Intervenção de João Ramos na Assembleia de República

Sobre o relatório dos incêndios florestais

Senhora Presidente,
senhores deputados,
senhores ministros,
senhores Secretários de Estado,

Começo com uma saudação aos deputados que integraram o Grupo de Trabalho, ao seu coordenador e ao relator. Uma saudação que estendo a todos aqueles que, no dia-a-dia e no terreno se empenham na prevenção e no combate aos incêndios.

O PCP não tem dúvidas sobre a importância da abordagem à problemática dos Incêndios Florestais. E tanto assim é que desde a primeira hora, antes da decisão da Conferência de Líderes, já tinha proposto a constituição de um Grupo de Trabalho no âmbito da Comissão de Agricultura.

No PCP temos consciência e foi esse o sentido da nossa intervenção, que o problema dos incêndios florestais é acima de tudo um problema de política florestal. O país precisa de uma política florestal séria que disponibilize os meios adequados e tome as medidas necessárias. Uma política de apoios sem estratégia nada resolve. Os fundos comunitários podem ser a mostra disso mesmo. A análise à utilização de fundos públicos, nomeadamente comunitários levanta-nos muitas dúvidas. Desde 1990 terão sido disponibilizados para a silvicultura pelo menos mil milhões de euros. Só nos últimos dois quadros comunitários entre 2001 e 2014 terão sido cerca de 400 milhões de despesa pública. Nesses 13 anos a média anual ardida foi de 138 mil hectares. Nos treze anos anteriores a média tinha sido de 102 mil hectares. Arderam mais 36 mil hectares em média por ano. Entre 2001 e 2014 houve dois anos extraordinários em que arderam 425 mil e 338 mil hectares. Os maiores incêndios desde 1980 ocorreram na última década. Em termos de empregabilidade e porque não são publicados dados desgregados, em média anual, do que em 2013 existiam menos 192 mil empregos na agricultura, silvicultura e pesca que em 2000. Algumas estruturas falam em menos 160 mil postos de trabalho na floresta. Enquanto isto as áreas de sobro e pinho regridem e o eucalipto avança.

O ministério da agricultura recusa-se a tirar conclusões. O investimento público é não só importante, como fundamental, mas tem de estar associado a uma estratégia e a única estratégia do governo é deixar os mercados funcionar. Os produtores, legitimamente, procuram as espécies que lhe dão maior rentabilidade. Mas se esse for o único critério, o país deixará de produzir espécie de grande importância para a nossa economia, para passar a produzir apenas para um setor: a pasta de papel. O governo em vez de intervir para equilibrar, faz o contrário e promove legislação, tanto na arborização e rearborização como na alteração à lei dos baldios, para afunilar a produção para esse mesmo setor.

No decorrer dos trabalhos do Grupo, o PCP participou ativamente na fase de audições e consolidação das recomendações.

Consideramos de grande importância a inclusão de duas propostas do PCP, que em outros relatórios nunca tinham sido aceites. Nomeadamente, a indicação clara de que é preciso garantir os fundos públicos (quer do Orçamento do Estado, quer fundos comunitários) para a execução de uma política florestal, principalmente, de prevenção. A outra proposta é no sentido de garantir a intervenção do Estado para assegurar os equilíbrios entre a produção e a comercialização/transformação, sem o que dificilmente se garante a rentabilidade da atividade florestal. Só uma adequada rentabilidade pode garantir a gestão florestal ativa enquanto instrumento fundamental na prevenção dos incêndios florestais e na minoração da dimensão e estragos quando ocorrem.

Outra proposta de grande significado foi a reposição do corpo de guardas florestais. Hoje é cada vez mais evidente que foi um erro a extinção da Guarda Florestal. Até o ICNF sente a falta de uma estrutura de intervenção no terreno. Ainda não foi aceite a proposta mas é cada vez maior o consenso em torno do erro dessa extinção.
Aguardamos a evolução de posições, que acontecerá tal como aconteceu com a inclusão, agora, da necessidade de abordagem comum entre prevenção e combate quando em 2005/2006, PS, PSD e CDS recusaram a posição do PCP de manter a problemática dos Incêndios florestais sob um único ministério.

A forma como foi construído o relatório e a abertura para o consenso permitiram que o conjunto de recomendações fosse aprovado por unanimidade. Não nos eludimos contudo, uma vez que, em matéria florestal, temos a experiência do não cumprimento, por parte do governo, das Resoluções da Assembleia da República. O problema não é a falta de Relatórios, recomendações ou legislação. Só relatório sobre incêndios florestais há pelo menos três publicados. O problema é de concretização. Veja-se a Estratégia Nacional para a Floresta, que contém planos de prevenção, metas, calendarizações, mas cuja concretização está muito aquém do programado. Se em matéria de combate houve avanços, ainda que insuficientes como ficou demonstrado em 2012 e 2013, em matéria prevenção regrediu-se. Basta ver a evolução da concretização das faixas de gestão de combustível.

Os consensos em torno destas matérias são importantes, mas não permitiremos que eles escondam a inação do governo. Não permitiremos que os partidos que têm responsabilidades governativas usem os consensos parlamentares para esconder as suas opções políticas.

Disse.

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