Declaração de Carlos Carvalhas, Secretário-Geral, Conferência de Imprensa

Sobre a reunião do Comité Central de 27 de Junho de 2003

O Comité Central do Partido Comunista Português tem analisado a situação política e social nacional, as implicações do desenvolvimento e aprofundamento do processo de integração política europeia e o reforço da intervenção da organização e da iniciativa política do Partido.

A situação política, económica e social

Nesta reunião tem sido sublinhado que, apesar dos alertas do PCP durante a discussão e aprovação das Grandes Opções do Plano e do Orçamento, o Governo insistiu em levar por diante uma política económica desastrosa onde prevalece o determinismo de redução do défice público e o seguidismo ao Pacto de Estabilidade e Crescimento ao mesmo tempo que inscrevia como prioridade uma ofensiva social sem precedentes contra os trabalhadores pela via do pacote laboral e pela alteração de leis estruturantes nas áreas da Segurança Social, da Saúde e do Sistema Educativo.

Um dos resultados mais visíveis e dramáticos desta política é o aumento do desemprego que atinge já meio milhão de trabalhadores com tendência para o agravamento face a previsíveis falências e às dificuldades das micro, pequenas e médias empresas. Um outro resultado da política de concentração da riqueza é o alargamento da pobreza em Portugal como o evidencia um recente relatório.

Num quadro de pressão sobre os trabalhadores e mistificando as verdadeiras causas e factores que são responsáveis pelos níveis de produtividade e competitividade, o Governo vem agora propor um «Contrato Social» que no essencial visa reduzir os salários (condicionando as actualizações salariais não à inflação nacional mas à inflação média na União Europeia) e desregulamentar horários e a evolução das carreiras profissionais. Esta operação encenada na Concertação Social visou esbater o impacto das graves medidas anunciadas contra os trabalhadores da Administração Pública que após a imposição do congelamento dos seus salários, são agora ameaçados no seu vínculo de emprego público e na evolução e qualificação profissionais. Escolhendo os trabalhadores da Administração Pública como alvo primeiro, o Governo PSD/CDS-PP tenta abrir caminho à ofensiva contra todos os trabalhadores portugueses pela via do pacote laboral.

É necessário chamar a atenção dos trabalhadores para o facto da decisão do Tribunal Constitucional, apesar de parcialmente positiva, não invalidar outras inconstitucionalidades contidas no pacote laboral nem se pronunciar sobre outras normas que, independentemente do enquadramento constitucional, são política e socialmente injustas e inaceitáveis.

É também necessário chamar a atenção para o facto de, num período em que muitas empresas se defrontam com graves problemas de liquidez e financeiros, ser um erro e uma injustiça, a insistência do governo no pagamento especial por conta, como é o caso das empresas de táxis.

A posição arrogante do governo em relação ao justo protesto dos taxistas é inaceitável.

O pagamento antecipado é um verdadeiro financiamento das empresas ao Estado e não se percebe um governo que, por um lado diz não ter dinheiro e exige o pagamento especial por conta e, por outro, com a maior ligeireza vai comprar blindados de infantaria para que forças da GNR vão para o Iraque fazer parte das forças de ocupação e agressão.

2. O Comité Central entende também que o agendamento pelo Governo na Assembleia da República das alterações a introduzir na Lei de Bases do Sistema Educativo constitui uma nova oportunidade para a direita tentar impedir a realização do direito constitucional de um ensino público, gratuito, de qualidade e para todos. A sua proposta é um arrazoado ideológico sem rigor jurídico que pretende aproveitar as insatisfações com a Educação e o ensino de que o PS e a direita têm sido responsáveis com políticas que contrariaram a dinâmica progressista e a larga consensualidade recolhida pela lei de 1986.

Em alternativa, o PCP vai apresentar uma proposta de Lei de Bases que precisa as garantias de uma rede pública, que deve ser valorizada, em que se defendem medidas concretas para o alargamento da escolaridade obrigatória para 12 anos; em que se asseguram condições para promover o sucesso escolar; em que se garante a permeabilidade e a mobilidade ente os diferentes cursos e vias a partir do ensino básico; em que se constitui o ensino superior na base de um único sistema; em que se propõe uma harmonização europeia dos ciclos do ensino superior em que se elimine progressivamente o «numerus clausus».

3. Ao mesmo tempo e no plano da política de saúde são cada vez mais claras as prioridades do Governo: degradar o Serviço Nacional de Saúde, reduzindo os seus recursos; privatizar, transferindo crescentes recursos financeiros públicos, o que for lucrativo para o sector privado; aumentar o pagamento directo pela população dos cuidados de saúde, que já hoje representa em Portugal cerca de 40% dos gastos totais. O que se tem passado com o Hospital Amadora-Sintra é um verdadeiro libelo acusatório às políticas neoliberais na saúde. O PCP vai exigir e propor um novo inquérito à situação deste hospital esperando que a maioria tenha o decoro de não o inviabilizar. Quem não deve não teme!

A situação das listas de espera agravou-se nos últimos seis meses, aumentando o número de pessoas inscritas, sem que se vislumbre o crescimento significativo das cirurgias no funcionamento corrente dos hospitais. Agrava-se também a situação da falta de recursos humanos, sem que sejam tomadas quaisquer medidas drásticas e indispensáveis para o aumento da formação superior na saúde, designadamente de médicos e enfermeiros, e para a contratação de profissionais em diversas áreas, com consequências evidentes na situação da saúde do País.

4. O Comité Central tem avaliado a anunciada reforma da Administração Pública, para além do propósito claro de atingir direitos básicos dos trabalhadores e de fragilizar ainda mais o seu estatuto laboral, visa dar novos e graves passos no desmantelamento das funções do Estado em matéria de serviços públicos e na entrega de novas e importantes áreas do Estado à exploração do capital privado, com graves consequências para a vida dos cidadãos e para o próprio regime democrático.

Um governo que tem vindo a tomar de assalto o aparelho de Estado, transformando-o numa coutada para satisfação dos seus interesses clientelares, não tem autoridade, nem capacidade para proceder a uma reforma democrática que garanta os direitos dos trabalhadores e reforce a qualidade e a eficiência dos serviços do Estado ao serviço das populações.

Novos e perigosos passos no processo de integração europeia

1. O Comité Central do PCP analisou os últimos desenvolvimentos da integração europeia e, em particular, os resultados da Cimeira de Salónica.

2. O Comité Central do PCP tem destacado como aspectos mais negativos da referida proposta de «Constituição europeia»:

– A assunção explícita do primado da «Constituição» e do direito comunitário sobre o direito dos Estados membros (quando até hoje as regras e normas comunitárias deviam, na sua adopção ou transcrição nacional, respeitar as Constituições nacionais, sendo da competência de cada país alterá-las ou não após a adopção de um acto comunitário); a prevalência das normas comunitárias, reforçará também o possível conflito entre os direitos e garantias consignados na Constituição portuguesa e o estabelecido de forma minimalista na Carta dos Direitos Fundamentais que se introduz como parte da Constituição Europeia;

– O reforço das competências comunitárias com novas «transferências» de soberania nas áreas da Justiça e Assuntos Internos, da Política Externa e de Segurança Comum (PESC) e Política de Segurança e Defesa Comum como o pilar europeu da NATO e em aspectos ligados a uma denominada «governação económica», com a Comissão Europeia a poder dirigir advertências directamente aos Estados membros.

3. O Comité Central do PCP assinala também que em Salónica se deu mais um passo no reforço do Directório de grandes potências nomeadamente com o fim das presidências rotativas do Conselho Europeu e a eleição de um presidente segundo regras que asseguram um papel determinante aos grandes países; o fim do princípio, na composição da Comissão Europeia, um país/um comissário permanente com direito a voto (mesmo que seja proposto em processo de rotação equitativa); e a ampliação das decisões por maioria qualificada, com a consequente e respectiva amputação do direito de veto.

Portugal perde influência e peso no processo de decisão pela limitação do direito de veto, perde as presidências semestrais rotativas do Conselho e, depois de, na sequência de Nice, ter já perdido um deputado, poderá perder mais mandatos no Parlamento Europeu nas eleições de 2009. A Assembleia da República, sede legítima da vontade do povo português, vê a sua intervenção mais limitada num controlo da aplicação do princípio da subsidiaridade.

4. À margem da Cimeira são de destacar, pela sua gravidade para o País, o acordo anteontem negociado de revisão da Política Agrícola Comum (PAC), que agravará a já difícil situação da agricultura portuguesa, agora bem evidenciada em Relatório da Comissão Europeia sobre a sua especificidade.

Também no sector pesqueiro as recentes propostas da Comissão Europeia, de liberalização do acesso à Zona Económica Exclusiva (ZEE) merecem o mais vivo repúdio do Comité Central do PCP.

Ainda que momentaneamente suspensas, mantém-se a ameaça da abertura das nossas águas das 12 às 200 milhas, à livre circulação de barcos com bandeira comunitária, o que, para além de consequências desastrosas para os pescadores e as comunidades piscatórias, seria o golpe de misericórdia no que deveria constituir um sector estratégico da economia nacional.

O Comité Central do PCP considera necessário que a Conferência Intergovernamental prevista para o Outono, a única que, em conjunto com os parlamentos nacionais, pode alterar os tratados, tenha em conta o princípio de estados soberanos e iguais em direitos, aprofunde a democracia e aproxime o processo de decisão dos cidadãos, reservando para os parlamentos nacionais maior capacidade de intervenção e decisão nas políticas comunitárias, garanta que cada país tenha um comissário, que se mantenham as presidências semestrais rotativas do Conselho, se mantenha ou alargue a possibilidade de usar o direito de veto. É igualmente fundamental que se garanta uma presença em igualdade dos Estados membros na direcção do Banco Central Europeu, se altere o Pacto de Estabilidade, se dê prioridade ao desenvolvimento sustentado, ao investimento público, à defesa dos serviços públicos e ao emprego, à inclusão social e aos direitos das pessoas, a uma Europa de paz e não a uma política comum de defesa e segurança baseada no desenvolvimento da corrida aos armamentos, do exército único e da política de blocos.

É ainda necessário que, no processo do alargamento, se continue a combater o conteúdo discriminatório dos tratados de adesão relativamente aos países candidatos, designadamente em termos de política agrícola, fundos comunitários e livre circulação de pessoas, e se tenham em conta as consequências para Portugal, que todos os estudos continuam a mostrar, ser o único país da União Europeia que perde com o alargamento. A coesão económica e social deve permanecer como um objectivo central da União Europeia.

Toda esta situação torna urgente a realização de um amplo debate nacional sobre que Europa interessa aos trabalhadores e às populações do nosso País e aos povos europeus, que avalie os riscos de evolução que se pretende imprimir ao actual processo de integração e que mobilize o nosso povo para um outro rumo da União Europeia.

Reforçar e dinamizar a intervenção partidária

1. O Comité Central salienta o trabalho já realizado no sentido do reforço do Partido e exorta ao prosseguimento do movimento geral de reforço da organização partidária decidido pela Conferência Nacional de Junho de 2002, na concretização das orientações do XVI Congresso, sob o lema «Sim, é possível! Um PCP mais forte».

O Comité Central destaca a importância das medidas para o êxito da campanha nacional de recrutamento de 2 mil novos militantes a concretizar até à próxima Festa do Avante e para a integração e aproveitamento das energias e capacidades dos novos militantes.

O Comité Central salienta a relevância da acção nacional de contacto com os membros do Partido para esclarecimento de situações, actualização de dados e elevação da participação na vida partidária e, considerando a sua importância estruturante para múltiplos aspectos do reforço do Partido, apela para a intensificação do ritmo dos contactos, para o envolvimento de toda a estrutura partidária, a distribuição de contactos a realizar, a definição de um largo número de militantes que se dediquem no essencial a esta tarefa, a constituição de equipas, o aproveitamento das reuniões e iniciativas partidárias, a definição de objectivos intermédios, de modo a concretizar no essencial até ao fim do ano esta essencial acção para o reforço do Partido.

2. O Comité Central aponta igualmente o prosseguimento dos esforços para levar à prática outras importantes linhas de reforço do Partido visando criar condições mais favoráveis para a concretização do seu papel insubstituível ao serviço dos trabalhadores, do povo e do País no exigente contexto de luta actual.

No quadro da iniciativa política do Partido e das suas organizações sublinha-se como particularmente importante o prosseguimento da acção «Mil localidades», que realizada no âmbito da iniciativa «Em movimento, por um Portugal com futuro» constitui um momento de afirmação e presença do PCP sobre os problemas que condicionam as condições de vida da população e o desenvolvimento regional.

3. O Comité Central chama a atenção para a realização nos próximos dias 26 e 27 de Julho da Festa da Alegria e apela a todos os militantes e organizações para se empenharem para o êxito da Festa do Avante a realizar nos dias 5, 6 e 7 de Setembro.