Declaração de Voto

Sobre o Voto de condenação pela realização de eleições regionais e locais nos territórios da Ucrânia ocupados temporariamente pela Federação Russa

O PCP pugna pelo respeito dos princípios consagrados na Carta das Nações Unidas e no direito internacional e na Constituição da República Portuguesa.

No entanto, o voto que é apresentado, mais do que procurar contribuir para a solução política de uma guerra que dura há quase dez anos, com os seus múltiplos desenvolvimentos e consequências, inscreve-se numa visão que, omitindo e distorcendo elementos de natureza histórica e deturpando as raízes e causas do conflito, procura animar a guerra e quem com ela lucra.

Entre outros aspetos, não deve ser escamoteado que a actual situação resulta do carácter e das consequências do golpe de Estado de 22 de Fevereiro de 2014 para unidade e integridade territorial da Ucrânia, nomeadamente, com o início da guerra pela junta militar golpista de Kiev em resposta à expressiva rejeição popular nas regiões do Leste e Sul da Ucrânia do golpe, orquestrado pelos EUA e a UE, com o recurso a grupos e formações paramilitares que reivindicam o seu passado de colaboracionismo com o nazi-fascismo.

Ao mesmo tempo, a complexa realidade destes territórios – nos planos político-territorial, económico, social, linguístico-cultural – colhe raízes no processo de desmantelamento da URSS e seus efeitos ao longo dos últimos 30 anos.

Por exemplo, cabe recordar que ainda com a existência da URSS, a 20 de janeiro de 1991, foi realizado um referendo na Crimeia sobre a retirada deste território da jurisdição da Ucrânia, proposta que foi aprovada por cerca de 93% dos eleitores da península. Uma proposta que se traduzia no restabelecimento da República Autónoma Socialista Soviética da Crimeia (RASSC) no seio da URSS, entidade que havia existido no seio da Rússia Soviética entre 1921 e 1945, antes de se tornar distrito da Crimeia e de ser transferida, em 1954, para a jurisdição da Ucrânia Soviética. Uma vontade expressa pela esmagadora maioria da população da Crimeia em referendo que foi contrariada por uma votação do Soviete Supremo da então República Soviética da Ucrânia.

É também na Crimeia que, face ao golpe de Estado de 22 de fevereiro de 2014 e à violenta campanha que atentou contra os direitos políticos, culturais e linguísticos da população russófona da Ucrânia – uma parte muita significativa da sua população –, tem lugar os referendos de reintegração de Sebastopol e da Crimeia na Federação Russa, com taxas de participação superiores a 80% e de aprovação superiores a 90%.

No Donbass, distritos de Donetsk e Lugansk, é já depois do início pela junta de Kiev da integração das formações nazis de «batalhões voluntários», incluindo do batalhão Azov, na recém-formada Guarda Nacional da Ucrânia, que têm lugar os levantamentos populares, com a proclamação das Repúblicas Populares de Donetsk e, depois, de Lugansk.

Movimentos análogos tiveram lugar noutras regiões do Leste e Sul do país, como nos distritos de Kharkov e Odessa, enfrentando a repressão do novo poder.

À rejeição popular da imposição do poder golpista em Kiev e da sua campanha nacionalista e fascista de ataque à população russófona e de divisão do povo ucraniano, a junta militar respondeu com o início da guerra no Donbass e uma brutal repressão, de que exemplo o massacre na Casa dos Sindicatos de Odessa de 2 de maio de 2014, cujos responsáveis continuam por levar à justiça.

Não se deve igualmente escamotear que, ao confessadamente frustrar o cumprimento dos acordos de Minsk – que previam o fim do conflito e a autodeterminação das regiões do Donbass, com base numa ampla autonomia no seio da Ucrânia – e reforçar a militarização do país e o alinhamento com a NATO – inclusive revogando na revisão constitucional de 2019 o estatuto de neutralidade inscrito na proclamação de independência da Ucrânia em 1991 –, o poder em Kiev, apostou na guerra.

Um processo, em que se incrementa a militarização da Ucrânia e o seu alinhamento com a estratégia dos EUA, da UE e da NATO, se verifica a intervenção militar da Rússia, se promove o prolongamento e agravamento da escalada de guerra.

Não pode ser encontrada uma solução política para o conflito que os EUA e a NATO travam na Ucrânia com a Rússia, omitindo e distorcendo elementos de natureza histórica e deturpando as raízes e causas do conflito.

Desde o primeiro momento que afirmamos que o que se impõe é avançar para uma urgente agenda de paz, para um processo sério de negociações, como única via para pôr fim ao conflito que se trava na Ucrânia e promover a paz e a segurança na Europa, impedindo o perigo do alastramento da guerra e da deflagração de um conflito com maiores proporções e consequências ainda mais graves.

Insistimos, ao invés de instigar o prolongamento e o agravamento de uma guerra que se trava há quase dez anos, o que é premente é a abertura de vias de negociação que visem alcançar uma solução política do conflito, a resposta aos problemas de segurança coletiva e do desarmamento na Europa e o cumprimento dos princípios da Carta da ONU e da Ata Final da Conferência de Helsínquia.

Pela nossa parte, defendemos que há que pôr fim à promoção do prolongamento e da escalada de guerra, com as dramáticas consequências que tal comporta para o povo ucraniano, para o povo russo, para os povos da Europa e do mundo.

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