moral de Gerardo, Antonio, René, Fernando e Ramón é inabalável. Estão atentos e interventivos. Correspondem-se com centenas de pessoas de várias nacionalidades e, quando as medidas extraordinárias de alta segurança que os rodeiam permitem, também eles escrevem e são publicados em Cuba mantendo, desta forma, um vínculo actualizado com o seu povo.

Em Cuba estão a decorrer em simultâneo um processo eleitoral e um amplo debate sobre os caminhos da revolução. O que é que já nos pode adiantar sobre isso?

Quanto às eleições, realizaram-se e com excelente participação. Em Cuba, o voto não é obrigatório, o sufrágio é universal e secreto. O registo eleitoral é publico, está acessível a todos, de maneira que se criam condições muito favoráveis e de total liberdade para eleger e ser eleito.
Foi importante que 96 por cento dos eleitores tenham votado, sobretudo se considerarmos as deturpações sobre a realidade da participação democrática em Cuba. Só por manifesta vontade de mentir é possível dizer que obrigamos 96 por cento dos eleitores a votar subscrevendo as opções políticas que nos conduzem na revolução.
O debate, por seu lado, está-se a produzir em paralelo e teve início com o discurso de Raúl Castro de 26 de Julho deste ano. Temos que dizer que não haveria este à vontade, esta dinâmica, não se produziria um debate frutuoso se não houvesse uma relação de confiança entre o povo e o seu governo.
São dezenas de milhares de propostas, de soluções, de avaliações dos erros, que também os cometemos, como é natural.

Quais são os temas que mais se discutem?

A ineficiência da nossa agricultura é um deles. O bloqueio norte-americano é o que mais pesa, de longe, nas nossas dificuldades económicas, mas também temos que estar atentos e actuantes quanto às medidas práticas que nos dizem respeito. O próprio parlamento está a discutir os resultados da agricultura cubana há mais de um ano.
Discutem-se também as soluções mais adequadas para superar problemas óbvios das pessoas como a habitação ou os serviços de transporte. Discute-se a proporção entre os preços e os salários, ideia que o próprio Raúl avançou na sua intervenção, mas também sobre o trabalho ideológico a fazer.
Mesmo os sistemas de saúde e educação, reconhecidos mundialmente como dos melhores, estão a ser avaliados construtivamente pelas massas.
É, no fundo, um debate amplo, generalizado, dinâmico, imbuído de forte sentido de pertença à revolução e ligado à vida de todos os dias.

Cumpriram-se 90 anos sobre a Revolução Socialista de Outubro. Cuba, Venezuela e outras nações que afirmam o socialismo como presente e futuro são herdeiras da primeira experiência iniciada na Rússia em 1917?

A revolução cubana é profundamente original, autóctone e, no contexto em que se desenvolveu, direi mesmo que seria incapaz de copiar um modelo, qualquer que ele fosse.
Temos laços muito estreitos com a fibra mais íntima da nossa cultura e dos nossos antepassados políticos. Com José Martí, Simon Bolivar, ou os movimentos de libertação nacional.
Se olharmos a história, só em Cuba confluem a guerra pela independência e a abolição da escravatura, o que torna ainda mais peculiar o processo revolucionário cubano. A maior parte das forças independentistas cubanas eram constituídas por ex-escravos.
Todos estes são factores muito importantes que vale a pena considerar quando se analisa a nossa revolução e os seus traços particulares. Claro, a nossa identidade marxista-leninista, a nossa fidelidade ao socialismo não a escondemos, até porque sempre encarámos, e continuamos a fazê-lo, a aplicação dos princípios gerais, dos caminhos e análises de forma criativa, original e adequada às condições objectivas.
Cuba, Venezuela ou qualquer outro país deve construir o socialismo atendendo à respectiva realidade social.

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