Projecto de Resolução N.º 142/XVI/1.ª

Valorizar os recreios, promover o seu papel pedagógico, lúdico e social

Exposição de Motivos

Têm vindo a ser desenvolvidos e divulgados estudos que demonstram que a exposição excessiva de crianças e jovens a ecrãs lúdicos tem graves consequências para a sua saúde (obesidade, problemas de visão, músculo-esqueléticos, cardiovasculares, ansiedade, depressão e perturbações no sono), no comportamento (agressividade problemas de socialização e adição), no plano cognitivo (linguagem, concentração e memorização), bem como no aproveitamento escolar. As consequências aumentam na razão direta do número de horas a que as crianças e jovens estão expostos.

Os ecrãs estão presentes cada vez mais cedo na vida das crianças, em quase todos os espaços que frequentam e na forma como os adultos os usam. A Direcção-Geral de Saúde e diversas sociedades de pediatria internacionais têm divulgado recomendações, dirigidas sobretudo às famílias, quanto a limites de tempo de exposição a ecrãs por faixa etária, procurando promover estilos de vida saudáveis, que incluam atividade física e estar ao ar livre, combatendo o sedentarismo e o isolamento.

No plano internacional, e também no nosso país, crescem as dúvidas e preocupações quanto ao tempo e aos espaços que as crianças e os jovens têm para brincar e conviver, bem como quanto às consequências do recurso excessivo às tecnologias digitais nos sistemas educativos.

As crianças têm falta de tempo livre, tempo para brincar livremente, para socializar com família e amigos, tempo e espaços diversificados para aproveitar o ar livre, facto indissociável da degradação das condições de trabalho, da desregulação dos horários dos pais, dos tempos perdidos em deslocações pendulares, muitas vezes aumentadas pelas dificuldades no acesso à habitação, da precariedade na vida e no trabalho, mas também da falta de condições das escolas e da diminuição de espaços onde podem socializar. Brincar é estruturante no desenvolvimento global das crianças e privá-las desse direito tem graves consequências no seu desenvolvimento.

O recurso a ecrãs lúdicos para manter as crianças ocupadas antes do horário letivo ou enquanto aguardam a chegada das famílias verifica-se em instituições frequentadas por bebés e crianças muito pequenas, bem como por adolescentes, a que acresce, neste caso, a sua utilização durante os intervalos das aulas.

A falta de qualidade dos espaços exteriores das escolas de todos os graus de ensino é gritante. Muitas vezes desinteressantes, com espaços que antes eram livres agora ocupados por contentores ou outras construções, espaços cada vez mais artificiais e com menor contacto com a natureza, com áreas de desporto concessionadas – e, portanto, de acesso condicionado -, a sua utilização por crianças e jovens é cheia de regras e proibições, algumas das quais se prolongaram após a epidemia de Covid-19. Não são incomuns as proibições de correr, trepar, saltar, jogar à bola ou fazer o pino, porque não há funcionários que assegurem a vigilância mínima ou a posterior arrumação e limpeza, nem, em função do desencontro de horários de intervalos para acomodar crianças e jovens de várias idades e ciclos letivos, as chamadas de atenção sucessivas para que não se faça barulho nos intervalos para não perturbar as aulas que estão a decorrer.

Situação que, aliada à pressão para intervalos de poucos minutos entre aulas, à falta de meios humanos e materiais nas escolas, à concentração em grandes centros escolares e mega-agrupamentos, potencia que grande parte das crianças e jovens tenham pouca atividade lúdica, motora e de convívio durante o tempo que passam na escola. Muitos recreios tornaram-se, assim, espaços quase silenciosos onde dezenas, senão centenas, de jovens olham para o ecrã do seu telemóvel ou para o do colega, muitas vezes sem interação direta.

Por outro lado, a generalidade do espaço público do território português não é pensada para ser usufruído por crianças e jovens, seja com as famílias, seja em contextos construtivos de agregação e participação juvenil, enquanto estes são afastados progressivamente do contacto com a natureza. O isolamento e o confinamento em espaços interiores são uma realidade para grande parte das crianças e jovens do nosso país, aparecendo o recurso aos ecrãs lúdicos como forma muito generalizada de ocupação dos tempos livres, empobrecendo as experiências diversificadas, as atividades lúdicas e físicas no espaço exterior, a que as crianças e jovens devem ter acesso ao longo do seu crescimento.

É verdade que a crescente utilização e até dependência da utilização de ecrãs lúdicos está muito para lá das preocupações aqui manifestadas sobre as crianças e jovens, designadamente em contexto escolar. Exige uma reflexão profunda face à emergência de novas realidades que envolvem as redes e meios de comunicação e interação, muitas vezes capturadas e ao serviço de lógicas comerciais. Mas tal não significa que se adie uma intervenção em contextos mais particulares e junto daqueles que estão mais expostos a efeitos não desejados.

O PCP considera que a sociedade deve refletir e enfrentar os problemas que o uso excessivo de ecrãs lúdicos gera, e que são necessárias medidas para proteger as crianças e jovens das consequências dessa prática, valorizando o tempo, o espaço e as oportunidades que têm de brincar e conviver de forma ativa e saudável. O abuso de ecrãs lúdicos não é um exclusivo das crianças e dos jovens, e não é possível modificar as suas atitudes sem uma alteração dos comportamentos da sociedade em geral com os ecrãs.

O PCP considera ainda que a escola deve refletir essa opção, enquanto espaço de eleição para a aprendizagem, a educação, a participação, a socialização e a promoção de direitos, e que o Estado tem de assegurar medidas que defendam a saúde e o desenvolvimento integral das crianças e jovens.

Assim, nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República adote a seguinte

Resolução

A Assembleia da República, nos termos n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República, recomenda ao Governo que:

  1. Estude as experiências em curso em diversos agrupamentos de escolas de “recreios livres de equipamentos digitais” e considere a sua generalização.
  2. Estude, divulgue e integre as práticas e experiências em curso em diversos agrupamentos e municípios de valorização dos espaços exteriores das escolas.
  3. Promova junto das escolas orientações com vista à fruição por parte das crianças e jovens dos recreios na sua plenitude, incluindo o brincar, o jogo lúdico e a socialização entre pares.
  4. Assegure o envolvimento democrático da comunidade escolar, e particularmente dos estudantes, no processo de reflexão, decisão e tomada de medidas com vista à concretização dos três números anteriores.
  5. Emita orientações para que a utilização dos ecrãs lúdicos seja restrita a programas integrados no projeto educativo da turma para as escolas do pré-escolar e do ensino básico, garantindo a não exposição das crianças dos 0 aos 3 anos a qualquer tipo de ecrãs.
  6. Mobilize verbas do Orçamento do Estado e de fundos comunitários para a requalificação dos espaços exteriores das escolas, de forma a permitir a coexistência de elementos naturais com a instalação de equipamentos e espaços adequados a cada faixa etária e que possam ser utilizados por todas as crianças nas diversas condições climatéricas, para o desenvolvimento de atividades lúdicas, culturais, desportivas, recreativas e para assegurar o direito a brincar livremente.
  7. Aumente os créditos horários por escola, que permitam o desenvolvimento de atividades extracurriculares de índole cultural, artística e desportiva, de clubes educativos, o alargamento do desporto escolar e a dinamização dos espaços polivalentes, bem como de projetos lúdicos, educativos e pedagógicos.
  8. Proceda à contratação de professores bibliotecários, para que exista pelo menos um professor bibliotecário por biblioteca escolar.
  9. Crie as condições para o fim das Atividades de Enriquecimento Curricular no 1º ciclo e para a sua substituição por um Programa Nacional de Tempos Livres, desenvolvido em articulação com a comunidade envolvente do meio escolar, nomeadamente com o movimento associativo popular.
  10. Considere o alargamento do tempo de intervalo entre aulas, criando tempo para a socialização e realização de atividades físicas, de lazer e de usufruto do recreio.
  11. Promova ações de prevenção do abuso e de promoção do uso saudável dos ecrãs lúdicos, articuladas com planos de promoção da saúde mental de crianças e jovens.
  12. Suspenda e pondere a digitalização dos manuais escolares em toda a escolaridade obrigatória, iniciando um amplo debate com a comunidade educativa sobre essa matéria.
  13. Assegure a contratação de mais trabalhadores, nomeadamente de técnicos da área de animação sociocultural, e atualize a portaria que define o rácio de auxiliares de ação educativa, considerando as diversas tipologias das escolas, de forma a colmatar as graves lacunas existentes.
  14. Constitua equipas multidisciplinares nas escolas que assegurem o adequado acompanhamento, o direito ao usufruto dos espaços exteriores e garantam apoio, considerando as necessidades específicas de cada estudante.
  15. Reforce o número de psicólogos por escola, com o objetivo de alcançar um psicólogo por 500 alunos, possibilitando um melhor acompanhamento dos estudantes.
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