Intervenção de

Tratado Reformador - Intervenção de António Filipe na AR

Declaração política, abordando a questão do referendo ao Tratado Reformador hoje assinado em Lisboa

 

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

O chamado Tratado Reformador foi assinado hoje em Lisboa ao fim da manhã. Já não há mais desculpas para adiar a decisão sobre o referendo. Este é um assunto incontornável do dia de hoje, porque o tempo de decidir é agora.

O Grupo Parlamentar do PCP acabou de entregar no Gabinete do Sr. Presidente da Assembleia da República um projecto de resolução para que a Assembleia da República resolva apresentar ao Sr. Presidente da República a proposta de realização de um referendo em que todos os cidadãos portugueses, recenseados, residentes em Portugal ou nos demais Estados-membros da União Europeia, se possam pronunciar sobre a aprovação, ou não, do Tratado Reformador. Sr. Presidente,

Srs. Deputados:

Recusar este referendo é trair o povo português. Todos os partidos representados nesta Assembleia assumiram para com os eleitores, antes das últimas eleições, o propósito de submeter a referendo nacional o Tratado que viesse a alterar o Tratado da União Europeia e os Tratados constitutivos da Comunidade Europeia.

O Programa do actual Governo refere, na página 152, que «o Governo entende que é necessário reforçar a legitimação democrática do processo de construção europeia, pelo que defende que a aprovação e ratificação do Tratado deve ser precedida de referendo popular, na sequência de uma revisão constitucional que permita formular aos portugueses uma questão clara, precisa e inequívoca.»

A revisão constitucional de 2005 foi feita expressamente com o único objectivo de viabilizar a realização de um referendo nacional que incidisse directamente sobre o Tratado a aprovar.

Se alguém disser que nessa revisão constitucional apenas se pretendeu viabilizar o referendo sobre a chamada Constituição para a Europa, está a mentir.

Quando se aprovou a revisão constitucional em Portugal, já a dita Constituição estava inviabilizada pelo referendo em França, e foi expressamente admitida pelo Partido Socialista a possibilidade do referendo em Portugal incidir, não apenas sobre a versão original do Tratado que instituía uma Constituição para a Europa mas também sobre as alterações que, de futuro, lhe fossem introduzidas.

A realização de um referendo em Portugal sobre o Tratado Reformador não é apenas um compromisso político, é também um compromisso constitucional que deve ser honrado.

Até ao passado mês de Outubro, o que o PS dizia era que só se podia decidir sobre o referendo depois de conhecer o texto do Tratado.

Depois de Outubro, mesmo conhecendo o seu conteúdo e achando que o Tratado era «porreiro», o Partido Socialista passou a dizer que só se poderia decidir sobre o referendo depois de haver Tratado assinado. Pois bem, agora há Tratado e é conhecido o conteúdo. Já não há desculpas para não decidir convocar o referendo.

O referendo tem sido um mecanismo recorrentemente usado no processo de integração europeia desde o início dos anos 70. Houve referendos em 1972 na Irlanda, na Dinamarca e na Noruega; em 1975, na Grã-Bretanha: em 1992, na Irlanda, na França e na Dinamarca por duas vezes; em 1994, na Áustria, na Finlândia, na Suécia e na Noruega; em 2001, na Irlanda por duas vezes.

Dependendo das tradições políticas e constitucionais de cada Estado, o referendo sempre foi um processo aceite e efectivamente utilizado para aferir da aceitação popular do processo de integração europeia.

Só que, depois da vitória do «Não» em França e na Holanda, caiu uma maldição sobre o referendo, por uma razão muito simples: é porque, para os governantes da União Europeia, o referendo é legítimo e estimável quando ganham, mas já é inadmissível e amaldiçoado quando perdem.

Aqueles que querem decidir do destino do povo têm medo da decisão do povo. A recusa do referendo sobre o Tratado Reformador é uma prova concludente do carácter antidemocrático deste processo de integração europeia.

Ninguém tem a mínima dúvida de que este Tratado é um estratagema para fazer entrar pela «janela» o Tratado da dita Constituição que os povos não deixaram entrar pela «porta». Este Tratado faz de conta que muda a simbologia: retira a palavra Constituição, enrola um pouco a bandeira e manda tocar o hino mais baixo, mas mantém tudo o que de essencial constava do Tratado Constitucional.

Este Tratado representa uma União Europeia mais federalista, mais neoliberal e mais militarista. É um Tratado contrário à soberania e aos interesses nacionais, à causa do progresso social e da paz na Europa e no Mundo. É um Tratado que esmaga a capacidade de decisão dos pequenos países, submetendo-os ao diktat das grandes potências que controlam os mecanismos de decisão numa União cada vez mais desigual.

O PCP é contra este Tratado Reformador. O PCP defende a realização de um referendo e lutará sem quaisquer equívocos pela vitória do «Não».

A realização deste referendo é uma elementar exigência democrática.

Ao contrário do que agora insinuam alguns sectores do PS, do PSD e mesmo do CDS, o povo não é estúpido. Se a soberania reside no povo, o povo não pode ser privado de decidir sobre a sua soberania, nos termos da Constituição.

O argumento da complexidade e dimensão do Tratado para recusar o referendo é o mesmo argumento que foi usado num passado já distante pelas classes dominantes para recusar o sufrágio universal.

O défice de conhecimento sobre o Tratado é um problema real, mas não se resolve mantendo a ignorância. Resolve-se com a divulgação, com o esclarecimento e com o debate plural e contraditório.

Mas isso já percebemos que o Governo não quer! O Governo prefere substituir o debate pela propaganda; em vez de editar o Tratado, edita encartes de publicidade paga; em vez de debater ideias, difunde slogans apologéticos sem qualquer significado real; em vez de incentivar a discussão sobre o presente e o futuro de Portugal e da Europa, procura abafá-la ao som de fanfarras.

O Governo não ignora que, quanto mais conhecido for a conteúdo do Tratado Reformador, mais serão as vozes que se levantarão contra ele. Termino, Sr. Presidente e Srs. Deputados, dizendo que o PCP considera indispensável que se abra um período de ampla divulgação e debate sobre o conteúdo do Tratado Reformador; divulgação rigorosa e não publicidade enganosa; debate plural e esclarecedor e não a mera repetição dos chavões do costume sobre a suposta nobreza do ideal europeu.

O PCP considera indispensável que os portugueses tenham consciência das limitações à sua soberania que decorrem da aprovação deste Tratado Reformador, para poderem decidir em consciência sobre o seu destino colectivo e sobre o futuro de Portugal enquanto país livre e soberano.

(...)

Sr. Presidente,
Sr. Deputado João Semedo,

Agradeço o seu pedido de esclarecimento.

Como o Sr. Deputado muito bem disse, esta é, para nós, a questão do momento. É incontornável que, no dia em que é assinado o Tratado Reformador, esta Assembleia deva pronunciar-se sobre esse facto e retirar dele as devidas consequências. E esperamos que haja mais partidos, hoje, a pronunciar-se sobre o Tratado e sobre o referendo. Esperemos que isso ainda aconteça, ainda haverá essa oportunidade. É porque a questão aqui fundamental é esta: a de saber se todos os partidos vão honrar os compromissos que assinaram para com os portugueses, antes das últimas eleições, que permitiram a eleição desta Câmara, e se a revisão constitucional feita em 2005, que foi feita especialmente para permitir que este referendo pudesse acontecer, vai ou não ser, de facto, concretizada.

Porque, a não ser assim, ficaremos perante um facto, absolutamente insólito, que é o de ter-se feito uma revisão constitucional, que foi a única da nossa história constitucional aprovada por unanimidade, e, depois, ela não servir para o que quer que seja, porque, pura e simplesmente, não seria utilizada.

Ninguém perceberia isto, seria um fenómeno constitucional não apenas único em Portugal mas, creio, talvez único no mundo. E a questão é essa!

O Sr. Deputado disse: «Não ouvimos ainda qualquer argumento válido para que o PS ou o PSD tenham mudado de opinião nessa matéria». Ó Sr. Deputado, não ouvimos e penso que nem vamos ouvir, porque, de facto, não há qualquer argumento válido que possa ser utilizado para justificar uma mudança diametral de posição em relação a uma questão tão fundamental, como é a de saber se os portugueses devem, ou não, ser consultados sobre se pretendem ver o nosso país vinculado, «amarrado» à perda de soberania que representa a vinculação ao chamado Tratado Reformador Europeu.

Quero aqui dizer que consideramos que este referendo é um elementar dever democrático para com o povo português, mas, pela nossa parte, assumimos que estaremos nessa luta para contestar o Tratado e para lutar pela vitória do «não». É porque, em razão daquilo que é conhecido do seu conteúdo, não temos dúvidas de que Portugal não deve vincular-se a este Tratado Reformador Europeu. E é nesse sentido que continuaremos a nossa acção: pelo referendo e contra a ratificação do Tratado pelo Estado português!

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