Intervenção de

A utilização de medicamentos genéricos e a actual política de não comparticipação estatal no preço dos medicamentos<br />Intervenção de Bernardino Soares

Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, Sr. Ministro da Saúde, Penso que a política do medicamento que hoje debatemos — e, de resto, este debate segue-se a uma pergunta ao Governo, que oportunamente fizemos, em que esta questão também foi debatida — vai deixando ver que, nesta matéria, o Governo não está a trabalhar para a população e para o seu direito à saúde mas, sim, a trabalhar para o cumprimento do Pacto de Estabilidade. Na verdade, o que se verifica é que a linha orientadora de várias destas medidas é a de diminuição dos gastos públicos com o medicamento, o que seria positivo se a isso não correspondesse uma maior fatia de gastos para os utentes com estes medicamentos. Se o Sr. Ministro repete sempre o argumento da diminuição de 6% que, como vimos e ainda agora o Sr. Deputado do Partido Socialista confirmou, continua a não se sentir e será certamente minorada com algumas excepções que estão previstas — e ainda estamos para ver qual é o seu impacto —, a verdade é que, nas medidas que diminuem o apoio às populações quanto à compra dos medicamentos, esse efeito já está a sentir-se, e bem. Desde logo, verifica-se que a eliminação da majoração dos medicamentos genéricos está a significar um custo acrescido para as populações. Eu próprio, ainda outro dia, paguei mais 5 € por um medicamento nessas condições. Por outro lado, a diminuição da comparticipação, de 100% para 95%, abre a porta a uma linha, que suspeitamos aí virá, de progressivas descomparticipações e de diminuição de comparticipações e que, em si mesma, é muito grave porque, muitas vezes, trata-se de doenças crónicas e de utentes que necessitam de uma protecção especial. Bem sei que o Sr. Ministro vai dizer que há excepções no diploma que prevê esta diminuição de comparticipação, mas vou falar-lhe de um caso, o da paramiloidose, sobre o qual tive oportunidade de me debruçar hoje mesmo. A Associação Portuguesa de Paramiloidose denuncia uma situação que se repete em relação a outras doenças crónicas. É que, Sr. Ministro, com a legislação que fez, pode garantir que não diminua a comparticipação de 100% nos medicamentos, digamos, nucleares para o tratamento directo da doença mas, depois, diminui a comparticipação em medicamentos que, parecendo acessórios, são indispensáveis para a vida destes doentes, como, no caso da paramiloidose, os polivitamínicos. Ora, a despesa com tais medicamentos é um ónus muito grande para estes doentes e estima-se até — segundo declarações da Associação Portuguesa de Paramiloidose, doença que tem uma especial incidência na Póvoa de Varzim e em Vila do Conde — que um doente possa passar a despender, por mês, 150 € nestes medicamentos em que, agora, passam a pagar 5%. Gostaria, igualmente, de ouvir o Sr. Ministro sobre uma outra matéria. O Sr. Ministro referiu as técnicas de marketing utilizadas — e não tenho razões para duvidar que tenha acontecido — para que medicamentos com pequenas inovações passassem a ser mais utilizados, aumentando, por essa via, o gasto com medicamentos, em evidente vantagem terapêutica. Assim, pergunto-lhe como é que o Sr. Ministro vai garantir que isso não aconteça no futuro próximo, sobretudo em relação a esta medida de diminuição de 6% no preço dos medicamentos. É que é legítimo temer que o mesmo que foi feito — e que o Sr. Ministro aqui relatou — em relação às medidas do governo do PSD e do CDS possa a indústria farmacêutica fazer agora também a propósito desta diminuição de 6%. E que mecanismos é que o Governo tem para nos garantir que não existirá o mesmo recurso a esta técnica de marketing e à inovação de preços no caso de inovação terapêutica? Sr. Presidente, Começo por uma palavra de «apoio» ao Governo: relativamente às últimas palavras do Sr. Deputado Emídio Guerreiro, antes fosse essa a interpretação das palavras do Sr. Ministro da Saúde, mas não é! O que o Sr. Ministro diz é que o mercado virá regular a questão do preço de referência, retiradas as «almofadas», como o Sr. Ministro chama aos acréscimos de majoração e a outras medidas que apoiam os rever esta situação e eliminar o sistema de preços de referência, o que, aliás, o Partido Socialista aceitou, votando favoravelmente uma proposta do PCP, no tempo dos governos PSD/CDS, que ia exactamente nesse sentido. Vejo que, neste momento, não há disponibilidade para tal, mas essa alteração significaria retirar de cima dos utentes um acréscimo de pagamento que sai completamente fora da sua responsabilidade e decisão. Não são eles que decidem nem foram eles que inventaram o sistema de preços de referência, mas são eles que pagam a factura da diferença de comparticipação. O Sr. Ministro, há pouco, não teve tempo para responder a todas as questões que lhe foram colocadas, mas espero que ainda tenha oportunidade para se referir aos mecanismos de que o Governo dispõe para garantir que não vamos voltar a ter, da parte da indústria farmacêutica, o artifício de aumentar os preços dos medicamentos por via de falsas inovações. Espero uma resposta do Sr. Ministro em relação a esta matéria. No que respeita à questão dos genéricos mais caros (e já nem vou falar dos genéricos de marca, que temos vindo a discutir há tantos anos, designadamente com o Sr. Secretário de Estado Francisco Ramos, e perante o facto, que é verdadeiro, de os nossos genéricos apresentarem preços superiores aos que poderiam e deveriam ter, pergunto se, no entender do Sr. Ministro, não é possível introduzir alterações no mecanismo de fixação do respectivo preço, designadamente em relação às diferenças que eles têm de ter face ao medicamento de marca. Esse é o caminho e essa é a medida que, provavelmente, é preciso tomar, mas para o fazer não é necessário retirar a majoração, porque essa retirada prejudica sobretudo os utentes. Ou seja, se quer baixar o preço dos genéricos e, em consequência, também diminuir o valor que o Estado gasta com essa majoração, então deve introduzir alterações na fixação do preço dos genéricos. Finalmente, queria referir-me a uma outra questão, a da prescrição de qualidade. Nos países em que se dá mais importância a esta questão – por exemplo, no sistema de saúde inglês –, há um esforço continuado e permanente na formação dos prescritores, dos médicos, para a prescrição de qualidade em termos clínicos e terapêuticos, mas utilizando também critérios de racionalidade económica, desde que não colidam com as vantagens terapêuticas e os benefícios para os utentes. Em Portugal continuamos a não ter uma política nesta matéria. Já que tanto se fala na baixa percentagem de prescrição pelo princípio activo, é preciso apostar nessa prescrição de qualidade e reintroduzir na lei (fizemo-lo, nesta Assembleia, no tempo do anterior governo socialista) a regra geral da prescrição pelo princípio activo, mesmo de aplicação faseada e progressiva ao longo dos anos, tal como constava da lei e que o governo anterior retirou. Espero que este Governo esteja disponível para corrigir essa situação.

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