Artigo de Jorge Cordeiro

«Uma evidente cegueira»

Diz o povo e com comprovada razão que mais cego é aquele que não quer ver do que aquele que não o pode fazer. Se outros exemplos não houvesse bastaria dar conta desta obstinada cegueira com que os principais responsáveis políticos e militares têm seguido a questão das consequências e efeitos do urânio empobrecido sobre a saúde resultantes dos bombardeamentos da Nato à Jugoslávia para dar razão a tal afirmação.

Regidos pela supremo objectivo de não deixar de agradar aos Estados Unidos e à Nato e confrontados com a irrefutável evidência de terem decidido o envolvimento de Portugal numa guerra de agressão contra o país soberano a pretexto de objectivos manifestamente falsos, Governo, Presidente da República e chefes militares desdobram-se em declarações tendentes a negar as mais óbvias evidências e a delas extrair as inevitáveis consequências.

Para recusar os factos que a realidade revela, o refúgio encontrado é o da alegada ausência de "evidências cientificas". Como se a comprovada toxicidade das partículas do urânio empobrecido, aliás reconhecidas em vários documentos de altos responsáveis da Nato que o Governo diz terem-se perdido e não os conhecer, não fossem por si uma inegável confissão, vinda donde vem, dos riscos que representa. Como se a multiplicação de casos de doença e de falecimentos entre militares de vários países que permaneceram na região dos Balcãs, mais de 70 casos diagnosticados e cerca de duas dezenas de falecimentos, não fosse uma evidência suficiente para despertar o que resta de sensatez nos que detêm o poder de decidir da permanência de contingentes militares portugueses naquela região. Como se não tivesse algum significado o facto de os Estados Unidos da América depois de se terem dedicado àquele exercício cobarde e distante de inundar uma nação de bombas de efeitos devastadores numa guerra cinicamente denominada de "baixas zero" tenham estrategicamente fugido à permanência de soldados seus no território ocupado.

Bem pode o Governo, com as suas operações de propaganda, tentar iludir e manter desinformada a opinião pública nacional. O que é hoje uma evidência, que só não vê quem quer, por razões condenáveis, continuar a não ver, é que não só as razões humanitárias invocadas para a agressão à Jugoslávia são a mais pura hipocrisia, como a persistência em manter envolvido o nosso país naquela operação de ocupação nos Balcãs constitui um acto contrário aos interesses nacionais e a uma postura política norteada pelos valores da paz, solidariedade e cooperação internacional.

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