Comunicado da Comissão Política do Comité Central do PCP

Sobre uma eventual revisão da Constituição

1. O PCP sublinha o grave significado político do comunicado divulgado em 11 de Setembro pelo Grupo Parlamentar do PS em torno das questões da revisão constitucional e da alegada «reforma do sistema político».

2. Com efeito, o PCP não pode deixar de registar com preocupação que numa conjuntura profundamente marcada pela política de devastação social e económica conduzida pelo Governo PSD-CDS/PP e em que devia emergir com clareza a necessidade de os partidos da oposição lhe darem uma resposta e um combate convergentes, o Grupo Parlamentar do PS optar por conceder prioridade e colocar uma tónica dominante em duas matérias – revisão constitucional e «reforma» do sistema político – onde qualquer avanço ou concretização estarão consabidamente ligados a acordos e entendimentos entre o PS e o principal partido da direita governante.

3. O PCP reafirma a sua severa condenação da obsessão e teimosia com que o PS persiste em se apresentar – até mais do que o PSD – como o grande paladino de uma alegada «reforma do sistema político» que, na sequência da aprovação das leis antidemocráticas sobre os partidos e o seu financiamento, visa confessadamente promover alterações de sentido antidemocrático às leis eleitorais para a Assembleia da República e para as autarquias locais, procurando reforçar por via legal as pressões para uma «bipolarização» PS-PSD nas legislativas e promover o fim da eleição directa e proporcional dos executivos municipais e a liquidar a sua composição pluralista.

4. O PCP esclarece que, ao contrário do que afirma o comunicado do Grupo Parlamentar do PS, não há nenhum «programa legislativo determinado pela assumida revisão constitucional de 1997» que precise de ser «concluído» em relação à chamada «reforma» do sistema político.

Com efeito, em resultado dos lamentáveis acordos entre o PS e o PSD, o que a revisão de 1997 criou foi apenas a possibilidade constitucional – mas não a obrigação nem o imperativo- de determinadas alterações à referida legislação eleitoral. Ao contrário portanto do que se poderia deduzir das posições do PS, a legislação eleitoral em vigor continua perfeitamente constitucional e a sua não alteração não representa nenhum incumprimento, atraso ou omissão em relação aos resultados dessa revisão.

O PCP lembra a este respeito que PS e PSD podem ser – e têm sido - sócios e aliados em revisões constitucionais mas não são donos da Constituição nem seus interpretes privilegiados e não podem transformar as seus desejos ou orientações partidárias em desígnios constitucionais.

5. Sublinhe-se ainda que, ao abrigo destas suas contestáveis concepções, o Grupo Parlamentar do PS volta a declarar que «só se justifica um novo processo de revisão constitucional» uma vez concluído o tal «programa legislativo» que inventou e em que está empenhado. Mas, duas páginas à frente, já está a propor «a abertura imediata dos processos de revisão constitucional na parte relativa às Regiões Autónomas», esquecendo-se além do mais que um processo de revisão constitucional, uma vez aberto, não pode sofrer nenhuma limitação de tema, como o prova a experiência de anteriores revisões como aliás o CDS-PP entretanto já se encarregou de lembrar ao enunciar propósitos de ampla descaracterização do texto constitucional.

Em qualquer caso, fica agora ainda mais transparente que era exactamente este passo agora dado pelo PS que era visado pela proposta de revisão constitucional que, na Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, foi aprovada pelo PSD, pelo CDS-PP, pelo PS e pela UDP/Bloco de Esquerda.

6. É certo que, uma vez que a AR nesta sessão legislativa pode assumir poderes de revisão constitucional (e não que esteja «investida de poderes constituintes» como afirma o comunicado do PS), basta a apresentação por um partido de um projecto de revisão para que o respectivo processo de revisão se abra. Mas não é menos certo que, não havendo revisão sem a colaboração do PS, uma declaração de oposição deste partido à abertura próxima de um processo de revisão poderia teria um efeito desmobilizador sobre as pretensões e pressas de outros. Ora, contrariamente a isto, o que aconteceu foi que acabou por ser o PS o primeiro partido a pronunciar-se inequivocamente pela «abertura imediata» de um processo de revisão constitucional, não sendo de estranhar que o CDS-PP logo tenha aproveitado a boleia para colocar como sua prioridade o ajuste de contas com a Constituição oriunda da Revolução de Abril.

7. O PCP reafirma a sua posição de que, no momento e nas circunstâncias actuais, não há nenhuma questão ou matéria que torne premente ou indispensável a abertura de um processo de revisão constitucional e que o seu desencadeamento só favorecerá os partidos do governo introduzindo na vida política nacional o tema dos seus entendimentos com o PS e distraindo a opinião pública e a acção de partidos da oposição das questões centrais da desastrosa política governamental e do firme combate democrático que ela merece.

  • Regime Democrático e Assuntos Constitucionais
  • Central
  • Constituição da República Portuguesa
  • revisão constitucional