Intervenção de Honório Novo na Assembleia de República

Tributa as mais-valias mobiliárias de qualquer origem e natureza

Tributa as mais-valias mobiliárias de qualquer origem e natureza, independentemente do tempo de detenção do património, alterando o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, e o Estatuto dos Benefícios Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de Julho (http://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa...)

«A César o que é de César»,

Sr. Presidente!
Sr. Presidente,
Srs. Deputados,
Srs. Membros do Governo:
É visível, apesar das nuances, o incómodo do PS, do PSD e do CDS neste debate.
Este debate testemunha, de facto, um profundo recuo nas posições conservadoras do Partido Socialista, durante a última década. Este debate, que vai finalmente introduzir, mesmo que de forma mitigada, na versão do Governo, a tributação das mais-valias bolsistas, faz implodir e tornar profundamente ridículas as posições do PS, do PSD e do CDS, que, ao longo de tantos e tantos anos, sempre rejeitaram as propostas para tributar as mais-valias, que o PCP nunca desistiu, porém, de apresentar, e ainda bem que nunca desistiu de as apresentar.
Ao contrário do que sucede com a proposta do Governo, o projecto de lei do PCP pretende tributar as mais-valias mobiliárias em sede de IRS, mas pretende também tributar os rendimentos da mesma natureza que pertençam ou sejam geridos por entidades estrangeiras, por SGPS, que também são tributadas em muitos países da OCDE, Sr. Secretário de Estado, por todos os fundos de investimento mobiliário e não apenas por alguns e por sociedades e investidores de capital de risco.
O projecto de lei do PCP, ao contrário da proposta do Governo (http://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa...), não discrimina, não tributa alguns e isenta outros, não permite, ao contrário da proposta do Governo, que os grandes grupos económicos ou o capital estrangeiro continuem a receber rendimentos de milhões e milhões de euros de mais-valias, sem pagar um cêntimo, sequer.
O projecto do PCP, curiosamente, responde até às preocupações, muitas vezes, aqui expressas pela Sr.ª Deputada Assunção Cristas, que, num debate anterior, assinalou, aliás, com inteira razão, que o projecto inicial do Bloco de Esquerda sobre esta matéria, aqui já debatido, tributava, e passo a citar: «os que detêm acções a título individual e sem qualquer estruturação.» Mas deixa de fora — lamentava a Sr.ª Deputada — os grandes accionistas, que «utilizam habitualmente veículos fiscalmente eficientes para gerirem o seu portfólio. Ou seja, (…) socorrem-se de SGPS, e essas não são afectadas pela medida agora proposta,…» — pelo Bloco — «… ao contrário do que se quer fazer crer». Fim de citação, Sr.ª Deputada Assunção Cristas.
É por isso que o voto da Deputada Assunção Cristas e o voto do Deputado Paulo Portas a favor do projecto do PCP parecem-me estar assegurados.
É que, independentemente da posição do CDS, que será uma, por exemplo, o Deputado Paulo Portas, no debate realizado há oito dias com o Primeiro-Ministro, afirmou, em tom indignado — veja-se! —, que, e passo a citar, Sr. Deputado Mota Soares, o Governo tinha começado «pelas mais-valias dos pequenos accionistas e aforradores — porque os ricos, esses, fazem SGPS…» — está a ver, Sr. Secretário de Estado, o seu argumento é igual, só que ao contrário! — «… e não pagam nem mais um cêntimo (…)», fim de citação do Dr. Paulo Portas. 8 DE MAIO DE 2010 23
O projecto do PCP também não isenta de pagamento de imposto qualquer rendimento, tenha ele o montante que tiver, Sr. Secretário de Estado.
Defendemos que os rendimentos obtidos devem ser todos tributados, qualquer tipo de rendimentos, seja qual for o seu montante.
Isentar de qualquer pagamento de imposto rendimentos inferiores a 500 €, como faz o Governo na sua proposta, não significa proteger os pequenos accionistas, mas implica, Sr. Secretário de Estado, de facto, diminuir a taxa efectiva de imposto sobre as mais-valias mobiliárias, que desta forma, ao contrário do que os senhores propõem, nunca vai atingir, seguramente, os 20%.
O projecto do PCP impede, ao contrário do Governo, que se verifique um movimento concertado, de engenharia financeira, cujas consequências serão a realização de vastas operações de alteração de titularidade de acções e património mobiliário, de forma a que todos estes bens passem a pertencer a sociedades estrangeiras, a fundos de investimentos, ou SGPS, que o Governo, de forma inaceitável, continua a não querer tributar. E é uma ingenuidade, para não dizer outra coisa, Sr. Secretário de Estado, dizer como disse hoje aqui, que isto não se vai verificar ou que isto não promove, de facto, uma evasão fiscal.
O projecto do PCP impede, assim, o que a proposta de lei incentiva: uma fuga interna de capitais, tendentes a fugir à tributação das mais-valias e a obter receitas fiscais inferiores às esperadas.
Finalmente, uma questão geral que a proposta do Governo coloca: a crise financeira que atravessamos tem, na sua origem fundamental, a voracidade dos mercados financeiros e, digamos, a agiotagem generalizada da Banca. Esta crise foi parcialmente sustida pela disponibilidade de montantes financeiros sem precedentes, que os Estados, incluindo Portugal, transferiram para os sectores bancários indirectamente para apoio aos mercados financeiros.
É fundamental que estes mercados possam agora ser objecto de uma tributação próxima da que é aplicada às sociedades e aos povos, uma tributação que se aplique, Sr. Secretário de Estado, de forma universal e que não continue a isentar rendimentos, seguindo aquilo que a Constituição da República diz e ao contrário da invocação incompleta que o Sr. Secretário de Estado tem feito ao longo deste debate.
O que o Governo faz é exactamente o contrário: é uma proposta que tributa alguns, mas que continua a isentar a maioria; é uma proposta que isenta, sobretudo, os principais detentores e beneficiários de milhões e milhões de euros de mais-valias. Ou seja, o Governo, na tributação das mais-valias, continua o mesmo caminho que tem seguido na generalidade das políticas inseridas no PEC: faz de conta que ataca o problema, anuncia a tributação, mas depois percebe-se que há muito de «cosmético» e pouco de vontade política em introduzir equidade verdadeira, em vez de equidade generalizada.
Em síntese, também aqui o Governo continua com mão de ferro para os trabalhadores e para o País, mas com uma espécie de mão de veludo para os grandes grupos económicos e para os poderosos.

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