Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-Geral do PCP, Reunião Quadros

«Um debate que queremos o mais amplo e alargado possível»

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Camaradas:

No seguimento da decisão do Comité Central de convocação da Conferência Nacional “Tomar a iniciativa, reforçar o Partido, responder às novas exigências”, aqui estamos nesta Reunião de Quadros de promoção e dinamização de um debate que queremos o mais amplo e alargado possível, e com ele proporcionar a reflexão conjunta e o colher do contributo de todos e de cada um para o exame, a definição e a tomada de decisões que o objectivo da Conferência suscita.

Uma Conferência como amplamente se difundiu e o conjunto do Partido conhece que tem como objectivo contribuir para a análise da situação actual e dos seus desenvolvimentos, centrada na resposta aos problemas do País, nas prioridades de intervenção e reforço do Partido e na afirmação do seu projecto.

Uma Conferência que assume e parte das orientações traçadas no XXI Congresso de Novembro de 2020, as quais no que é fundamental mantêm toda a actualidade, tal como parte e confirma os aspectos essenciais das análises da evolução internacional e nacional que deram suporte a essas orientações, mas que, entretanto, rápidos desenvolvimentos em importantes aspectos dessa evolução, então já identificados, colocam hoje particulares exigências à organização e intervenção do Partido, à luta dos trabalhadores e do povo que se impunham considerar pelo colectivo partidário para sua intervenção imediata e futura.

É o caso do aprofundamento da ofensiva do imperialismo que se está a verificar e a política de confrontação e guerra que lhe é intrínseca.

É no plano nacional, entre outros, o agravamento da situação económica e social e as alterações do quadro político que adiante analisaremos.

O Projecto de Resolução da Conferência está já ao alcance de cada militante. Ele está aberto ao enriquecimento que surgirá da discussão que se vai desenvolver no Partido. E desde já se apela a esse contributo de enriquecimento.

A Resolução está organizada em seis capítulos e condensa a avaliação que se faz da situação, procedendo à sistematização da evolução verificada nos planos nacional e internacional, o quadro em que nos encontramos e as perspectivas de desenvolvimento que apresenta, e traça para já 18 linhas de trabalho em torno da iniciativa política, do trabalho de massas e do reforço do Partido.

Algumas considerações, então, como pontapé de saída para o debate de hoje, sem a preocupação de tratar com a mesma profundidade todos os capítulos e as questões que nela estão colocadas.

Começando pela situação internacional. As teses do nosso último Congresso evidenciavam e mostravam que a evolução da situação internacional continuava, no fundamental, marcada pela natureza exploradora, opressora, agressiva e predadora do capitalismo, pelo aprofundamento da sua crise estrutural e pela sua incapacidade em dar resposta aos principais problemas da Humanidade.

A vida continua a confirmá-lo. Como nos diz o Projecto de Resolução da nossa Conferência, o capitalismo não só comprova essa incapacidade, como é simultaneamente causa e factor do agravamento dos problemas.

Isso está patente no aproveitamento, quer da pandemia, quer da instigação da confrontação e principalmente das sanções, incluindo no quadro da intensificação da guerra na Ucrânia, que tem vindo a traduzir-se num crescente agravamento da exploração, das desigualdades e injustiças e no acumular de capital nas mãos das multinacionais.

Isso vê-se na acção das forças do imperialismo que têm vindo perigosamente a incrementar a sua ofensiva que se desenvolve, nomeadamente com a escalada da política de confrontação, de que é expressão a estratégia da NATO, com o seu alargamento e intervenção de carácter global.

Esta estratégia do imperialismo - em que se inserem a guerra na Ucrânia e o seu prolongamento e a crescente tensão e provocação contra a China - transporta consigo o perigo de uma confrontação global.

Outro traço cada vez mais claro e preocupante desta estratégia é a intensificação da manipulação, da mentira e a censura da informação, visando impor um pensamento único e vulgarizar concepções reaccionárias e fascizantes para, promovendo o anticomunismo, atacar a democracia.

Portugal não é imune a todos estes desenvolvimentos negativos, cujas consequências se reflectem na vida política, económica e social do País.

Temos analisado amplamente o resultado do processo de recuperação capitalista e monopolista no País. Processo que de décadas de política de direita e de submissão à União Europeia e ao Euro e, em geral, ao imperialismo promoveram e que se traduz na entrega do domínio da vida nacional ao grande capital nacional e estrangeiro e num sistema de poder em que esse capital dispõe de facto em Portugal. As consequências estão também identificadas por nós: défices estruturais agravados, estagnação económica, aumento da exploração dos trabalhadores e fortes impactos negativos no plano social, na participação política, na vida cultural, no plano ambiental e no próprio regime democrático. Tudo isto tem marcado a realidade nacional.

Entretanto, a situação nacional registou desenvolvimentos que colocam novos problemas que é preciso ter presente.

A alteração da correlação de forças no plano político e institucional com a obtenção de uma maioria absoluta pelo PS - acompanhada da redução da expressão parlamentar do PCP. Alteração cujas consequências negativas para o povo e o País são já visíveis.

A expressão institucional e a ampla promoção das forças e projectos reaccionários num quadro em que o PS e estas forças – PSD, CDS, Chega e IL -– empolam e encenam uma oposição entre si, quando na verdade desenvolvem, em aspectos essenciais, uma acção convergente na defesa dos interesses do grande capital.

A acelerada deterioração das condições de vida dos trabalhadores e do povo e uma cada vez maior acumulação de lucros pelos grupos económicos, a que acrescem novas ameaças que se colocam para os próximos tempos.

A vulnerabilidade do País perante um quadro económico mundial instável e acumulador de riscos e crises.

A intensificação da campanha antidemocrática, de forte pendor anticomunista. Uma campanha que não tenderá a amenizar-se, bem pelo contrário teremos de contar com o seu recrudescimento nos tempos mais próximos.

O explícito e crescente confronto com a Constituição da República a par da promoção de alterações de sentido antidemocrático às leis eleitorais e à legislação laboral, e que configuram novas etapas da acção revanchista contra os valores de Abril.

Estes desenvolvimentos colocam, tal como sublinha a Resolução “a necessidade de compreensão e denúncia dos perigos que envolvem os planos e objectivos do capital e, tendo presente a relação de forças em que este confronto de classe se desenvolve, a definição de prioridades quanto às tarefas, às reivindicações e lutas nos tempos mais próximos”.

Toda esta evolução, seja a passada, seja a mais recente dá razão à avaliação que o PCP tem vindo a fazer à situação nacional e reforça a necessidade da afirmação de uma política alternativa que confronte a política de direita decorrente da acção do Governo do PS e das forças e projectos reaccionários.

A concretização dessa política alternativa patriótica e de esquerda, que o PCP propõe ao povo português, requer o reforço do Partido, a intensificação da luta dos trabalhadores e das populações e o fortalecimento das organizações de massas, assim como a convergência de democratas e patriotas, condições determinantes para uma alteração na relação de forças. A Conferência pretende responder a estas exigências.

Resistir à investida em curso contra os direitos dos trabalhadores e do povo português é o primeiro passo para derrotar os objectivos mais imediatos do grande capital e condição necessária para abrir caminho a um outro rumo para o País.

Sabemos que não temos uma vida fácil.

Sabemos quanto pesa a brutal ofensiva que se desenvolve contra o PCP, tal como ele é, com os interesses de classe que assume, os objectivos por que luta e o projecto transformador de emancipação social de que é portador.

Sabemos o que significam e pretendem as campanhas de deturpação das suas posições, das calúnias e das tentativas de chantagem, condicionamento e silenciamento a que o PCP está sujeito.

Sabemos igualmente das dificuldades, insuficiências e atrasos que estão identificados e importa superar.

Tal como sabemos que a acção do Partido, a sua organização e condições de intervenção e luta resultam não apenas das decisões e opções próprias mas também, em alguns aspectos com peso determinante, da acção dos seus adversários e do quadro mais geral – nacional e internacional – em que intervém.

Mas dito isto, e sem menosprezar as dificuldades e os perigos e ameaças existentes, considera-se que há forças, capacidades, e recursos na sociedade portuguesa para dar a resposta que os trabalhadores, o povo e o País precisam, sendo certo que da força do Partido, da sua capacidade de resistir e avançar dependerá também a evolução da situação nacional.

Aqui chegados, coloca-se então a pergunta: como enfrentar a operação global que se desenvolve contra o Partido? Como é que resistimos e avançamos? Como é que assumimos o papel de vanguarda na mobilização dos trabalhadores e do Povo português na luta por uma vida melhor? Como é que articulamos a luta por objectivos mais imediatos, com a luta mais geral pela democracia e o socialismo?

A receita não pode ser outra senão a que sempre deu provas: - centrar a intervenção do Partido nos problemas concretos, nos anseios e aspirações dos trabalhadores e do povo. Ligar ainda mais o Partido à vida, afirmá-lo como o instrumento fundamental de acção e luta. Reforçar a organização.

É neste quadro que se propõe a partir da Conferência o desenvolvimento da acção do Partido de forma integrada, envolvendo todos estes domínios da acção.

Sublinhe-se que, do conjunto de questões que são propostas, não constituem elementos absolutamente novos que se acrescentam às muitas tarefas a que as organizações do Partido estão a dar resposta. Pelo contrário, o que se procura fazer é uma identificação mais clara das prioridades e linhas de trabalho, do seu calendário e forma de concretização. Nem tão pouco são para serem assumidas de atacado por cada uma das organizações, desligadas da realidade em que se inserem e os problemas existentes.

Assim no plano da acção política, e não perdendo de vista o carácter integrado das linhas de trabalho, coloca-se a necessidade de tomar a iniciativa – seja no plano central, seja a partir das organizações – para a resolução de problemas mais urgentes com que os trabalhadores e o Povo português se confrontam e cuja solução passa e exige:

Tomar a iniciativa pelo aumento geral dos salários. Combater o brutal agravamento do custo de vida e os lucros escandalosos do capital. Assumir o aumento geral dos salários como uma emergência nacional no sector privado e na Administração Pública, com um significativo aumento do salário médio e do aumento do Salário Mínimo Nacional. Dar força à luta pela alteração das normas gravosas do Código de Trabalho para garantir este objectivo.

Tomar a iniciativa pela promoção dos direitos das crianças e dos pais. Direitos que a política de direita nega, travando o desenvolvimento integral das crianças e agravando ainda mais o défice demográfico.

Tomar a iniciativa pela valorização das reformas e pelo direito a envelhecer com qualidade de vida. O baixo valor das pensões e reformas, que predomina entre a larga maioria dos idosos, e a subida especulativa dos preços tornam mais urgente a necessidade do seu aumento real e do combate à sua desvalorização. É inadiável a criação de uma Rede Pública de Lares e de outros equipamentos e serviços de apoio à terceira idade e à deficiência.

Tomar a iniciativa na defesa e valorização das funções sociais do Estado e dos serviços públicos. A melhoria dos serviços públicos é indissociável da valorização dos seus profissionais. É preciso defender todos os serviços públicos mas na saúde, na educação e na segurança social isso assume particular urgência. É preciso salvar o SNS. Impõe-se igualmente o reforço do investimento público na ciência e investigação, tal como noutras áreas, da justiça às forças e serviços de segurança e à protecção civil.

Tomar a iniciativa em defesa da cultura enquanto factor de realização e emancipação humana. Dinamizar a luta pela valorização dos direitos dos artistas e profissionais do sector e pelo reforço do investimento público com o objectivo de 1% para a cultura.

Tomar a iniciativa pela valorização da produção nacional. Uma opção que tem de enfrentar os défices estruturais que a evolução recente da situação internacional tornou ainda mais preocupantes. Exige diversificar a actividade produtiva e as relações económicas e substituir importações por produção nacional. Recuperar o controlo público sobre empresas e sectores estratégicos e apoiar as micro, pequenas e médias empresas.

Tomar a iniciativa em defesa do ambiente e pelo acesso à água que é um direito e não deve ser um negócio.

Tomar a iniciativa pelo direito à habitação, à mobilidade e aos transportes públicos.

Tomar a iniciativa na defesa do regime democrático e dos valores de Abril. Desde logo exercendo os direitos alcançados, denunciando a política de direita, combatendo a ofensiva reaccionária, desmontando a ditadura do pensamento único, combatendo o racismo e a xenofobia, o ódio fascizante e todo o tipo de discriminações. Há que combater quaisquer projectos de revisão constitucional que promovam a descaracterização da Lei Fundamental ou a alteração das leis eleitorais, visando diminuir o pluralismo da representação política e eternizar a política de direita. Há que suscitar a mobilização dos democratas e patriotas no combate ao revisionismo histórico e ao branqueamento do fascismo, fazendo das comemorações do 50.º Aniversário da Revolução uma grande afirmação dos valores de Abril e de luta por um Portugal com futuro.

À tomada de iniciativa da acção política e estreitamente ligadas à sua concretização há que juntar e considerar as questões relacionadas com o trabalho no seio das massas. São três as linhas de trabalho que se apontam e que não podem nem devem ser desligadas, antes se articulam com as linhas de iniciativa política na concretização dos problemas concretos e que passam por:

Desenvolver e intensificar a luta dos trabalhadores e das massas populares, onde se projecta como indispensável o caminho da intensificação e alargamento da luta de massas em torno de objectivos concretos intimamente ligados com o que se referiu anteriormente envolvendo os trabalhadores e as populações, tal como camadas e sectores específicos;

Desenvolver a acção de fortalecimento das organizações e movimentos de massas. O que exige igualmente que o Partido assuma o seu papel na contribuição para a acção e fortalecimento das organizações e movimentos de massas. Uma realidade que mais do que uma aspiração em abstracto, precisa de ser tratada de forma concreta, quer no plano mais geral, quer a partir de cada uma das organizações, visando o meio em que se insere e as organizações de massas que devem, de forma prioritária, ser objecto da nossa intervenção;

Desenvolver a ligação e o trabalho com outros democratas e patriotas com a dinamização de um amplo trabalho junto de outros democratas e patriotas, seja no âmbito da CDU, seja num plano mais largo, assumindo a realização de contactos regulares a partir de cada uma das organizações com aqueles que se destacam na vida colectiva, tal como com personalidades e sectores muito diversos, da cultura à ciência, do desporto ao movimento associativo.

E por fim, inseparável das dimensões atrás descritas, apontam-se medidas de reforço do Partido que, valendo por si, são indispensáveis à concretização de tudo o resto. Neste âmbito, destaca-se a responsabilização e formação de quadros, questão decisiva para alargar a capacidade de resposta e desenvolver a acção partidária. Responsabilização de pelo menos 1000 novos quadros, seja por tarefas regulares, seja por organizações até final de 2024. O papel dos quadros é absolutamente decisivo para que o Partido cumpra o seu papel. Assume-se, também, dar prioridade ao recrutamento e integração dos militantes, prosseguindo a campanha de recrutamento e levando mais longe a capacidade de atracção do Partido. Aponta-se para a intensificação do trabalho junto da classe operária e de todos os trabalhadores, também aqui, de forma integrada, com a realização de uma grande acção nacional sob a consigna «Mais força aos trabalhadores», a promover durante os primeiros meses de 2023, culminando com uma iniciativa que projecte esta realidade no final do mês de Maio. Coloca-se igualmente, a necessidade de uma ampla iniciativa a partir das organizações locais do Partido, a partir do lema viver melhor na nossa terra e cujo término está previsto para o final de 2023. No plano da propaganda, num quadro em que o Partido depende no fundamental dos seus próprios meios para projectar as suas posições, destaca-se a campanha em torno do Avante! a iniciar em Abril de 2023 e a culminar em Maio de 2024 e, num quadro de intensificação da reflexão e de medidas práticas em torno da propaganda, aponta-se para a realização de uma iniciativa nacional neste âmbito em Novembro de 2023. As questões financeiras são igualmente suscitadas, enquanto elemento indispensável para a independência política e ideológica do Partido, com destaque para o papel e valor das quotizações e para as medidas práticas para garantir a sua recolha.

A acção integrada que se avança no Projecto de Resolução da Conferência Nacional não anula, antes se articula, com outras dimensões da intervenção do Partido em múltiplos problemas específicos que afectam camadas e sectores tão diversos como a juventude, os intelectuais, as mulheres, os idosos, os imigrantes, os emigrantes, as pessoas com deficiência, a ciência ou o desporto e outras dimensões como o combate às discriminações, a luta pela Paz e a solidariedade internacionalista, entre outros que requerem igualmente o empenho e a intervenção das organizações e militantes do Partido.

Estamos a preparar a Conferência e temos que continuar a dar resposta aos problemas, como o estamos fazer nos mais diversos planos, na Assembleia da República, Parlamento Europeu, Assembleias Legislativas Regionais e Autarquias Locais, nas mais diversas frentes de acção e luta no plano da intervenção política e social e nas organizações de massas e locais de trabalho. Temos aí a acção convergente, promovida pela CGTP-IN, com as manifestações de 15 de Outubro que é preciso apoiar e dinamizar.

O que agora se adianta, sem prejuízo da discussão que irá prosseguir, procura sistematizar os principais traços da realidade e suscitar uma resposta que precisa de ser confiante. Confiança no Partido, no nosso ideal, nos trabalhadores e no Povo português e na sua capacidade de luta e transformação. Uma confiança que “não fica à espera”, antes se transforma em acção, luta e intervenção.