Intervenção de António Filipe na Assembleia de República

A única "saída limpa" e digna para Portugal exige uma rutura com este Governo e esta política

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Declaração política acusando o Governo de ter em vista fins eleitoralistas ao propalar méritos das medidas de austeridade que tem vindo a impor ao País
Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados:
Enquanto a maioria dos portugueses empobrece, o Governo decreta o fim da crise. A falta de vergonha de um Governo transformado em comissão eleitoral da coligação PSD/CDS parece não ter limites.
Os membros do Governo responsável pelo maior aumento de impostos de que há memória prometem baixar os impostos em 2015. Os membros do Governo que impôs aos trabalhadores cortes salariais infames e inauditos vêm dizer que a economia portuguesa não pode desenvolver-se na base da mão-de-obra barata.
O Governo que fustiga e insulta os portugueses por alegadamente terem vivido acima das suas possibilidades sorteia carros topo de gama, rebaixando as obrigações fiscais ao nível das rifas.
O Vice-Primeiro Ministro, que endividou o País para comprar submarinos, afina o seu melhor espanhol para criticar quem governa com o dinheiro dos outros.
Na ânsia de minorar a derrota eleitoral que se avizinha para a coligação PSD/CDS, os membros do Governo tentam desesperadamente conciliar o inconciliável: defender os méritos da austeridade que tem vindo a arrasar a vida dos trabalhadores, dos reformados e das suas famílias e, ao mesmo tempo, prometer fazer daqui para a frente exatamente o contrário do que têm feito até aqui.
E o País vai assistindo, atónito, a um discurso governamental sem sentido, obcecado com as eleições e completamente alheio à realidade, no meio dos escombros de uma economia em ruínas, em que os jovens não encontram outra solução que não seja emigrar, em que as pequenas e médias empresas, que não beneficiam das benesses escandalosas atribuídas aos grandes grupos económicos, vão desaparecendo, afogadas pela falta de poder de compra da grande maioria da população, em que as famílias desesperam por falta de meios para fazer face às despesas necessárias para levar a vida com um mínimo de dignidade, em que as pensões e reformas dos mais idosos, que servem cada vez mais de amparo dos mais novos, são impiedosamente cortadas, em que as populações mais desfavorecidas veem negado o seu direito a serviços públicos essenciais de proximidade, na saúde, na educação, na justiça e até nos correios, é no meio dos escombros desta economia em ruínas e desta sociedade em desespero que os membros do Governo percorrem o País em campanha eleitoral a reivindicar sucessos e a fazer promessas que já só enganam quem se quiser deixar enganar.
No momento em que é desmantelada uma unidade industrial com a importância dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo, assistimos a discursos piedosos sobre a necessidade de reindustrializar o País e sobre a importância do mar como grande desígnio nacional.
Entretanto, os pescadores, que há dois meses não podem sair para o mar devido às condições adversas do tempo, não têm qualquer apoio para garantir a sua sobrevivência enquanto persistir a adversidade.
Num momento em que as bolsas de investigação científica sofrem cortes drásticos, assistimos a discursos piedosos sobre a indispensabilidade da inovação para ultrapassar a crise.
No momento que em vemos até um comissário europeu, ontem, em Lisboa, com toda a hipocrisia do mundo, a zurzir na austeridade e nas suas consequências nefastas, temos o Primeiro-Ministro a dizer no Tramagal que agora, sim, os portugueses estão a viver de acordo com as possibilidades, o FMI a dizer que é preciso alterar ainda mais, para pior, a legislação laboral, e temos o Governo, hoje mesmo, a aprovar em Conselho de Ministros novas regras para facilitar ainda mais os despedimentos.
No momento em que acaba de aprovar, no Orçamento retificativo, novos cortes nas reformas e nos salários, o Governo pretende diferir os seus efeitos para depois das eleições europeias, para que os portugueses afetados não «sintam na pele» os efeitos dessas medidas antes de ir a votos.
Entretanto, o Ministro Poiares Maduro vai percorrendo o País a anunciar os milhares de milhões que hão de vir da União Europeia para nos garantir um futuro radioso.
É esta a realidade com que os portugueses se confrontam: um Governo a empobrecer o País e a criar excêntricos todos os dias.
Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados:
A mais recente operação mistificatória do discurso propagandístico do Governo chama-se, agora, «saída limpa». Quando se tratou de negar a inevitabilidade de um segundo resgate, foi inventado o «programa cautelar». Quando se começou a perceber que o «programa cautelar» não era mais nem menos do que a nova designação da troica, foi posta a circular a «saída limpa» e foi encomendado o champanhe para a semana anterior às eleições europeias.
E como que para dar credibilidade a essa operação, foi anunciado mais um sucesso no regresso aos mercados: o Governo conseguiu a enorme proeza de se endividar a uma taxa de juro proibitiva, superior a 5%, para poder pagar os juros das dívidas anteriores.
Enquanto se mantiver este Governo e esta política, enquanto se mantiver a sujeição às imposições da troica e do seu Memorando, enquanto se mantiver a obediência cega à ditadura dos mercados e dos especuladores e enquanto se aceitar como inevitável que haja cada vez mais pobres para que os ricos sejam cada vez mais ricos, não haverá saída limpa de espécie nenhuma. Quem lançou o País na lama não lhe pode prometer uma «saída limpa».
Chamem-lhe «saída limpa», «programa cautelar», «ajustamento», chamem-lhe o que quiserem, o que oferecem aos portugueses, à grande maioria, a quem trabalha ou trabalhou uma vida inteira, a quem estuda ou quer estudar para ter uma vida digna é a condenação à pobreza, ao abandono ou à emigração.
Portugal está hoje muito pior do que estava antes do Memorando da troica. O País tornou-se mais pobre, mais injusto e mais desigual.
A única saída limpa e digna para Portugal exige uma rutura clara com este Governo e com esta política. Enquanto o País estiver amarrado à agiotagem e a ter de suportar os juros insuportáveis do endividamento a que nos obrigaram para satisfazer a ganância dos especuladores, não haverá crescimento económico que nos permita sair deste círculo vicioso.
A renegociação da dívida nos seus montantes, juros e prazos, e a adoção de políticas públicas capazes de melhorar as condições de vida dos portugueses e promover o crescimento económico são condições indispensáveis para, aí sim, uma saída limpa. Não a que o Governo promete, mas a que o País exige e está ao alcance do povo português.
(…)
Sr.ª Presidente,
Sr. Deputado Mendes Bota,
Disse que estava habituado a não sei quê da minha parte. Pelos vistos, estava mal habituado!
Quando ouvi esta sua intervenção, Sr. Deputado — como já aconteceu há pouco com a do Sr. Deputado Hélder Amaral, mas a sua, agora, foi mais contundente —, pensei que o Sr. Deputado não deve sair à rua!
Sr. Deputado, vá à rua e encontre um trabalhador que viu no seu recibo de vencimento a diferença entre o que recebeu no início deste ano e no ano passado e pergunte-lhe o que é que ele acha e se considera que o País está melhor. Fale com os reformados, que viram as suas reformas cortadas, tendo muitos deles de apoiar filhos desempregados com a sua reforma e netos, levando-os à escola. Pergunte-lhes o que acham e se estão muito contentes com os sucessos deste Governo, desta política e com o Memorando da troica. Pergunte aos portugueses!
Os senhores vêm dizer que nós não nos preocupamos não sei com quê,… com a OCDE, com uma série de instituições, com uma série de relatórios, relatórios esses que saem ao ritmo de vários por dia a contradizerem-se uns aos outros. Os senhores não se preocupam é com os portugueses, e é com esses que nós nos preocupamos, porque esses é que são verdadeiramente afetados pela política deste Governo.
O Sr. Deputado insiste numa das maiores mentiras deste Governo e desta maioria, que é dizer que se não fosse o Memorando da troica não havia dinheiro para pagar salários.
Vozes do PCP: — Exatamente!
A troica não veio para cá para que o País tivesse dinheiro para pagar salários. Veio para cá para que, à custa de um empréstimo a juros injustos e exorbitantes, houvesse dinheiro para cobrir o buraco do BPN e outros buracos provocados nas contas públicas nacionais.
Não foi para pagar salários que a troica veio! Havia dinheiro para pagar salários, não havia era dinheiro para pagar o buraco do BPN!
Para isso é que não havia dinheiro! Porque transformaram dívida privada, à custa dos desvarios da banca, em dívida pública e puseram os portugueses com os seus salários e com as suas reformas a pagar os desvarios dos banqueiros. Para isso é que não havia dinheiro!
Questiona o Sr. Deputado se encontramos em algum lado taxas de juro melhores do que aquelas que a troica nos ofereceu, segundo o Sr. Deputado, benevolamente. Olhe, Sr. Deputado, juros incomparavelmente mais baixos são aqueles que os bancos pagam pelos empréstimos que contraem junto do Banco Central Europeu.
É que são esses bancos, Sr. Deputado, que contraem empréstimos junto do Banco Central Europeu a juros inferiores a 0,5% que depois compram a nossa dívida soberana a 5,1%.
É por isso que estamos na situação em que estamos, Sr. Deputado!
(…)
Sr.ª Presidente, respeitarei seguramente o apelo que a Mesa faz.
Sr. Deputado Pedro Nuno Santos,
Agradeço a pergunta que coloca e que me permite fazer duas breves considerações.
A primeira é para dizer o seguinte: o Sr. Deputado reparará que no início do seu mandato uma das frases mais recorrentes do Primeiro-Ministro era a da política de verdade. No entanto, já há longos meses se esqueceu disso. Com o desvario eleitoralista com que os Ministros andam por aí a anunciar todos os dias, o Primeiro-Ministro já não conseguiria, sem corar, fazer alusão a essa tal política de verdade. E, provavelmente, como não consegue dizer sem corar, não o diz. Pura e simplesmente esqueceu-se disso.
Mas há uma questão que o Sr. Deputado coloca que creio ser da maior relevância. Referiu-se à mistificação que tem sido feita em torno da questão das exportações. Obviamente, todos nos congratulamos se houver um aumento das exportações portuguesas. Isso é evidente. Infelizmente, o maior aumento de exportações que temos tido tem sido a exportação forçada de jovens quadros qualificados, que são obrigados a encontrar emprego no estrangeiro.
É preciso dizer também que a economia portuguesa nunca conseguirá recuperar só na base das exportações. Não é possível haver uma recuperação económica sustentada do nosso País sem se aumentar o poder de compra dos portugueses. Milhares de restaurantes estão a fechar fechar porque os portugueses não têm dinheiro para ir comer fora. Se não houver uma melhoria das condições de vida das populações, se não houver um aumento do poder de compra da população — porque só será possível o crescimento económico com o crescimento da procura interna —, não haverá obviamente um crescimento sustentado da nossa economia e nunca será possível pagar os encargos da dívida que têm vindo a asfixiar de forma dramática a economia portuguesa.
Portanto, e para terminar, Sr.ª Presidente, dizia há pouco o Sr. Deputado Hélder Amaral que a oposição fica muito incomodada ou irritada com os sucessos do Governo. Sr. Deputado, o que irrita não apenas a oposição mas todos os portugueses com bom senso é que esses sucessos sejam mentira e sejam incessantemente repetidos! Isso é que irrita, Sr. Deputado!
(…)
Sr.ª Presidente,
Sr. Deputado José Luís Ferreira,
Efetivamente, para este Governo há contratos e contratos, há «dois pesos e duas medidas».
Quando se trata de contratos feitos com os grandes grupos económicos — e nalguns casos são contratos leoninos, contratos altamente lesivos para o interesse público, para o Estado e para os contribuintes, como as parcerias público-privadas ou como as swaps —, aquilo que é dito é que esses contratos estão feitos, o Estado não os pode renegar. Quando se trata de contratos com os trabalhadores da Administração Pública e com os reformados, neste caso, o Estado já pode rasgar os contratos à vontade, esses contratos já não são para respeitar. Ou seja, os contratos com os fracos são para rasgar, os contratos com os fortes são para respeitar. É esta a política deste Governo. É esta a opção deste Governo.
O mesmo se passa no que se refere ao problema da dívida. Quando se fala na necessidade — quanto a nós, inquestionável — para a economia portuguesa de aliviar o garrote da dívida externa, que nos asfixia, e de exigir uma renegociação séria das condições de pagamento da nossa dívida, que implica renegociá-la nos seus montantes, nos seus juros, nos seus prazos, o Governo diz logo: «Não, não pode ser. Não podemos dizer que não queremos pagar». Ou seja, o Governo e a maioria, pura e simplesmente, fogem a essa discussão com a acusação, completamente infundada, de que quem defende uma renegociação da dívida quer dizer que não quer pagar, quando é exatamente o contrário. Aqueles que defendem a necessidade de uma renegociação da dívida fazem-no precisamente porque querem honrar os seus compromissos e porque têm a consciência plena de que, com estas condições, a dívida externa é impagável e a economia portuguesa não terá condições para recuperar da situação dramática para que a maioria e o Governo a empurraram.
(…)
Sr.ª Presidente,
Sr.ª Deputada Mariana Aiveca,
Uma das imagens de marca deste Governo é o confronto com a Constituição da República. Aliás, isso está mais do que demonstrado pelo número de diplomas com normas já declaradas inconstitucionais, de que este Governo é recordista desde que a Constituição entrou em vigor
Um outro aspeto é o propósito do Governo que, perante qualquer declaração de inconstitucionalidade, procura não respeitar a decisão do Tribunal Constitucional e a Constituição, mas encontrar um qualquer estratagema para conseguir obter o mesmo objetivo, ou seja, o que não conseguiu fazer «entrar pela porta» vai fazer toda a ginástica possível para que consiga «entrar pela janela». Tem sido esse permanente esforço de contrariar a Constituição e as decisões do Tribunal Constitucional que o Governo, mais uma vez, hoje nos demonstrou com o que aprovou relativamente aos critérios para despedimento por extinção do posto de trabalho.
Saliento, ainda, outro aspeto relativo a esta maioria e a este Governo, que é o de levar por diante uma política assente em dogmas que não se discutem, ou seja, a dívida não se discute, as condições em que Portugal contraiu esta dívida e os juros que são impostos pela troica não se discutem, as opções tomadas no âmbito da União Europeia não se discutem. Se alguém questiona alguma coisa, se alguém considera que algo deve ser discutido, se alguém considera que, por exemplo, as consequências da entrada de Portugal no euro devem ser discutidas, qual é a resposta da maioria? A resposta é: «Os senhores querem é sair da União Europeia!». É muito fácil discutir assim. Quem não tem argumentos usa o único que lhe resta, que é o medo! É o medo!
Não quiseram perguntar aos portugueses se queriam aderir à moeda única e não aceitam que os portugueses discutam seriamente as consequências da moeda única. Se alguém questiona, se alguém interroga, o que dizem é: «Bem, o que os senhores querem já não é sair do euro ou da União Europeia mas separar o País do resto da Europa».
Os senhores com isto revelam que não têm argumentos e não sustentam uma discussão séria, à custa das opções que unilateralmente querem impor ao País!

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