Intervenção de Jorge Machado na Assembleia de República

Tributo Solidário

Institui o tributo solidário (projecto de lei n.º 266/XI/1.ª)

Sr. Presidente,
Sr. Deputado Adão e Silva,
Depois do «tango da política de direita» entre Passos Coelho e José Sócrates, temos, hoje, uma tentativa do PSD de simular um aspecto onde há divergência entre o PS e o PSD, apresentando um projecto de lei que é absolutamente vergonhoso, diga-se de passagem.
O PSD corre atrás da agenda populista do CDS-PP. O CDS-PP tem liderado o populismo e a demagogia; o PSD sente o terreno a fugir-lhe por debaixo dos pés e ocupa o terreno, apresentando um projecto de lei que é absolutamente vergonhoso, tal como o é o projecto de lei do CDS-PP que, amanhã, discutiremos.
O que está por detrás deste projecto de lei é a vergonhosa ideia, que, agora, o PSD avança, de que os trabalhadores e os desempregados, as pessoas que recebem prestações sociais, são uns malandros que não querem trabalhar.
Portanto, é preciso condená-los numa espécie de pena de trabalhos forçados, a aplicar a esses trabalhadores.
O que o PSD propõe aos mais de 700 000 desempregados que existem no nosso país é, muito claramente, trabalhar de graça para uma instituição de solidariedade social ou trabalhar para o Estado.
Além de denunciarmos este aspecto, deixamos aqui um conjunto de questões: então, se há trabalho no Estado e nessas instituições particulares de solidariedade social, por que é que o Estado e essas instituições não contratam estes desempregados? Não seria bem mais útil conferir direitos e salários a esses trabalhadores, para que eles possam viver dignamente do seu trabalho?!
É a pergunta que lhe deixo.
Depois, o Sr. Deputado fala de acompanhamento destas prestações sociais e eu pergunto-lhe: acompanhamento com que recursos humanos, Sr. Deputado Adão Silva?
Foram o PS e o PSD que acordaram, agora, no âmbito do PEC, o congelamento das admissões para a Administração Pública. Com que recursos humanos vão fazer esse acompanhamento, Sr. Deputado, se nesta medida, mais uma vez, o PS e o PSD «dançam o tango»?! Como é que vai aplicar estas medidas?
Depois, há esta profunda contradição, Sr. Deputado: o PSD, o PS e o CDS tudo exigem aos mais pobres — tudo, até trabalhos forçados! —, mas nada exigem àqueles que continuam a lucrar e a lucrar com os salários de miséria com a crise que provocaram!
Nada exigem aos «Belmiros», aos «Amorins» e aos «Espíritos Santos» que continuam a engordar», dia após dia, com os salários de miséria de milhares de trabalhadores. E essa
contradição é uma mancha de vergonha para o PSD, para o PS e para o CDS-PP.
(…)
Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
O PSD, com a apresentação deste projecto de lei, ao qual chama erradamente tributo solidário, está a tentar fazer marcação cerrada à agenda do CDS e do PS, no ataque aos mais pobres.
O PSD, juntamente com o CDS e o PS, com a sua política de direita, está a atacar aqueles que recebem prestações sociais e que em nada foram, ou são, responsáveis pela situação em que o nosso País se encontra.
Numa altura em que se discute a crise e os seus impactos, o PSD está a tentar transferir as culpas para os desempregados e para aqueles que recebem prestações sociais, desviando
assim as atenções e, mais uma vez, isentando e protegendo os mais ricos, aqueles que «engordam» com a miséria de milhares de portugueses.
Na semana passada, o PSD tentava expiar os seus pecados, pedindo desculpa — diga-se, de passagem, hipocritamente — pelas medidas gravosas que apresentou e que negociou com o Governo do PS. Esta semana, mais uma vez, avança com medidas, na mesma linha demagógica do CDS-PP, que, não resolvendo qualquer problema, colocam os desempregados como malandros que não querem trabalhar.
Na verdade, a ideia que está por detrás deste projecto de lei, e da direita mais retrógrada do nosso País, é que os desempregados, as pessoas que recebem o rendimento social de inserção, as pessoas que recebem o subsídio social de desemprego, não querem trabalhar, pelo que têm de ser condenados numa espécie de pena de trabalhos forçados.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto de lei, que hoje se discute, do PSD, sob a falsa capa da
integração, pretende que os desempregados e aqueles que recebem prestações sociais, como o subsídio social de desemprego e o rendimento social de inserção, trabalhem de graça para instituições do Estado ou para instituições de solidariedade social.
O que o projecto de lei não explica é como vai o PSD arranjar trabalho para os mais de 700 000
desempregados que existem no nosso País e que não encontram qualquer oferta de emprego. Depois de o Primeiro-Ministro prometer 150 000 postos de trabalho, o PSD não se faz rogado e oferece aos 700 000 desempregados trabalho sem salário.
O PSD não explica o seguinte facto: havendo trabalho no Estado ou em instituições de solidariedade social, por que não se contratam essas pessoas? Para o PCP — pelos vistos, para o PSD, assim não é! —, a verdadeira integração dos desempregados e dos que hoje são excluídos faz-se criando condições para que estas pessoas tenham um emprego com direitos e um salário justo ao fim do mês.
Na verdade, o PSD sabe muito bem que este projecto de lei não é exequível, pelo que apenas tem como objectivo, além de fazer concorrência — desleal, diga-se — à demagogia populista do CDS-PP, tentar criar a ilusão de que há assuntos onde o PS e o PSD são diferentes, quando, na realidade, os dois partidos vivem em união de facto, partilhando não as mesmas cama e mesa
mas, sim, as mesmas opções políticas e objectivos.
O projecto de lei refere que «os serviços competentes passarão a acompanhar os beneficiários, numa relação de proximidade e de acordo com um projecto de vida individual o que permitirá uma constante monitorização e avaliação».
A pergunta que deixamos é esta: com que recursos humanos? Como é que vai a segurança social fazer esse acompanhamento, se, hoje, já não tem recursos humanos suficientes? Importa lembrar que o PSD, em comunhão com o PS, mais uma vez, impede a admissão de recursos humanos na Administração Pública.
Depois da regra do PS, que estipulava que entra um por cada dois funcionários públicos que saem, o PSD apressou-se a propor que a regra fosse ainda mais restritiva e, agora, a pouco santa irmandade PS e PSD congelaram as admissões na Administração Pública.
Um outro aspecto do projecto de lei que importa denunciar é que, no artigo 4.º deste projecto de lei, o PSD propõe que o não cumprimento do acordo do dito «tributo solidário» implica a cessação da prestação do subsídio de desemprego, do subsídio social de desemprego e do rendimento social de inserção. Como o PSD propõe que o não cumprimento só é justificado por razões de saúde, isto quer dizer que um desempregado pode ser obrigado a trabalhar de graça, a 200 ou 300 km de distância da sua habitação.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para o PS, PSD e CDS-PP, o caminho é atacar quem trabalha e os mais desprotegidos, sempre, mas sempre, para salvaguardar os interesses e os lucros da banca, dos grandes grupos económicos, dos mais ricos do nosso País, que, como parasitas, engordam à custa do nosso Orçamento do Estado.
Na verdade, o PSD, bem como o CDS e o PS, nada exigem aos mais ricos deste País, antes pelo
contrário, tudo dão de mão beijada.
O PSD, o PS e o CDS, aos «Belmiros», aos «Amorins» e aos «Espírito-Santos» deste País, que recebem milhões de apoios do Estado, nada exigem, a estes não lhes pedem qualquer tributo solidário, não lhes pedem para pagar os impostos que qualquer pequena e média empresa paga, não lhes pedem para trabalhar para uma instituição de solidariedade social ou para o Estado, de graça. A estes tudo dão para, depois, apresentar a factura aos trabalhadores portugueses.
Para o PCP, a solução para as pessoas que estão desempregadas ou que recebem prestações sociais passa por uma política diferente, que promova o pleno emprego — o que passa pela aposta nos sectores produtivos —, que garanta serviços públicos de qualidade, que promova justiça fiscal e que garanta aos trabalhadores portugueses emprego, com direitos e salários que lhes permitam viver com dignidade.
Bem sabemos que, para este objectivo, não podemos contar com o PSD, nem com o PS, e muito menos com o CDS-PP.
(…)
Sr. Presidente,
Sr.ª Deputada Maria José Gambôa,
Era clarinho como a água que ia aproveitar o projecto de lei, vergonhoso, em discussão para tentar simular algumas divergências de fundo relativamente ao PSD.
Fica clara qual é a posição do PS quanto ao projecto de lei.
No entanto, a pergunta que lhe quero deixar refere-se ao que foi acordado no âmbito do PEC. É ou não verdade que o PS e o PSD acordaram num ataque sem precedentes às prestações sociais?
As alterações à chamada «condição de recursos» irão impor limites absolutamente inaceitáveis no acesso às prestações. As notícias dão conta que o Governo pretende poupar em prestações sociais cerca de 329 milhões de euros.
Pergunto, Sr.ª Deputada: em que medida é que são os pobres os responsáveis pela crise económico-social que vivemos? Por que é que têm de ser os pobres a pagar os custos de uma crise para a qual em nada contribuíram?
Explique como é que o PS e o PSD chegam a um entendimento relativamente a esta matéria.
Uma outra matéria, que considero de particular sensibilidade, tem a ver com o considerar a habitação social como um rendimento. Ou seja, viver em habitação social passa a ser considerado um privilégio e, portanto, passa a ser considerado no cálculo para efeito da atribuição da prestação social. Isso é, na verdade, um atentado à integração social destas pessoas que vivem em situações muito complicadas e que importa corrigir.
Consideramos absolutamente inaceitável que o PS e o PSD tenham ido mais longe que o CDS-PP alguma vez foi no que diz respeito às prestações sociais.
Os desempregados e as pessoas que recebem prestações sociais têm de mostrar as contas bancárias, o IRS, dizerem e provarem se venderam ou não algum tipo de património. Se isto fosse exigido aos «Belmiros», aos «Amorins» e aos «Espírito Santos» do nosso País, o CDS, o PS e o PSD atiravam-se literalmente ao ar. Era aqui d’el rei!, era o fim do mundo se se exigisse a estes senhores que mostrassem, por exemplo, as suas contas bancárias para receber algum dos apoios que envolvem milhares de milhões de euros!
A pergunta que lhe quero deixar, Sr.ª Deputada, é se considera legítimo impor todos estes sacrifícios a pessoas que recebem 189 €, 200 € ou 300 € e que não se peça absolutamente nada a quem provocou esta crise e que deveria pagar os seus efeitos. Em vez disso, continuam a «engordar».

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