Intervenção de Vasco Cardoso, membro da Comissão Política do Comité Central, Encontro Nacional do PCP sobre eleições e a acção do Partido

A tragédia de décadas de política de direita

A tragédia de décadas de política de direita

A maioria do povo português, não viveu nas últimas décadas outra política que não a política de direita.

Desde 1975, conheceu 23 governos constitucionais, 13 primeiro-ministros, e enfrentou 17 eleições legislativas.

A chamada alternância significou governos diferentes, governantes diferentes, mas uma política que, no fundamental, visou sempre o mesmo objectivo. Governos do PS e do PSD. Governos do PSD com o CDS. Governos do PS também com o CDS. Governos com e sem maioria absoluta, cada um sucedendo-se ao outro, e cada um colocando a sua acção governativa ao serviço dos interesses dos grupos económicos e das multinacionais. A concretização desta política representou e representa o confronto com as conquistas, o projecto transformador e os valores de Abril. O País é hoje o reflexo desse rumo.

Portugal transformou-se num país de baixos salários e pensões, com 2 milhões de pobres, incluindo centenas de milhar de trabalhadores. Sucessivas alterações à legislação laboral, sempre em nome de uma competitividade que nunca chegou. Fragilizaram direitos, salários e condições de vida. A distribuição de riqueza entre capital e trabalho, apesar de oscilações, tornou-se ainda mais injusta e desfavorável ao trabalho.

Portugal foi confrontado com dezenas de privatizações. Um crime contra os interesses nacionais que retirou instrumentos de soberania, aumentou preços, reduziu investimento, provocou desemprego e exploração. Privatizações que foram pasto para negociatas e corrupção, e que condicionaram e estão a condicionar o presente e o futuro. Hoje temos a banca privada nas mãos de capital espanhol, as telecomunicações e aeroportos sob domínio de capital francês. Fundos de investimento e grandes empresas europeias, americanas e asiáticas dominam sectores da energia e da indústria. Empresas que de português, hoje, já quase só têm o nome. Tal é o domínio do capital estrangeiro, tal é o volume da riqueza que sai lá fora.

Um País que foi expropriado de importantes instrumentos de soberania.

Que ficou sem moeda própria, sem banco central, sem a independência em decisões orçamentais. Que transferiu para a UE a capacidade de decisão em múltiplas áreas. Que foi atropelado pelo mercado único e pela moeda única. Que passou a comprar ao estrangeiro muito do que antes era capaz de produzir e daquilo que se exigia produzir agora. Que tem hoje uma economia menos diversificada, com menos agricultura, menos pescas, menos indústria e mais dependência.

Um País que se tornou mais assimétrico e mais desigual.

Com vastas zonas do território deixadas ao abandono, muitas delas arrasadas pelos incêndios florestais. Que viu fugir das suas vilas, aldeias e cidades uma parte importante da população mais jovem, seja para o litoral, seja para fora de Portugal. A política de direita ampliou as leis do capitalismo, provocando as desigualdades na sociedade e no território.

Um país que reduziu até ao osso o investimento público.

Que liquidou centenas de quilómetros de linha férrea, adiou a construção de pontes, aeroportos, hospitais, barragens, regadios, centros de saúde, escolas e até casas. Que sacrificou o SNS e a escola pública às imposições da troika e à tese das contas certas, ao mesmo tempo que alargou, e muito, os privilégios, os benefícios fiscais e o financiamento directo ao grande capital, que absorve hoje grande parte dos fundos comunitários e de outros recursos.

Um país em que o direito à habitação se transformou num pesadelo para muitos, e num negócio de milhões para alguns. Em que as preocupações ambientais são usadas para engrossar os lucros das multinacionais. Em que o aumento brutal dos preços se verifica ao mesmo tempo que se atingem lucros históricos. Em que o estado e os poderes públicos, em confronto com a constituição, estão ao serviço da maximização do lucro.

Falar de socialismo num pais entregue ao neoliberalismo, às privatizações, às leis de mercado, ao entra e sai entre governos e conselhos de administração, ou é insulto ou só pode ser anedota.

Quando falamos de política de direita falamos de um passado e de um presente com o qual é preciso romper. Uma ruptura com os desejos de uma direita cada vez mais reaccionária que ambiciona colocar o país outra vez a ferro e fogo. Mas uma ruptura que não aceita a ilusão de que as soluções virão do PS.

Ilusões que se procuram projectar a partir da sua nova liderança. Mas sejamos claros: Pedro Nuno Santos já afirmou querer cumprir o programa e a política do PS. Foi, como é sabido, membro dos últimos governos onde tomou decisões contrárias ao interesse nacional: impulsionou a privatização da TAP, submeteu-se aos interesses da Vinci e do seu saque aos recursos nacionais, e favoreceu a família Champalimaud na concessão dos CTT. Afirma-se de esquerda mas atira para 2028 os 1000€ de SMN que deveriam ser aplicados este ano. Assume o legado do PS e não quer rupturas com o passado.

Não camaradas e amigos, não precisamos de mais ilusões. É que para cumprir e fazer cumprir os valores de Abril, não basta o punho erguido, nem chega falar do papão do Chega.

Precisamos de soluções para as nossas vidas. Precisamos de melhores salários, do direito à saúde e à educação, de garantir o direito à habitação, de afirmar a nossa soberania, de enfrentar o poder do grande capital em vez de colocar Portugal inteiro debaixo dos interesses dos accionistas, dos especuladores, dos grandes senhores do dinheiro.

Precisamos de atirar a política de direita para o baú da história e retomar os caminhos de Abril.

O País precisa de uma política patriótica e de esquerda, que será possível com a luta trabalhadores, dos democratas e patriotas que querem uma vida melhor. Mas também com o voto na CDU, com o voto daqueles que estão fartos de injustiças e que acham, e bem, que é hora de mudar de política.