Intervenção de

Software livre - Intervenção de Bruno Dias na AR

Software livre no Parlamento
Conselho Nacional para as Tecnologias da Informação e da Comunicação

 

Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:

O PCP, com este agendamento, promove o debate de propostas concretas na área das tecnologias da informação e da comunicação (TIC), com um projecto de lei (n.º 397/X) e um projecto de resolução (n.º 227/X) .

O projecto de lei que trazemos a Plenário propõe a criação do conselho nacional para as tecnologias da informação e comunicação. Trata-se de um órgão consultivo junto do Governo, contribuindo com o testemunho, a análise e a proposta que resultem da experiência concreta dos vários agentes e instituições neste domínio.

A composição e os próprios objectivos deste conselho nacional correspondem a uma estratégia de participação activa, representativa e qualificada, na definição das políticas públicas na área das TIC. Com este organismo, propõe-se o envolvimento e o contributo do meio académico e científico, das organizações sindicais e empresariais, do associativismo e da cultura, dos consumidores e dos utilizadores das tecnologias, do poder local, das regiões autónomas.

São ao todo 15 representantes, reunindo em cada semestre e emitindo o seu parecer sobre as políticas públicas, a legislação, a situação no sector das TIC, em áreas como a investigação e o desenvolvimento, a utilização e a acessibilidade, a inovação, etc.

Propomos que este organismo possa criar comissões especializadas para apreciar e apresentar iniciativas em áreas específicas, e que possa convidar outras entidades e personalidades para participar também.

Nós sabemos que para o Governo e a bancada do PS, quando o assunto é a política para as tecnologias da informação, a vida começa e acaba no Plano Tecnológico. E até estamos mesmo a ver que aí virá o argumento do Conselho Consultivo que já existe, que já reuniu quatro vezes, que não faz falta o conselho nacional que propomos.

Mas há uma diferença de fundo nesta matéria, e ela está na diversidade, na representatividade e na abrangência destes organismos. O que o PCP propõe não é um «conselho de sábios», com personalidades escolhidas e convidadas pelo Governo, a título individual.

O que propomos é o envolvimento e o contributo de entidades e instituições que devem ter um papel estratégico quanto à promoção e ao desenvolvimento das tecnologias da informação no nosso país.

Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:

O projecto de resolução, que igualmente apresentamos, propõe a aprovação da iniciativa «Software livre no Parlamento». Aliás, em matéria de software livre, existe até hoje um único documento oficial do Estado português - e foi aprovado há três anos, nesta Assembleia, por proposta do PCP.

Trata-se da Resolução n.º 66/2004, de 15 de Outubro, que recomenda ao Governo a tomada de medidas com vista ao desenvolvimento do software livre em Portugal.

Três anos depois, pensamos que está mais do que na hora o Parlamento dar o exemplo neste domínio.

Estão em causa, evidentemente, poupanças significativas na gestão de recursos, mas, antes de mais, está em causa uma questão de liberdade e de independência. A utilização de software livre é uma questão central para a Assembleia da República, quer enquanto utilizador de tecnologias, quer enquanto órgão de soberania.

Conforme nos recorda a Associação Nacional de Software Livre, o próprio conceito de «software livre» significa que é o utilizador quem controla o software e não o fornecedor.

É de todo o interesse para o Parlamento que se garanta a segurança e o controlo sobre o funcionamento operacional das soluções informáticas utilizadas, que se evite a dependência técnica face a fornecedores, mas também que se garanta a adaptabilidade, a interoperabilidade, a compatibilidade presente e futura, quer dos sistemas técnicos quer do acervo documental, oficial e histórico da Assembleia da República.

Aqui coloca-se a questão dos formatos e das normas em que o Parlamento disponibiliza os seus documentos, seja aos seus próprios serviços, aos grupos parlamentares ou (e não menos importante) aos cidadãos e às entidades externas.

Este é um aspecto central, mesmo no plano das políticas de Estado. Não é aceitável que o acesso a um documento oficial de um órgão de soberania seja condicionado às opções de uma marca ou empresa, mas é isto que acontece hoje. O que é essencial é adoptar normas abertas para estes documentos, e esta é uma medida particularmente importante que propomos na nossa iniciativa.

Propomos também o desenvolvimento de um plano de formação sobre o uso de software livre a disponibilizar, quer para os trabalhadores da Assembleia da República quer para os grupos parlamentares. Isto permitirá melhores condições para a instalação e utilização destas soluções, a começar pelas chamadas «ferramentas de produtividade»: processador de texto, folha de cálculo, navegador de Internet, etc.

Note-se, aliás, que, para já, nem está em causa a instalação de sistemas operativos em software livre - isto pode, e deve, colocar-se mais à frente -, o que agora está em causa é uma política onde nenhuma opção é proibida e nenhuma é obrigatória.

Os Srs. Deputados passam a ter estes programas nos seus computadores e utilizam-nos se quiserem e quando quiserem.

No nosso país há experiências muito positivas e de grande interesse na adopção e até na migração para sistemas de software. Podemos citar, como exemplo, o Ministério da Justiça e até o Exército. Há experiências que devem ser conhecidas e estudadas pelo Parlamento.

Há uma reflexão importante, há iniciativas concretas, até no plano empresarial, que devem ser acompanhadas, iniciativas como as que foram realizadas recentemente pela Associação para a Promoção e Desenvolvimento da Sociedade da Informação ou pela Associação Nacional para o Software Livre - que hoje se encontram presentes nas galerias a acompanhar este debate, tal como a CGTP -, e por isso queremos saudá-las.

Para o PCP, a meta a apontar no médio prazo deve ser a adopção em pleno do software livre na Assembleia da República. Alguns dirão que é uma medida extremista, mas foi esta a decisão do parlamento francês, como referimos no preâmbulo do projecto. E, na mesma semana em que deu entrada na Mesa este nosso diploma, foi divulgada idêntica decisão no parlamento italiano.

Ou seja, o que já se decidiu em França e na Itália, nós propomos que se avalie e discuta dentro de um ano em Portugal. E este é, naturalmente, um cenário que não pode ser excluído. O extremismo (mas o extremismo em defesa das grandes corporações) estará seguramente em quem pretender excluir liminarmente esta possibilidade.

O que o PCP propõe agora é um simples passo, um passo prudente, equilibrado, mas decidido, num caminho que tem de se fazer caminhando.

(...)

Sr. Presidente,
Sr. Deputado Vítor Hugo Salgado,

Antes de mais, quero fazer uma correcção à sua intervenção: não distinga software livre de software comercial. Onde o Sr. Deputado disse «software comercial», deve dizer «proprietário», porque o software livre pode ser comercial. Foi, aliás, no passado dia 25 de Setembro, criada e lançada ao público em Lisboa a Associação de Empresas de Software Open Source Portuguesas, de software livre.

Portanto, não há aqui o preconceito que o Sr. Deputado atribui nesta matéria, há, sim, um rigor técnico que convém ter nestas discussões.

O Sr. Deputado mencionou a liberdade e a neutralidade. Pergunto: que liberdade é esta? Que neutralidade é esta? O que propomos, e fomos claros nesta matéria, é que se um Sr. Deputado tiver este software instalado no seu computador só o utiliza se quiser, ninguém lhe faz mal se não o quiser usar! Não tenha medo de ter no seu computador programas de software livre; aliás, o mundo já demonstrou não serem menos fiáveis do que os outros. Mas ninguém é obrigado a utilizar.

O que propomos é a instalação com a liberdade de opção, que os senhores dizem defender.

Ainda sobre esta matéria, o Sr. Deputado disse que reafirmava os princípios «com as devidas alterações». Ora, gostaria de saber, no concreto, do que está a falar, porque é importante sabermos o que se está a discutir e o que iremos votar quando chegar o momento das votações.

Relativamente ao Conselho Consultivo do Plano Tecnológico e ao conselho nacional para as tecnologias da informação e da comunicação, ao ouvir o Sr. Deputado quase fico com a ideia de que considera a democracia uma coisa muito aborrecida, que leva o seu tempo, que é burocrática.

Quando o Sr. Deputado fala do combate à burocracia para justificar a recusa de um conselho nacional representativo e participado, com entidades que hoje não têm onde pronunciar-se sobre políticas tecnológicas do Estado português, o que dizemos é que o Conselho Consultivo do Plano Tecnológico, que o senhor referiu como sendo uma representação da sociedade civil, é composto por personalidades convidadas a título individual, é um «conselho de sábios» que se representa a si próprio, e não é esta a participação que defendemos com esta proposta.

Por outro lado, sobre a divulgação dos documentos do Conselho Consultivo, o Sr. Deputado foi desmentido pelo Professor Carlos Zorrinho quando, há três dias e na Assembleia, veio à Comissão dizer: «Sim, senhor, é verdade! O PCP tem razão: há documentos do Conselho Consultivo que não estão publicados e que, por isso, não são conhecidos».

Portanto, há uma transparência, um rigor, uma participação e uma representatividade que é preciso garantir, e isto é assegurado na nossa proposta.

Relativamente ao Conselho Económico e Social, nota-se, evidentemente, que não conhece a composição deste órgão.

Aliás, sobre isto, penso que está tudo dito: não sei se estaremos perante um caso de infoexclusão, mas, na prática, o que se verifica é uma «info-submissão» do Partido Socialista.

(...)

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

Antes de se encerrar este debate há um aspecto que importa esclarecer.

Há pouco, falou-se da «cibersubmissão» que alguns responsáveis políticos e alguns Deputados parecem assumir neste debate, mas, mais do que isto, parece haver aqui algum problema de simples compreensão. Quando dizemos «instale-se, coloque-se, nos computadores um conjunto de programas de forma compatível e compaginável com o que existe hoje» não é «em vez de» mas, sim, «para além de». E esta é a liberdade de escolha! Só se pode escolher em liberdade aquilo que se tem disponível.

E, portanto, esta é a confusão que parece ter percorrido algumas das bancadas na interpretação que fizeram.

Por outro lado, queremos aqui manifestar indignação relativamente às propostas de alteração apresentadas pelo PS, PSD e CDS-PP que, numa aliança de objectivos, alteram aspectos fundamentais, no nosso entender, como as metas e os objectivos, em termos de prazo, que podíamos cumprir.

Assim, tem de ser sublinhada a eliminação deste aspecto quase simbólico: onde falamos de «(...) acções de formação (...) para o uso do software livre (...)», para que as pessoas aprendam a trabalhar com ele, os Srs. Deputados propõem a eliminação da palavra «livre». Isto é de uma dimensão quase simbólica, pela negativa, relativamente ao que aqui está em causa!

Quando propomos que, daqui a um ano, a Assembleia volte a debater a matéria, tendo em conta a avaliação do caminho até então percorrido, a fim de decidir se se avança ou não para medidas que já hoje estão em curso em França e Itália não é um extremismo. O extremismo, como dizemos, está na submissão de quem tem medo, de quem compreende mas não aceita este tipo de passos, que são graduais, prudentes e responsáveis, que o PCP propõe.

Para terminar, Sr. Presidente e Srs. Deputados, falou-se aqui no extremismo e na falta de liberdade, e referimo-nos aos parlamentos italiano e francês. Mas, Srs. Deputados, há seis anos, o exército alemão baniu a Microsoft dos seus sistemas informáticos por razões de segurança nacional.

Quando está em causa a soberania, a independência, a liberdade na utilização de tecnologias é muito importante ser-se corajoso, e este debate tem de ter consequências. É esta a posição do PCP, que assume o compromisso de, no momento próprio, voltar a suscitar nesta Assembleia a discussão, que não fica por aqui.

(...)

Sr. Presidente,

A declaração de voto diz respeito ao projecto de resolução n.º 227/X, do PCP, há pouco aprovado.

Com a aprovação deste projecto de resolução do PCP, queremos apenas sublinhar a importância e o significado da iniciativa que o Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português apresentou na Assembleia da República.

E queremos afirmar claramente que só não temos um texto final com o alcance e as medidas que poderia e deveria ter porque o PS e a direita se entenderam entre si e impuseram alterações que, em larga medida, desvirtuaram o que pretendíamos ver aprovado.

A submissão e o medo de afrontar os interesses instalados das grandes corporações impediram os Srs. Deputados de dar um passo mais decidido e concreto.

No entanto, não temos dúvidas de que valeu a pena promover a apresentação desta iniciativa e o agendamento deste debate e de que vale a pena continuar a intervir em defesa da adopção, do desenvolvimento e da promoção do software livre, em Portugal.

São aspectos fundamentais para a própria democracia, com uma disponibilização pública de documentos oficiais deste órgão de soberania em formatos abertos para os cidadãos, que passam a ser um compromisso da Assembleia da República, por proposta e iniciativa do PCP.

Mesmo a disponibilização de ferramentas e de soluções técnicas em software livre, embora nos termos mais tímidos e cerimoniosos que os Srs. Deputados acabaram por impor, corresponde de facto, mesmo assim, a uma medida inovadora, que altera a situação e estabelece avanços que devem ir mais longe. E é no sentido de que estes avanços vão mais longe que o PCP reitera a sua disponibilidade, o seu empenho e a sua convicção em continuar aqui, na Assembleia da República, e não só, a defender e a apresentar propostas concretas para a promoção desta alternativa credível, fiável e real, de facto, em relação àquilo que os grandes grupos económicos, as grandes corporações multinacionais, procuram impor aos povos, às economias e aos Estados.

 

 

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