Declaração de Carlos Carvalhas, Secretário-Geral, Conferência de Imprensa

Sobre a reunião do Comité Central

Na sua reunião de hoje, o Comité Central destacou como traços de maior relevo e consequências na actual situação política nacional:

- O anúncio pelo governo, a pretexto de planos de contenção da despesa pública, de uma violenta ofensiva visando uma intolerável redução dos salários reais da função pública e da generalidade dos trabalhadores, satisfazendo assim, as reclamações e pressões que o grande capital vinha formulando com crescente agressividade;

- o contínuo e crescente agravamento do desgaste, descrédito e erosão do governo do PS com expressão na patente ampliação da desconfiança, hostilidade e descontentamento populares em relação à sua política e à sua acção;

- a acentuação da demagogia e hipocrisia do PSD e do PP que, procurando capitalizar o descontentamento com uma política do PS que é semelhante à que defendem, se esforçam por esconder a sua cumplicidade com eixos essenciais da política governativa e com opções concretas que apoiaram mas de cujas consequências se querem dissociar;

- a tomada de consciência da gravidade e significado de certos indicadores económicos (designadamente aumento da inflação e correlativa perda do poder de compra dos salários e pensões, do défice da balança comercial, do endividamento ao estrangeiro etc.) que atestam, como o PCP há muito adverte, para a persistência de problemas estruturais da economia nacional a quem nem os governos do PSD nem os do PS foram capazes de responder, obcecados como sempre estiveram em criar ilusões e endeusar êxitos conjunturais;

- o importante e combativo movimento de lutas dos trabalhadores e de outras camadas sociais em defesa dos seus interesses e direitos (com justo destaque para a valorização dos salários) e que teve magnífica expressão na jornada de luta promovida pela CGTP-IN em 7 de Junho - e que constitui uma sólida expressão das energias que, no plano social, sustentam a crucial reclamação de uma nova política à esquerda.

A situação a que se chegou deve-se fundamentalmente à persistência dos Governos do PS em orientações fundamentais da política económica idênticas às que foram prosseguidas pelos anteriores Governos do PSD - nomeadamente no que respeita ao processo de privatizações, à debilitação e subalternização de importantes sectores produtivos ao benefício dos grandes grupos económicos e ao apoio à estratégia de sustentar a "competitividade" das empresas numa prática desastrada de trabalho precário e baixos salários - é a razão essencial da actual degradação da situação económica do País, e que ameaça agravar-se no próximo futuro.

Essa degradação é espelhada por uma desaceleração do crescimento económico nacional maior do que a registada na generalidade dos restantes países da UE (o que mostra haver razões específicas nacionais que se somam à conjuntura externa), pelo contínuo e perigoso agravamento dos défices das balanças externas, pela persistente perda de quotas de mercado das nossas exportações e pelo grave e insustentável endividamento externo do País, das empresas e das famílias portuguesas.

A verdade é que, devido às políticas seguidas, permanecem há longos anos desequilíbrios estruturais da economia portuguesa.

Apesar de se continuarem a gastar anualmente centenas de milhões de contos de fundos estruturais alegadamente para "modernizar" a economia portuguesa, esta continua a manter um fraco padrão de especialização produtiva, porque aqueles fundos não são, no essencial, canalizados para esse objectivo, antes têm servido basicamente para aumentar os lucros das empresas que a eles têm acesso.

Prolongam-se no tempo as insuficiências na gestão e organização das empresas e na inovação e modernização dos processos produtivos, obstáculos principais ao necessário aumento da produtividade da economia portuguesa.

É insofismável que os problemas centrais da economia portuguesa passam pela necessária melhoria da produtividade, indispensável para sustentar um crescimento económico duradouro com produções competitivas.

Mas isso não será conseguido enquanto não for assumido de forma clara que a política de baixos salários é contrária ao aumento da produtividade. Porque enquanto os grandes empresários puderem contar com o factor trabalho a baixo preço não se sentem obrigados a ultrapassar aquelas insuficiências e a promover o efectivo aumento da produtividade.

É aqui, nestes desequilíbrios estruturais e nas suas causas reais, que reside o essencial dos problemas da economia nacional e a causa da degradação acelerada da situação económica.

No que respeita ao Orçamento Rectificativo agora apresentado, se é certo que a desastrosa política do Ministério da Saúde tem vindo a agravar problemas financeiros do SNS (visando em última análise criar condições subjectivas para avançar na sua privatização), não é menos verdade que nada justifica seriamente a apresentação de um orçamento rectificativo seis meses após do início da execução orçamental.

O Comité Central considera, por outro lado, que é politica e socialmente inaceitável que o Governo efectue um corte orçamental de cerca de 12% nos orçamentos dos estabelecimentos do ensino superior público, que vem criar novas e acrescidas dificuldades financeiras àqueles estabelecimentos de ensino. Mais uma vez se comprova que a alegada "paixão" do Primeiro-Ministro pela Educação não passa de propaganda sem conteúdo sério.

Ao mesmo tempo que se propõe o pagamento, pelo Orçamento do Estado, de dívidas dos Governos das Regiões Autónomas no valor de 24 milhões de contos, o que talvez ajude a perceber as razões que levaram o PSD a declarar de imediato que viabilizaria o Orçamento Rectificativo.

Quanto ao anunciado "programa de reforma da despesa pública" trata-se de um programa draconiano contra os trabalhadores da administração pública que, por arrastamento, obviamente se pretenderá estender a todos os trabalhadores por conta de outrem. Se ele viesse a ser aplicado, assistiríamos, pelo menos até 2004, a uma efectiva e inapelável redução dos salários reais daqueles trabalhadores, o que o Comité Central do PCP considera inaceitável. Não há nada que minimamente possa justificar essa redução dos salários reais, ou a criação de uma "bolsa de emprego" (melhor se diria de desemprego) na Administração Pública, ou a imposição de "maior mobilidade" dos trabalhadores, de redução de despesas com a ADSE, e de outras medidas sempre orientadas para lesar os trabalhadores da função pública.

O Comité Central considera que este programa consubstancia, naquilo que nele é dominante e determinante, uma verdadeira declaração de guerra do Governo do PS aos trabalhadores, à qual estes não podem ficar indiferentes e, legitimamente, responderão com determinação.

O Governo PS, numa atitude de completa insensibilidade pela perda de poder de compra que infligiu aos trabalhadores e aos reformados quando adoptou, como referência para os aumentos salariais e das pensões , uma previsão de inflação de 2,8% que de antemão sabia não poder ser cumprida pois deverá ultrapassar os 4%, pretende impor agora uma nova e duradoura desvalorização dos salários reais, numa orientação que desmascara definitivamente os discursos do Governo sobre a sua "sensibilidade social".

O PCP salienta que, em vez de novos e mais gravosos sacrifícios, o que era e continua a ser exigível é que os trabalhadores e os reformados vejam repostas compensações para os prejuízos efectivos que já estão suportar.

Num quadro de crescente precariedade, de anúncios e tentativas de despedimentos colectivos em diversas empresas, de falta de combate ao trabalho clandestino, às formas ilegais de pagamento do trabalho e á tragédia dos acidentes de trabalho, o Governo PS manifesta a vontade de alterar gravemente duas leis estruturantes do direito do trabalho designadamente a lei da contratação colectiva e a lei dos despedimentos com vista a limitar a liberdade de negociação e facilitar os despedimentos.

A situação existente nas Forças Armadas, caracterizada por um crescente mal-estar e inquietação, tem no Governo PS e na sua política o principal foco de instabilidade e, cujas medidas de contenção da despesa agora anunciadas, ao recaírem sobre a vertente social dos militares, tenderão a agravar.

O PCP alerta para a possibilidade de vir a ser consumada a aprovação da Lei de Programação Militar, com base num negócio entre o PS e o PP, Lei esta que não consagrando, nos seus propósitos fundamentais, a aquisição de meios prioritários para as Forças Armadas, amarrará Portugal para décadas aos encargos e opções agora tomados.

Noutro plano, o Comité Central reitera a exigência de um desfecho para o problema dos direitos dos militares (art.º 31 da Lei Defesa Nacional das Forças Armadas) que consagre um moderno e efectivo regime de direitos, nomeadamente quanto ao associativismo socioprofissional.

Não deixa de ter significado o facto de em relação ás forças de segurança se acentuar uma linha repressiva com expressão na GNR, instaurando sem fundamento nem legitimidade processos disciplinares a dirigentes associativos, no quadro da acentuação de práticas e opções militarizadoras desta força de segurança. Por outro lado, quanto à PSP, é inaceitável a consagração constitucional (apoiada pelo PDS e pelo PSD) de proibição do direito à greve, abrindo um precedente no quadro mais geral dos direitos dos profissionais das forças de segurança e constituindo por isso factor de mal-estar interno com reflexos na capacidade operativa.

O Comité Central do PCP confirma o ambiente de confiança e o avanço registado nas tarefas de preparação das eleições autárquicas que tem caracterizado o desenvolvimento do trabalho das organizações do Partido e das estruturas locais da CDU. Sublinhando o significativo acolhimento e apoio que a generalidade das candidaturas apresentadas têm recolhido, o Comité Central chama a atenção para a importância de ser dada continuidade ao trabalho de formação das listas, ás acções de divulgação e valorização do trabalho realizado e à elaboração dos programas eleitorais numa base de alargada participação.

O nervosismo evidenciado pelo progressivo uso ilegítimo de meios e recursos públicos é prova do crescente reconhecimento no PS da impossibilidade de poder derrotar a CDU no plano do trabalho e da gestão nas autarquias.

Todos aqueles métodos e prática que antes condenara a Cavaco Silva e ao PSD estão agora retomados, e em muitos casos ampliados, pela mão do partido do governo para tentar chegar ou agarrar-se ao poder. A palavra de ordem em vigor é a da mentira, do abuso de poder, da instrumentalização dos meios e dos recursos do Estado. Os limites foram há muito ultrapassados. A falta de ética é tal que há candidatos do PS que confessam publicamente a sua confiança nas eleições em função de uns investimentos prometidos pelo governo, dirigentes do PS até há pouco com elevadas responsabilidades governamentais que afirmam ser condição de favorecimento político em matéria de investimento a eleição de candidatos socialistas, outros que agora desavindos com o respectivo partido informam ter-lhes sido prometido um cargo de governador civil para abrir caminho a um novo candidato do PS à respectiva autarquias, governadores civis anunciados como candidatos a câmaras (já são quatro) que afirmam manter-se em funções para melhor intervirem eleitoralmente, eleitos de outras forças políticas aliciados a não concorrerem em troca de lugares melhor remunerados em entidades dependentes do governo.

O Comité Central sublinha a importante acção desenvolvida pelo Partido nos últimos meses, no plano político geral e na intervenção institucional, nomeadamente sobre os serviços e infra-estruturas fundamentais, o Conceito Estratégico de Defesa Nacional, as Grande Opções de Segurança Interna, a instituição do Dia Nacional de Prevenção dos Acidentes de Trabalho, a melhoria das pensões dos acidentados do trabalho, o pagamento de créditos devidos aos trabalhadores por falência de empresas, a luta por melhores salários e reformas e pelos direitos dos trabalhadores.

O Comité Central do PCP rejeita frontalmente todas as manobras e operações de falsificação política que visem não só absolver o PS das suas exclusivas responsabilidades pela situação de degradação e de crise crescente que a sua governação indisfarçavelmente enfrenta como instituir um alegado dever de solidariedade e apoio do PCP para com o Governo PS .

O PCP relembra que, governando há seis anos consecutivos, o PS teve todas as oportunidades eleitorais e políticas para a realização de uma política de esquerda e que as desbaratou com a sua deliberada opção pela realização, nos aspectos mais determinantes, de uma política similar - e nalguns casos agravada - à dos governos do PSD.

O PCP relembra que foi a política do Governo do PS, designadamente através do saque das privatizações, que fortaleceu consideravelmente o poder do grande capital e acentuou factores de subordinação do poder político ao poder económico. E o PS labora em puro engano se imagina que, como está a suceder, as suas novas e crescentes cedências às pressões do grande capital impedem este de vir a fazer outras apostas políticas e eleitorais, quando e se o considerar mais conveniente para os seus interesses.

O PCP prosseguirá com a sua firme atitude de oposição de esquerda ao Governo do PS, tanto mais necessária e justa quando, em domínios cruciais, está em concretização uma inflexão ainda mais para a direita da política governativa.

O PCP prosseguirá com a sua atitude responsável e construtiva de, pelas suas próprias propostas e pelo apoio a propostas alheias, alcançar medidas, decisões e linhas de orientação positivas ainda que pontuais e parcelares.

Num quadro de total e inalienável autonomia de valores, de intervenção e de projecto, o PCP continuará a bater-se, e com renovado vigor e consistência, pela intensificação da luta social, pela resposta eficaz a sentidas reivindicações e aspirações dos trabalhadores e da população, por uma vasta agregação do descontentamento popular e forte mobilização dos cidadãos em torno da exigência de uma política de esquerda, pelo reforço da sua influência social, política e eleitoral - que, em conjunto, se apresentam como os factores essenciais para derrotar os planos de repetição de uma gasta alternância entre o PS e a direita na realização de uma política similar e para abrir caminho a uma alternativa de esquerda.