Sobre a Reforma da Administração Pública e as anunciadas propostas do Governo<br />Declaração de Jorge Cordeiro da Comissão

1. Uma Administração Pública capaz de assegurar a gestão diversificada, qualificada e eficaz dos recursos públicos de acordo com as necessidades do desenvolvimento económico, social, cultural e ambiental do país constitui uma das condições essenciais para a condução de uma política que pretenda concretizar os principais direitos da população e dar corpo a um Estado democrático. A prossecução do interesse público no respeito pelos direitos e interesses dos cidadãos que a Constituição lhe incumbe deve constituir o objectivo essencial de qualquer reforma da Administração Pública.De há muito que o PCP se tem pronunciado sobre a necessidade de promover uma reforma da Administração Pública que a modernize (criando condições para a utilização generalizada de novas tecnologias e processos) e a desburocratize (no duplo sentido de aligeirar rotinas e de recentrar a sua acção nos cidadãos). 2. A política que sucessivos governos têm prosseguido, ainda que inscrevendo como objectivos dos seus mandatos a reforma da administração pública, tem sido orientada para alimentar a desconfiança da população nos seus serviços e atribuir aos trabalhadores do sector as responsabilidades por inegáveis dificuldades, estrangulamentos e deficiências que o seu funcionamento apresenta, tentando assim justificar a progressiva desresponsabilização do Estado na prestação de serviços públicos. Pelas mãos dos governos do PS (que vem agora assumir como suas as propostas do actual Governo ao afirmar pela voz de um dos seus responsáveis que “as medidas propostas pelo Primeiro-Ministro fazem parte do programa do PS”) e do PSD o que se tem assistido é à degradação de importantes serviços da Administração Pública , pela redução de meios humanos e financeiros, e das funções por eles desempenhados. Seria uma ilusão admitir que o anúncio e aprovação pelo Governo das primeiras propostas da “reforma” da Administração Pública correspondessem a uma resposta séria a uma necessidade adiada. Assim não é, como os conteúdos o desvendam. Bem pelo contrário.3. A resolução do Conselho de Ministros e os projectos de diplomas entretanto conhecidos — Leis da Organização e funcionamento da Administração Directa, dos Institutos Públicos e do Estatuto do Pessoal Dirigente — constituem não um passo no sentido de uma reforma democrática da Administração Pública, norteada pelo objectivo de assegurar a todos os portugueses e ao país uma prestação qualificada de serviços, mas sim no sentido da irresponsável privatização de serviços públicos, da alienação de funções públicas e de um novo ataque aos direitos dos trabalhadores.Desonestamente escudada em conceitos como os da competitividade, dinâmica empresarial e flexibilização para iludir a incontornável diferença de natureza entre um serviço público (orientado para assegurar a todos a efectivação de direitos que ao Estado cabe satisfazer segundo regras de gestão e de responsabilidade pública) e um negócio privado (determinado pelas margens de lucro e pelas regras de concorrência, entre outras), o que o Governo prepara é, não uma efectiva reforma da Administração Pública, mas sim novos passos no seu desmantelamento, à custa dos direitos dos trabalhadores e da sua estabilidade profissional.4. A concretizarem-se os objectivos do Governo agora explicitados nos projectos de diplomas, a Administração directa do Estado ver-se-ia limitada a funções meramente residuais, a Administração indirecta veria aprofundada a orientação já ensaiada pelo anterior governo no sentido da desregulamentação laboral e da privatização de funções hoje a cargo de institutos públicos, por recurso a figuras como a concessão, a parceria ou a cessão de exploração, e no seu todo a Administração Pública ver-se-ia totalmente governamentalizada, melhor dizendo, colonizada pelos partidos do governo, pelo processo de designação por livre escolha de todos os seus dirigentes. Ao fixar como eixo essencial da reforma da Administração Pública a criação de condições para a sua progressiva privatização, o Governo põe em causa quer a prossecução do interesse público, quer as garantias de igualdade, proporcionalidade e justiça que a Constituição da República expressamente lhe atribui.Àquilo a que já hoje se assiste com um qualquer grupo Mello na exploração dos hospitais com demonstrado prejuízo para os utentes e para o Estado ou com o processo em curso de privatização das funções notariais, ver-se-á amanhã estendido a outros serviços se um qualquer grupo financeiro se interessar pela exploração de um museu ou se uma qualquer General des Eaux entender rentável a gestão das ruínas de Conimbríga... Não deixa de ser elucidativo que a recente Lei Orgânica do Ministério da Economia tenha extinto o Instituto Geológico, deixando a actividade extractiva de minérios quase sem controlo do Estado e à mercê das multinacionais, o que é absolutamente escandaloso tendo em conta além do mais que os jazigos minerais pertencem ao domínio público conforme determina o Art.º 84 da Constituição. Ou que, por falta de meios do Instituto de Aviação Civil, o nosso país esteja em vias de ser desclassificado na escala internacional de segurança aeronáutica, ou em vias de ser penalizado pelo incumprimento, por falta de pessoal especializado na Direcção Geral de Pecuária, dos regulamentos de inspecção sanitária em vigor na União Europeia. Num momento em que estão presentes as primeiras medidas do Governo, o PCP deseja sublinhar que a Administração Pública democrática, eficiente e eficaz que o País reclama e as necessidades de desenvolvimento exigem é inseparável:

— de uma decidida opção pela valorização do carácter público do serviço a prestar, em vez da pretendida alienação de funções sociais; — de uma decidida política de descentralização, em que a criação das Regiões é uma condição essencial para a reforma administrativa, em vez da insistência em modelos centralizadores de condução de serviços e políticas regionais; — de uma aposta na formação e valorização dos seus trabalhadores, no respeito pelos seus direitos, em alternativa à deliberada política de desvalorização profissional assente na progressiva perda salarial , nas alterações ao regime de aposentações e na precarização de vínculos laborais que os contratos individuais de trabalho vêm acentuar;

Uma Administração Pública democrática, eficiente e eficaz precisa, não de ver diminuído o número dos seus trabalhadores — em muitos casos e sectores manifestamente insuficientes, como se pode constatar em áreas como a saúde, a educação ou a justiça —, mas sim do recrutamento de jovens trabalhadores , do investimento na sua qualificação e na dignificação do seu estatuto remuneratório.6. O PCP, que tem em preparação uma iniciativa pública a realizar no inicio do Novembro para debater um conjunto de medidas indispensáveis a uma reforma da Administração Pública democrática e ao serviço dos portugueses, reafirma a sua solidariedade e apoio à luta dos trabalhadores e o seu empenhamento em dar combate a todas as medidas que, fingidamente em nome de uma indispensável reforma, visam estender aos serviços públicos do Estado a onda privatizadora que já hipotecou o sector público empresarial e a economia nacional.

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