Solidariedade com as mulheres da Maia

Dezassete mulheres acusadas de prática de aborto estiveram envolvidas
num processo que teve, como ponto de partida, a acusação, a outros
réus, de organização de uma rede de prática de aborto
clandestino. Estas acusações colocaram de novo em grande evidência
os desajustamentos da actual legislação em vigor e confirmaram
que, afinal, a manutenção da criminalização das
mulheres pela prática de aborto, até 3 anos de prisão,
não era, nem é, meramente simbólica, nem tão pouco
tão inofensiva como alguns sustentaram.

Ilda Figueiredo, deputada do PCP ao Parlamento Europeu, foi uma das principais
dinamizadoras de um abaixo-assinado que correu o País e o Mundo, conseguindo
recolher mais de 1.100 assinaturas de personalidades de diversos quadrantes
da vida pública de cerca de 42 países, bem como 1200 assinaturas
de portugueses. Cerca de meia centena de organizações nacionais
e estrangeiras juntaram-se igualmente a este movimento.

Esta campanha internacional de solidariedade que começou por ser inicialmente
dirigida aos deputados ao Parlamento Europeu (tendo de imediato encontrado um
grande acolhimento traduzido na assinatura da Declaração por cerca
de 60 deputados pertencentes a diversos grupos políticos), foi depois
alargada a personalidades da vida política, social, cultural, artística
e científica de diversos países que, como o texto da Declaração
propunha, entendessem manifestar a sua "activa e emocionada solidariedade"
para com as 17 mulheres portuguesas e formular "de todo o coração"
o desejo de que "as instâncias judiciais portuguesas, no exercício
soberano e independente das suas atribuições, façam justiça
absolvendo as acusadas", teve como principais objectivos, o apoio às
mulheres que foram julgadas, pelo mesmo "crime" que poderia levar
à barra do tribunal, anualmente, pelo menos outras 20 mil portuguesas,
mas também, servir de pressão para que processos como este nunca
mais possam vir a acontecer.

A actual penalização da prática do aborto é ineficaz
enquanto instrumento de dissuasão para milhares de mulheres que, por
razões que só a elas dizem respeito, tomam a decisão de
o realizar. É uma lei que atenta contra a dignidade de todas as mulheres
que têm de recorrer à interrupção voluntária
da sua gravidez, mesmo das que têm condições económicas
de a realizar em Portugal, ou no estrangeiro, com melhores garantias para a
sua saúde.

São, contudo, as mulheres das camadas mais desfavorecidas social e economicamente
que têm de percorrer os atalhos do comércio clandestino, que se
desenvolve em condições sanitárias insuficientes, colocando-as
numa situação de risco e até de morte. Deste modo:

  • Porque a prática do aborto clandestino continua.
  • Porque as mulheres continuam a sofrer em segredo.
  • Porque a lei continua a ser hipócrita e a violentar os direitos das
    mulheres.
  • Porque a actual Lei condena efectivamente as mulheres por prática
    de aborto e fomenta as redes de aborto clandestino.

É preciso que haja um movimento de transferência do aborto da
esfera da clandestinidade e do risco para a saúde das mulheres, para
a esfera da legalidade e da segurança médica.

É preciso que se termine com essa corrosiva duplicidade que na sociedade
portuguesa agita fantasmas e duros adjectivos contra uma lei de despenalização,
mas convive tranquila e pacificamente, dia após dia, com o drama do aborto
clandestino.

É preciso que seja posto termo a esta permanente ameaça sobre
as mulheres que recorrem ao aborto clandestino, que está inscrita no
Código Penal, como o processo da Maia dolorosamente fez lembrar.

Assim, e para que no século XXI, Portugal não mais tenha mulheres
sentadas no banco dos réus por este motivo, os deputados do PCP no PE,
comprometem-se a não poupar esforços e iniciativas para que, nesta
matéria, o nosso país seja dotado em breve de um quadro legal
mais moderno, mais humanista e respeitador da dignidade das mulheres.

Números e factos

  • O aborto é a segunda causa de morte
    materna em todo o mundo e a primeira em mães adolescentes.
  • Portugal é o segundo país da União
    Europeia com maior taxa de mães adolescentes. Em 1999 nasceram
    em Portugal mais de sete mil bebés de mães adolescentes,
    sendo que 104 tinham menos de 15 anos.
  • Os números do Instituto Nacional de Estatística
    referem que nos anos 80 morreram 67 portuguesas por aborto. Na década
    seguinte o seu número desceu para os 23 óbitos. Em 2000
    não se registaram oficialmente casos fatais mas, em 2001, entre
    Janeiro e Junho, já faleceram três mulheres.
  • A estimativa do número de abortos que se fazem
    anualmente no nosso país é de 20 mil (projecção
    da Associação para o Planeamento da Família - APF,
    que coincide com a da OMS), ou de 20 a 40 mil, segundo a Internacional
    Planned Parenthood Federation.
  • O último Inquérito Nacional de fertilidade,
    de 1997, referia que 7 por cento de todas as mulheres portuguesas em idade
    fértil já tinham abortado - cerca de 180 mil.
  • Um estudo da APF em oito bairros sociais das áreas
    metropolitanas do Porto e Lisboa, indica que 30 por cento das mulheres
    já tinham realizado uma IVG (interrupção voluntária
    da gravidez). Uma em cada cinco mulheres que admitiram ter efectuado um
    aborto disse ainda Ter sofrido complicações na sequência
    dessa intervenção.
  • De acordo com a legislação actual,
    a interrupção voluntária da gravidez apenas não
    é punível em três casos: constituir perigo de morte
    ou «de grave e duradoura lesão para o corpo e para a saúde
    física e psíquica da mulher grávida, e for realizada
    nas primeiras 12 semanas de gravidez»; malformação
    do feto, e ocorrer até às 24 semanas de gravidez; ou em
    caso de violação, até às 16 semanas de gestação.
  • Aborto
  • IVG