Intervenção de

Trabalho temporário - Intervenção de Odete Santos na AR

Regime jurídico do trabalho temporário

 

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

Penso que o que importa salientar, como ponto mais flagrante neste debate, é que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista, em vez de cumprir a sua promessa eleitoral de alterar o Código do Trabalho, retomando as propostas que fizera aquando do processo legislativo do mesmo, prefere continuar no tortuoso caminho de manter uma lei que já provou a sua «danosidade», agravando-a mesmo, como aconteceu com a última alteração proposta pelo Governo.

Apresenta-nos agora o Partido Socialista um diploma que precariza ainda mais as relações laborais de uma forma inadmissível, o qual, nas questões fundamentais, mereceu o repúdio das duas centrais sindicais.

Já não basta a polivalência, a mobilidade geográfica, a individualização das relações laborais através do ataque à contratação colectiva, o recurso ilícito à contratação a termo, que o PS tem apadrinhado, nomeadamente para os jovens e para os desempregados de longa duração; já não basta o descarado convite para que as mulheres aceitem o trabalho a tempo parcial como forma de conciliação da actividade profissional com a vida familiar. Para o Partido Socialista é preciso ir mais longe, precisamente nas formas de contratação temporária, que, segundo a agência europeia EuroFoundation (que, neste caso, junta os números dos contratos a prazo), tende a escolher como alvos preferenciais os jovens e as mulheres. É o que revela um estudo do EUROSTAT.

É claro que pelo caminho, até aos dias de hoje, foram ficando algumas proclamações do Partido Socialista, que foram baixando de tom, nomeadamente quando no governo, em 1999, fez aprovar alterações à lei para, já então, abrir caminho à eternização do trabalho temporário. Estou a referir-me à figura do trabalhador contratado pela empresa de trabalho temporário com um vínculo contratual por tempo indeterminado para cedência, o que não tem nada que ver com o trabalho permanente. No período em que este trabalhador não está numa empresa utilizadora, não ganha o ordenado, ganha uma compensação.

E se o PS não pôde completar então a sua arquitectura vem agora fazê-lo, para não deixar a capela imperfeita - a capela da desregulamentação das relações laborais, onde incensa o neoliberalismo capitalista.

Recordamo-nos ainda do debate de 1989, no qual o PS, através da então Sr.ª Deputada Elisa Damião, afirmava: «O trabalho temporário é em si mesmo contrário à normal relação jurídico-laboral, devendo apenas ser utilizado como um mal necessário, devendo, por isso, ser utilizado correspondendo às necessidades excepcionais das empresas (...)»...
(...)
Exactamente! Tem razão! Mas não é o que está neste projecto de lei!

Vou continuar a citar: «A actividade profissional de um trabalhador não deve ser objecto de negócio, a não ser do próprio (...) Muitas são as empresas públicas e privadas que, a pretexto da reestruturação industrial, reduzem mais do que o necessário os seus quadros de pessoal na mira de recorrerem a subempreiteiros e à utilização sistemática do contrato a prazo e do trabalho temporário, atitude condenável contrária a um projecto sério de modernização solidária da sociedade portuguesa que tem contribuído para um aumento do desemprego de longa duração (...)»

E mais adiante acrescentava que «o trabalhador temporário, mesmo aquele que é colocado nas melhores condições, está impedido de exercer os seus direitos colectivos, contribuindo para enfraquecer os direitos adquiridos da comunidade de trabalho onde se vai inserir provisoriamente, e ainda os direitos mais gerais, como sejam o exercício da democracia na empresa, da actividade sindical e do sistema de segurança social.»

Esta citação serve hoje para criticar as soluções do Partido Socialista. Mais tarde, em 2004, depois da entorse introduzido na legislação em 1999, o PS regressaria às grandes proclamações de partido da oposição. Ao anúncio de um anteprojecto do governo de direita, o então Deputado Artur Penedos dizia à TSF: «É inadmissível que uma pessoa que está em situação de precariedade ainda possa ter um tratamento verdadeiramente condenável, permitindo que uma situação que devia ser excepcional passe a ser definitiva», acrescentando que o PS estava disposto a pedir o veto do Presidente da República.

Palavras agora esquecidas instalado que está no Governo o Partido Socialista. Porque quanto às questões fundamentais, Sr. Deputado Jorge Strecht, o que o seu projecto de lei consagra insere-se na linha do que o PS criticara em 2004, adoptando mesmo algumas das soluções do governo de direita e expurgando outras existentes na legislação.

Agora o que o PS pretende é o que a direita pretendia: permitir a renovação dos contratos de utilização e dos contratos de trabalho temporário até três anos (isso constava em 2004 e consta agora do vosso projecto de lei), com a única excepção dos contratos decorrentes do aumento excepcional da actividade da empresa.

Claro que afirma que a renovação do contrato de utilização só pode fazer-se enquanto durar a causa justificativa (melhor fora!), mas sabendo-se como se sabe da ineficácia da Inspecção-Geral do Trabalho...
(...)
Ah!?... Vá perguntar aos trabalhadores, que são explorados sem que a Inspecção-Geral do Trabalho faça a vigilância!

Sr. Deputado, até lhe recordaria uma intervenção da ex-Deputada Maria da Luz Rosinha, que dizia que sem a acção da Inspecção-Geral do Trabalho não valia de nada legislar nesta matéria.

Como eu estava a dizer, claro que afirma que a renovação do contrato de utilização só pode fazer-se enquanto durar a causa justificativa (melhor fora!), mas sabendo-se como se sabe da ineficácia da Inspecção-Geral do Trabalho essa fechadura abre-se facilmente sem qualquer gazua. E para que ela fique bem aberta o PS mostra finalmente o motivo porque, em 1999, introduziu a espúria figura dos chamados contratos por tempo indeterminado para cedência temporária. É que sempre que o contrato de utilização seja celebrado a termo incerto com um destes trabalhadores - está no diploma -, não há limites às renovações, nem sequer se aplica a proibição de não exceder o período de tempo da causa justificativa.

Está no artigo 18.º, Sr. Deputado! Di-lo textualmente!

Estes trabalhadores podem ser obrigados a trabalhar ad aeternum para a empresa utilizadora.

Isto é, como dizia o Sr. Deputado Artur Penedos, tornar definitivo o que deve ser provisório.

De resto, nesta matéria de trabalho temporário o que choca é a grande aproximação e, às vezes, a identidade com o regime dos contratos a prazo. O trabalho temporário perde, assim, o carácter de excepcionalidade para se apresentar como uma forma encapotada de subcontratação, com prejuízo também para os trabalhadores da empresa utilizadora, que até podem ficar com categorias mais baixas por virtude de os trabalhadores subcontratados não relevarem para o quadro de densidades.

Mas a perda do carácter excepcionalíssimo do trabalho temporário resulta de outras disposições, por exemplo da permissão de sucessão de contratos depois de um período de nojo - de um terço da duração do contrato -, que, de resto, nem se aplica em duas situações no projecto de lei do PS.

Sabe-se e há dados divulgados pela União Europeia que revelam que aos trabalhadores temporários são reservados os trabalhos de risco, os trabalhos perigosos.

Em Junho do corrente ano, a Inspecção-Geral do Trabalho revelava que, segundo os dados relativos aos acidentes de trabalho mortais...

Estou mesmo a concluir, Sr. Presidente, mas estou a falar de uma matéria que, penso, é importante, a dos acidentes de trabalho.

Como eu estava a dizer, em Junho do corrente ano, a Inspecção-Geral do Trabalho revelava que, segundo os dados relativos aos acidentes de trabalho mortais dos últimos cinco anos, ocorreu uma morte por acidente de trabalho por cada 13 horas de trabalho efectivo. Não obstante o projecto de lei do PS também não defende como devia os trabalhadores temporários desses trabalhos de risco.

Os regimes, nomeadamente, dos projectos de lei do PS e do CDS-PP, porque atentam contra a segurança do emprego e porque violam os limites do artigo 18.º da Constituição, são inconstitucionais. E não há nenhuma modernidade na submissão da política às exigências da desregulamentação do trabalho.

O direito de usar e abusar dos trabalhadores estilhaçando direitos já é um post modernismo com tristes sinais dos tempos. Tempos da precarização do trabalho, do desemprego, da grave e profunda crise social; tempos de praça de jorna, onde alguém negoceia o pão nosso de cada dia e de «cada pedacito de dia», para parafrasear um grande poeta. E é mesmo a pretendida lei que anuncia: «É entrar, senhorias»!

 

  • Trabalhadores
  • Assembleia da República
  • Intervenções