Debate de urgência sobre TGV e políticas das grandes obras
Sr. Presidente,
Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações,
Não confundimos custos de construção com valor actual, nem infra-estrutura ferroviária com material circulante. E há duas coisas que já dissemos dezenas de vezes e que continuaremos a dizer as vezes que for preciso: em primeiro lugar, que TGV é uma marca e não devemos confundir a alta velocidade ferroviária com uma das marcas existentes — e ainda são bastantes!
Em segundo lugar, quando alastram o desemprego e a estagnação económica, a solução de que o País precisa não é a de cortar no investimento; o País precisa é de mais e melhor investimento e, desde logo, de investimento público de qualidade!
Contudo, o debate político sobre as opções estratégicas do País nesta matéria não pode ser reduzido a um «tudo ou nada», ou a um «pegar ou largar». Por isso, não desistimos de sublinhar que há um outro caminho, designadamente com a gestão pública, que defende o interesse nacional, o desenvolvimento e a boa gestão dos recursos públicos.
Apresentámos propostas concretas; apresentámos alternativas e dissemos que o vosso modelo de negócio e de financiamento não ia dar certo. Nada disto é novidade, Srs. Membros do
Governo e Srs. Deputados. O que não faz sentido é insistir no erro com o modelo de financiamento privado e de parcerias público-privadas.
E há questões a que o Governo tem, de facto, que responder.
Em primeiro lugar, o anunciado cancelamento do concurso, em Maio (de facto, não pode ser novidade para ninguém hoje em dia), resultou numa publicação em Diário da República apenas na semana passada. Importa esclarecer, afinal de contas, o que se passou para que se verificasse essa demora entre o anúncio e a publicação da decisão.
O que é que isto implica do ponto de vista do desenvolvimento do processo em termos de construção deste projecto?
Que atrasos podem existir no lançamento de uma infra-estrutura fundamental para a região e para o País, como é a travessia do Tejo, do ponto de vista do território e da sua qualificação?
O que é que se ganha em manter este modelo de financiamento e de negócio das parcerias públicoprivadas?
Quem é que ganha com este «baralhar e dar de novo», insistindo nas mesmas opções estratégicas e económicas?
E sobre o plano de financiamento, afinal, em que é que ficamos tendo em conta que é anunciada a revisão, mas nada é dito sobre os resultados e as perspectivas para que se apontam agora?
Mas há uma outra questão central relacionada com o modelo estratégico que aqui se coloca e que também temos vindo a sublinhar, que é a do aparelho produtivo. E nós dizemos que o investimento em infra-estruturas tem de ser uma oportunidade para a nossa economia, para a produção nacional.
Esta semana, estivemos nas oficinas da EMEF (Empresa de Manutenção de Equipamento Ferroviário), no Barreiro, cujos trabalhadores estão em luta pela defesa da empresa; as populações e as autarquias defendem o pólo ferroviário e o Governo quer privatizar a empresa, quer entregá-la como no passado foram entregues a outras empresas a quem as destruiu!
Não nos esqueçamos da SOREFAME (Sociedades Reunidas de Fabricações Metálicas), não nos
esqueçamos da produção siderúrgica, que o nosso país já não tem — nem carril, Srs. Membros do Governo!
O que é preciso é inverter este rumo de desastre nacional. Temos o investimento público a diminuir em 9 dos 10 últimos anos! Este ano, prevê-se baixar mais 10%! O peso do investimento no PIB é o mais baixo das últimas três décadas e o investimento na rede ferroviária convencional está esquecido e é cada vez menor!
E é por isso, Sr. Presidente, Srs. Deputados e Srs. Membros do Governo, que sublinhamos que é
fundamental «pôr os pontos nos is» e olhar para a realidade como ela é! O investimento público não está a aumentar nem é de mais, é de menos e está a diminuir; e é esse rumo que é preciso inverter!
(…)
Sr.ª Presidente,
Sr. Ministro,
Apesar de ter deixado sem resposta várias questões concretas que colocámos, abordou de forma genérica a questão das parcerias público-privadas, tendo falado nas poupanças que o modelo das parcerias público-privadas supostamente permite, de acordo com os estudos do Governo.
Sr. Ministro, nem queira saber a quantidade de vezes que esta Assembleia assistiu a discussões em que os sucessivos governos trouxeram a Plenário as supostas poupanças para que os estudos apontavam em resultado das parcerias! O problema é que, depois, foi o que se viu na Lusoponte, no comboio que faz a travessia da ponte, nos hospitais; foi o que se viu em todas as experiências em que as parcerias públicoprivadas pareciam tão bonitas no papel e, depois, na verdade acabaram por revelar-se desastrosas para o País. Ora, é nesse ponto que insistimos: a experiência do País demonstra que este modelo é lesivo para o interesse nacional, e esta é uma questão que não podemos deixar de abordar, Srs. Membros do Governo.
Em relação a outras questões que aqui sublinhámos — o emprego, o aparelho produtivo e a produção nacional —, o Sr. Ministro falou, e bem, no potencial para a economia nacional que o investimento público pode e deve ter, mas o que queremos é que esta discussão seja consequente relativamente às opções estratégicas tomadas na economia. Isto quando o Governo anuncia a privatização da Empresa de Manutenção de Equipamento Ferroviário (EMEF), quando os trabalhadores do sector ferroviário denunciam, no que respeita ao material circulante ferroviário em serviço na ponte 25 de Abril, que as bogies vão de camião para
Espanha porque não são reparadas em Portugal, quando verificamos que se vai alugar material circulante a Espanha cuja manutenção não é feita em Portugal mas, sim, em Espanha. Nem estamos ainda a falar de alta velocidade ferroviária e já não estamos a verificar a incorporação nacional, na nossa economia, nesse tipo de actividades e intervenções. É por isso que é preciso coerência e que estas discussões sejam consequentes.
É caso para dizer, Sr. Ministro, que a dramatização a que se assiste nas discussões com os partidos à direita faz lembrar aquela canção de um grande músico português, quando diz
«muito mais é o que vos une do que aquilo que vos separa».
É que o CDS e o PSD falam nas parcerias público-privadas, mas quem é que as defende? Quem tem imposto esse modelo? Quem rejeitou, no famoso debate de Maio, aqui, no Plenário, a nossa proposta que apontava alternativas às tais parcerias? Quem está interessado em «guerras de alecrim e manjerona» para encenar divergências, mantendo-se de acordo nas questões de fundo — na política económica, nos salários, no ataque aos direitos, na precariedade? Quem não quer falar — nem ouvir — sobre a tributação da banca, das mais-valias, das offshore? E até mesmo nas nomeações de chefias o regabofe tem mais que se lhe diga!… É uma história que vem detrás, da década de 90, dos governos PSD de Cavaco Silva, sendo que em 1993 havia perto de 20 000 trabalhadores na CP com cinco administradores e hoje, com menos 11 000 trabalhadores, há dezenas de lugares de administradores, de cargos de chefia, de alta direcção, etc., que foram criados. É uma história que não é de hoje nem de ontem!
Diz-se que o País não tem dinheiro para investir. Srs. Deputados e Srs. Membros do Governo, o País não tem é a hipótese de se dar ao luxo de não investir; o País não se pode dar ao luxo de continuar na estagnação; o País não se pode dar ao luxo de continuar a deixar alastrar o desemprego; o País não se pode dar ao luxo de deixar intocáveis as grandes fortunas; o País não se pode dar ao luxo de não tocar na tributação do IRS da banca, de não tocar na tributação das offshore e dos paraísos fiscais! É nesta política de direita, que tem flagelado o povo português há mais de 30 anos, que o País não se pode dar ao luxo de continuar.
É por estas e por outras que os trabalhadores, já no dia 29 de Setembro, vão sair à rua, porque também na ferrovia, como em todos os sectores, há razões para protestar contra esta política de desastre nacional a que o País tem sido sujeito.