Intervenção de Manuel Loff na Assembleia de República

É urgente a concretização desta proposta do PCP de reforço da contratação de psicólogos escolares

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A Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE) assume que “o sistema educativo (…) [deve] contribuir para o desenvolvimento pleno e harmonioso da personalidade dos indivíduos, incentivando a formação de cidadãos livres, responsáveis, autónomos e solidários e valorizando a dimensão humana do trabalho”. Refere ainda no artigo 29.º que o “apoio no desenvolvimento psicológico dos alunos e à sua orientação escolar e profissional, bem como o apoio psicopedagógico às actividades educativas e ao sistema de relações da comunidade escolar, são realizados por serviços de psicologia a orientação escolar profissional (…)”

Um conjunto importante de medidas legislativas - Estatuto do Aluno e Ética Escolar, promoção do sucesso educativo, legislação relativa aos apoios especializados a prestar a alunos com NEE, … - pressupõem há muito a existência e um papel ativo de orientação no Ensino Básico e Secundário.

“A legislação relativa à organização e funcionamento do Sistema Educativo Português, nomeadamente no que diz respeito ao Estatuto do Aluno e Ética Escolar, aprovado pela Lei n.º 51/2012, de 5 de setembro8 , faz referência ao papel dos SPO nomeadamente no artigo 7.º, n.º 1, al. i) e no artigo 46.º, n.º 2. De igual forma, a legislação concernente às medidas a adotar para a promoção do sucesso educativo, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 17/2016, de 4 de abril o qual procedeu à terceira alteração do Decreto-Lei n.º 139/2012, de 5 de julho (texto consolidado), relativo aos princípios orientadores da organização e da gestão dos currículos, da avaliação dos conhecimentos e capacidades a adquirir e a desenvolver pelos alunos dos ensinos básico e secundário, atribuem também aos SPO um papel ativo, em particular nos artigos 21.º, n.º1, al. b) e 24.º-A. A intervenção dos SPO é, além disso, referida na legislação relativa aos apoios especializados a prestar na educação pré-escolar e nos ensinos básico e secundário dos setores público, particular e cooperativo de alunos com necessidades educativas especiais, aprovada pelo Decreto-Lei nº 3/2008, de 7 de janeiro (texto consolidado), e nas ofertas educativas que visam a criação de condições necessárias ao sucesso escolar de todos os alunos, como por exemplo a Portaria n.º 341/2015, de 9 de outubro (texto consolidado), que aprovou os princípios orientadores da organização e da gestão dos currículos, da avaliação dos conhecimentos e capacidades a adquirir e a desenvolver pelos alunos dos ensinos básico e secundário, nomeadamente no artigo 8.º, n.º 2, al. b).” [do Relatório Técnico da CPE]

O impacto positivo dos psicólogos no contexto escolar é devidamente reconhecido em áreas como: saúde mental global da comunidade educativa; efetiva educação para a saúde; melhoria das aprendizagens; prevenção do abandono, da insegurança e da indisciplina; gestão de conflitos entre pares, entre alunos e professores e entre diversos agentes educativos; promoção de competências transversais; processo de tomada de decisão vocacional; inclusão de alunos com necessidades educativas especiais e melhoria das suas aprendizagens; integração de minorias étnicas e melhoria das suas aprendizagens; promoção da igualdade entre homens e mulheres; aproximação dos encarregados de educação à escola; melhoria da saúde mental dos professores; formação do pessoal docente e não docente.

O impacto da pandemia de Covid-19 e a estratégia adotada de longas fases de confinamento deixou-nos uma bomba de relógio de explosão retardada. A Ordem dos Psicólogos alertava já em 2021 para que, «à semelhança do que aconteceu em crises socioeconómicas anteriores, espera-se que a crise atual tenha também como consequência um aumento das dificuldades e problemas de Saúde Psicológica e uma diminuição do bem-estar», corroborado por estudos que comprovavam já então «um aumento dos problemas de Saúde Psicológica (nomeadamente de Ansiedade e Depressão.»

No ano passado, o Estudo “Saúde Psicológica e Bem-Estar”, elaborado em parceria com várias entidades como a DGEEC, DGE, PNPSE, OPP…, evidenciou a necessidade desta proposta do PCP de reforço da contratação de psicólogos escolares ao referir que “cerca de um terço dos alunos acusa sinais de sofrimento psicológico e défice de competências socio emocionais em pelo menos uma das medidas consideradas, apresentando sinais de sofrimento psicológico a exigir atenção e carência de recursos para lhe fazer face.” Já os professores, “pelo menos metade dos docentes acusa sinal de sofrimento psicológico em pelo menos uma das medidas consideradas.” De acordo com as recomendações internacionais, tal como refere a Ordem dos Psicólogos no Parecer sobre o Rácio de Psicólogos e Psicólogas, “o rácio de psicólogos com intervenção em contexto escolar/alunos não deve exceder os 500 alunos para um psicólogo, (…)  Ora, e de acordo com o mesmo Parecer, o rácio em Portugal continua “aquém das recomendações internacionais, correspondendo a um psicólogo em contexto escolar por cada 694 alunos, isto é, 40% mais.

Em 1997, através do Decreto-Lei n.º 300/97, de 31 de outubro, foi criada a carreira do Psicólogo no âmbito do Ministério da Educação, que permitia não só o recrutamento e vinculação destes trabalhadores para a escola pública como garantia a progressão na carreira. Contudo, em 2018 este regime foi revogado e estes trabalhadores transitaram para a carreira geral de técnico superior, e o regime de contratação que foi adotado para os psicólogos nas escolas segue hoje os procedimentos previstos no “regime de recrutamento e mobilidade do pessoal docente dos ensinos básico e secundário e de formadores e técnicos especializados”, sendo assim contratados, como técnicos especializados, através de contratação de escola. Neste sentido, estes trabalhadores são exemplo do recurso à precariedade na escola pública.

O PCP entende a psicologia em contexto escolar como um instrumento de reforço da escola pública de qualidade. Assim, a presente iniciativa legislativa pretende dar um contributo para o ingresso e estabilidade na carreira dos psicólogos e na resposta às necessidades das escolas. O PCP considera que estes trabalhadores são essenciais às escolas, tendo de existir em número suficiente para poderem dar resposta às necessidades sentidas e as verbas para a sua contratação devem ser previstas anualmente em Orçamento do Estado (e não através de fundos comunitários), e inseridas nas transferências para os orçamentos de funcionamento dos estabelecimentos de ensino.

 

Consenso sobre o aumento muito evidente de problemas de saúde mental – seguramente não há consenso, nem sobre as causas, nem sobre a multidimensionalidade da intervenção dos psicólogos escolares. Neste debate, há pelo menos um GP que participa neste debate retratando a realidade em termos semelhantes a um filme de ficção-catástrofe, usando linguagens de há 70 ou 80 anos atrás. Precisamos de um debate sério sobre problemas sérios. E quem nas nossas escolas precisa de apoio psicológico precisa também de ser levado a sério.

Com a apresentação deste Projeto de Lei, o PCP pretende que as estabelecimentos públicos na educação pré-escolar e dos ensinos básico e ensino secundário tenham, nos seus quadros de pessoal e de acordo com as necessidades específicas da comunidade escolar, o número adequado de psicólogos (de acordo com o rácio de um psicólogo para 500 alunos). Para contrariar a situação precária destes trabalhadores, é recriado um regime de recrutamento e contratação e vinculação na carreira de psicólogo, deixando de se aplicar a estes trabalhadores as normas do regime de recrutamento e contratação docente. Prevê-se ainda a abertura de um processo negocial para a recuperação da carreira do psicólogo no âmbito do Ministério da  Educação.

Ao reconhecimento e valorização do trabalho dos psicólogos em meio escolar é fundamental que correspondam condições efetivas de estabilidade laboral e pessoal, bem como a possibilidade de ingresso e progressão numa carreira. Isto é válido para todos os trabalhadores, mas isto é sobretudo coerente num contexto de pós-pandemia, marcado pelo impacto que, nos alunos do ensino básico e secundário, teve o ambiente social e emocional vivido nos períodos de confinamento e de encerramento das escolas. Não podemos continuar a diagnosticar problemas sem contribuir decisivamente para a sua resolução.

 

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