Intervenção de

Suspensão e revisão do Pacto de Estabilidade<br />Intervenção do Deputado Lino de Carvalho

Senhor Presidente, Senhores Deputados,Felizmente que a prática continua a constituir o melhor critério para aferir da verdade e da bondade de medidas e soluções que são adoptadas em várias esferas da vida.Quando da decisão sobre a participação de Portugal na 3.ª fase da União Económica e Monetária e no Pacto de Estabilidade o PCP - e muitos outros quadrantes de opinião - criticaram séria e fundamentadamente os constrangimentos que as condições macro-económicas impostas aos diversos Estados-membros da União Europeia colocariam à economia de muitos países, em particular dos países mais periféricos e menos desenvolvidos da União Europeia.Sem políticas monetárias e cambiais soberanas restaria a cada País a gestão das suas políticas orçamentais como instrumentos que permitiriam, em cada momento, transmitir à economia os impulsos necessários à sua modernização e desenvolvimento. Contudo também isso se perdeu ou ficou extremamente condicionado e agravado com o chamado Pacto de Estabilidade e Crescimento (aprovado, juntamente com dois regulamentos - e na sequência de outras decisões anteriores - no Conselho Europeu de Junho de 1997) que, lembre-se, não foi submetido a nenhuma forma de auscultação dos cidadãos nem, sequer, do Parlamento.Os critérios rígidos impostos pelo Pacto de Estabilidade teriam de conduzir, necessariamente, e particularmente em períodos de abrandamento e crise das economias, a opções de política económica que ou agravariam ainda mais os sinais de crise ou teriam de violar os compromissos que cada Estado tinha assumido. Em especial, a imposição dos ratios da dívida e do déficit público nunca se poderiam compaginar por muito tempo com as necessidades de investimento público, de melhoria das políticas sociais e de incremento dos salários e rendimentos dos trabalhadores que os países menos desenvolvidos teriam sempre necessidade de assumir se quisessem assegurar uma efectivo processo de convergência real e de coesão social. Como afirmava à época o Parlamento Europeu, "as piores consequências da convergência para a UEM far-se-ão sentir nas regiões menos favorecidas da União Europeia".Mas estávamos em 1997. Tudo pela frente era anunciado como um caminho de rosas sem espinhos. "Nova era de estabilidade, crescimento e convergência estrutural da economia portuguesa", assim se escrevia no Programa de Convergência, Estabilidade e Crescimento. O bloco central, PS e PSD, aprovavam neste hemiciclo uma resolução de aplauso conjunto ao caminho inscrito no Pacto de Estabilidade. E ai daquele que levantasse a sua voz crítica à via imposta aos portugueses. A eliminação do déficit orçamental em 2004, só possível com uma forte contenção da despesa pública, passou a constituir o alfa e o ómega da política orçamental. E se o PCP é obviamente favorável a uma política de rigor e de combate ao desperdício sempre mostrámos e demonstrámos que uma coisa é rigor e controle da despesa, outra é, para as condições do nosso País, uma artificial e desajustada contenção do investimento público e das despesas sociais e salariais, uma espécie de pronto a vestir igual para todos os Países, independentemente do seu grau de desenvolvimento, de modernização e de produtividade da sua economia, do estado das suas políticas sociais, do nível de rendimentos da sua população. Quando o que necessitamos é de mais investimento e melhores salários a receita é contracção de uns e de outros.E assim, à medida que o Programa de Estabilidade e Crescimento se aproxima do ano D - 2004 com um saldo 0 (em relação ao PIB) - também é visível que as dificuldades de gestão do quadro macro-económico se avolumam. E avolumam-se tanto mais quanto o Governo apostou numa política de vistas curtas, virada para uma gestão imediata, de efeito fácil, com os olhos postos nas metas eleitorais, sem apostar num desenvolvimento a prazo, estruturado e sustentado, da economia. As privatizações têm-se sucedido ao ritmo não da "reestruturação, modernização e inovação do tecido produtivo" como era afirmado no Programa de Estabilidade e Crescimento mas de acordo com a necessidade fundamental de aumentar as receitas das finanças públicas e da redução da respectiva dívida e, sobretudo, de acordo com os interesses privados apostados em apropriar-se de tudo quanto, no sector público, possa fazer aumentar a rentabilidade dos seus capitais e o seu volume de lucros e dividendos. O Estado foi-se desfazendo, assim, de maneira irracional, de instrumentos fundamentais que poderiam e deveriam servir de alavancas para o crescimento e modernização da economia. A agricultura e as pescas continuam a viver ao toque das ordens comunitárias, dos subsídios e apoios, suportando cada vez pior a liberalização dos mercados, sem que se vislumbrem as necessárias alterações de fundo. As chamadas reformas estruturais ficaram pelo caminho. Nem na educação, nem na saúde nem na administração pública. O mais que se viu foram propósitos e propostas visando, também nestas áreas, a sua transferência para a gestão privada, a criação de uma administração paralela com a proliferação de fundações e institutos e o correspondente aumento da despesa corrente sem respeito pelos direitos dos trabalhadores da função pública. Mas também nada se viu de significativo na modernização tecnológica das empresas e do nosso tecido produtivo, no incremento da produtividade, na necessária aposta na valorização dos recursos humanos, na conquista de novos mercados. As portas que se tinham entreaberto na reforma fiscal e na segurança social já estão, rapidamente, a ser encerradas por pressão dos grandes interesses financeiros como se verifica escandalosamente, em relação à reforma fiscal, na proposta de Orçamento de Estado para 2002. A luta contra a fraude e a evasão fiscal vão pouco mais além do que declarações e conclusões de mediáticos Conselhos de Ministros. E, por isso, não é de estranhar que a receita fiscal desça brutalmente. E se a isto somarmos o desequilíbrio das contas externas bem como a instabilidade e a crise económica internacional que se vive de há cerca de dois anos a esta parte, percebemos facilmente como os constrangimentos impostos à economia portuguesa pelo Pacto de Estabilidade - e à economia europeia no seu conjunto - fazem cada vez menos sentido e impedem claramente que a política orçamental desempenhe um papel activo para a saída da crise, para o relançamento económico, para os necessários e justos incrementos salariais que assegurem a reposição do poder de compra perdido nos últimos anos e constituam factor de dinamização do consumo e da economia.Parece que, finalmente, o Governo parece ter começado, embora de forma muito tímida, a perceber isto. Fala, agora, o Ministro das Finanças numa leitura inteligente dos critérios do pacto de estabilidade. Mas foi preciso que, antes, falassem a Alemanha, a França e a Itália. A realidade impôs-se ao fundamentalismo das políticas monetaristas. E a realidade é que, apesar das mais inventivas medidas de engenharia financeira e orçamental, o déficit de 1,1% do PIB previsto para 2001 vai chegar, pelo menos, a 1,7% ou mais. E, para o ano, teremos não os artificiais 0,7% do PIB inscritos no Programa de Estabilidade mas o dobro. Como vão longe as profissões de fé do Primeiro-ministro Eng.º António Guterres quando afirmava "vamos cumprir o Pacto". E como se vai "regressar" aos critérios impostos pelo Pacto - 0,3% de déficit em 2003 e 0,0% em 2004 - ninguém sabe ou, melhor, toda a gente reconhece que é irrealizável. Por mais projecções artificiais do PIB que se façam. Aliás, em relação a 1998, o crescimento do PIB (em 2001 e 2002) diminui em 2 pontos percentuais. Ora, se se estima que por cada redução no crescimento do PIB em um ponto percentual o défice aumente em 0,5 ponto, é fácil concluir que o caminho para a divergência em relação aos critérios do Pacto de Estabilidade está em marcha acelerada. Até o antigo Primeiro-ministro Cavaco Silva já percebeu isso ao sublinhar, agora, que se pode ir até aos 3% do déficit.Neste quadro, manter nominalmente o chamado pacto de estabilidade, já revogado pela realidade, constitui um absurdo e uma teimosia que, aí sim, se viraria contra a credibilidade da economia e do País. Que poderia levar o País, numa situação limite, a ter de pagar pesadas multas para os cofres comunitários. E nada acrescentaria, bem pelo contrário, à estabilidade e credibilidade do Euro. Ou então obrigaria a uma brutal política contraccionista que lançaria a economia portuguesa numa profunda recessão, com o desemprego a disparar e o poder de compra dos trabalhadores portugueses a baixar ainda mais. E se também nós somos favoráveis a que se caminhe para o equilíbrio das contas públicas tal não pode deixar de ter em conta as necessidades e as especificidades da economia portuguesa.Não há, pois, leitura inteligente do Pacto que vingue se não passar pela sua suspensão e revisão. É isso que propomos no nosso Projecto de Resolução. Que o Governo português não fique à espera e a reboque do que faça a Alemanha ou a França. Mas que assuma uma posição activa em nome, particularmente dos países mais periféricos e das economia menos desenvolvidas, desencadeando nas instâncias comunitárias os procedimentos conducentes à suspensão e revisão do Pacto de Estabilidade. No fundo é ter a coragem de pôr as decisões dos eurocratas e dos gurus da política monetária de acordo com a realidade, com as especificidades de cada País e com a necessidade de dinamização da economia e de melhoria das condições sociais de vida. Este é o impulso que esta Assembleia tem, agora, a oportunidade de dar. Esta é a oportunidade para o Governo poder corrigir as suas políticas de curto prazo, ganhar margem de manobra e apostar, finalmente, no desenvolvimento sustentado da economia e da melhoria das condições de vida dos portugueses.

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