Sobre questões de emigração - Declaração de Rui Fernandes do Secretariado do PCP

É já tempo de mudar de política

Em vésperas de comemorar 2 anos de governação, José Cesário Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas (SECP) vem reconhecer publicamente (Lusa, 4/3/2004) o rotundo fracasso da política do governo PSD/CDS-PP. Uma política que não acautela os interesses das Comunidades Portuguesas, nem o prestígio externo de Portugal.

A acção do Governo junto da nossa diáspora acompanha o conjunto da ofensiva mais geral, no plano nacional, contra direitos duramente conquistados pelos trabalhadores e pelo povo português e que a Revolução de Abril, que comemora este ano os seus 30 anos, consagrou.

A rede consular

Desde logo, o SECP reconhece o fracasso da tão propagandeada reestruturação consular iniciada há mais de um ano, fortemente contestada pelas comunidades, nomeadamente pelo Conselho das Comunidades Portuguesas, cuja opinião e parecer continuam a ser ignorados pelo Governo.

O governante vem agora reconhecer que os escritórios consulares não têm autonomia limitando-se a receber e a encaminhar grande parte dos serviços para o consulado de carreira e a remeter para daqui a alguns meses a resolução deste problema que no seu entender passa por alterações ao Regulamento consular.

Esta situação é particularmente gravosa quanto a Osnabrück (Alemanha): o Governo decide encerrar o consulado de carreira que servia uma população portuguesa estimada em 15 mil pessoas. Face à forte contestação, o Governo mete os pés pelas mãos, anuncia a criação de um consulado honorário, mas como não encontra ninguém para gerir esta situação, acaba por optar por um escritório consular prometendo melhor qualidade de serviços, o que está longe de se verificar.

No entanto, o exemplo mais absurdo em todo este processo é o escritório consular fantasma em Windhoek (Namíbia). O Governo publicou um despacho a encerrar a embaixada e a secção consular, mas onde está o despacho que cria o escritório consular que o Governo diz existir?

A saga da reestruturação consular não se fica por aqui. Perante a contestação generalizada a esta política, o SECP faz um número de ilusionismo: em Manchester (Reino Unido) transforma o consulado honorário em escritório consular; na Córsega (França) pela enésima vez anuncia a criação de um escritório consular, quando já existiu por diversas vezes um consulado honorário que, posteriormente, foi encerrado; em Los Angeles (EUA) é criado um consulado honorário, quando já existia um que, mesmo encerrado, estava a receber dinheiros públicos.

Mas esta política, determinada unicamente por critério economicistas e de vistas curtas, tenta fazer dos trabalhadores consulares um bode expiatório. Está comprovado que no conjunto a rede consular portuguesa tem um défice em pessoal na ordem dos 20%, mas entretanto o SECP tem a desfaçatez de afirmar que “a maioria dos postos tem trabalhadores a mais”. O PCP lança o desafio ao SECP para que divulgue a lista dos consulados que se encontram nesta situação.

O descaramento do SECP vai mais longe, quando lamenta o facto de a lei não permitir que o Ministério possa, quando muito bem entender, deslocar um funcionário para outro consulado ou outro país, ignorando que a própria lei prevê a transferência de pessoal num quadro de negociação e não por decisão arbitrária do Governo.

O ensino do português no estrangeiro

O SECP afirma que o Governo está a preparar um “plano estratégico” para o ensino do português no estrangeiro sem querer adiantar um único pormenor, a não ser o de repetir que a solução de futuro passa pela integração do ensino da língua portuguesa nos sistemas locais, dando como exemplo o que se passa em França. Ora aquilo a que se tem vindo a assistir neste país, assim como na Alemanha, Holanda e Luxemburgo, é precisamente o inverso, ou seja, a redução de cursos da responsabilidade dos respectivos Estados.

Tendo em conta que o elemento caracterizador da actual política do Governo é o desinvestimento no ensino da língua e cultura portuguesas, só podemos ficar preocupados com o tal “plano estratégico” que mais nos lembra o plano de reestruturação consular, de triste memória.

O PCP, é também um Partido de proposta tendo vindo a apresentar ao longo dos anos, de forma fundamentada, propostas de reforço orçamental para o ensino do português no estrangeiro, tendo também apresentado na Assembleia da República um projecto de resolução sobre este mesmo assunto.

Desde já e tendo em conta as práticas do Governo, o PCP alerta as comunidades portuguesas para as medidas que aí vêm, e exige do Governo o respeito pelo principio constitucional de ouvir as entidades directamente envolvidas, ou seja, os sindicatos dos professores e o Conselho das Comunidades Portuguesas.

Direito à saúde dos ex-emigrantes na Suíça

Sobre a discriminação que recai sobre os ex-emigrantes na Suíça a quem o Governo PSD/PP quer obrigar a pagar um seguro de saúde a operadoras privadas suíças para terem acesso ao Serviço Nacional de Saúde, o SECP não podia ser mais hipócrita: lastimando a situação, o governante remete a resolução do problema para o Ministério da Saúde ao mesmo tempo que afirma não “ser fácil encontrar uma solução”, e acrescenta que aqueles que não tenham posses para pagar as avultadas somas “têm direito a receber apoios das autoridades cantonais suíças”.

Para o PCP só há uma solução para este problema: o respeito pelo direito no acesso aos cuidados de saúde garantidos a todos os cidadãos residentes em Portugal, direito este que está consagrado na Constituição da República Portuguesa e que a pretexto do acordo entre a UE e a Suíça, o Governo do PSD/PP retirou.

O PCP denuncia esta negociata onde ganham as seguradoras privadas suíças e o Governo português que recebe uma contrapartida financeira, mas em que perdem os ex-emigrantes da Suíça a quem é imposto o pagamento de um serviço privado quando a Constituição Portuguesa determina que o Serviço Nacional de Saúde é para todos.

O PCP expressa a sua solidariedade para com a luta em curso, em Portugal e na Suíça, visando pôr fim a mais este ataque aos direitos dos trabalhadores.

Directivas comunitárias sobre livre circulação

No decorrer desta semana vai estar em discussão, no Parlamento Europeu, uma proposta de directiva comunitária que visa juntar num único texto as várias directivas relacionadas com a livre circulação e residência dos cidadãos da União Europeia e dos membros das suas famílias. Sem ignorar as vantagens formais decorrentes da unificação dos vários instrumentos, não podemos deixar de considerar como preocupante o facto de ficarem excluídos na proposta que agora vai a discussão, os trabalhadores com vínculo a empresas prestadoras de serviços.

Como frequentemente tem vindo a público, a coberto deste estatuto, tem-se verificado em Portugal o crescimento de novas vagas de emigração em condições de grande precariedade.

De facto, a tão propagandeada livre circulação de pessoas tem servido fundamentalmente para facilitar a contratação de mão-de-obra barata. Isto acontece com a cumplicidade dos governos, tanto dos países de origem como, no caso concreto, pela mão do Governo português que disponibiliza os serviços de emprego para publicitar ofertas de emprego no estrangeiro promovidas por engajadores sem escrúpulos, como recentemente foi denunciado pelo Conselho da Comunidade Portuguesa na Holanda.

É também mais claro nos dias de hoje que, a pretexto da cidadania europeia, os portugueses que vivem e trabalham noutros estados da União Europeia são frequentemente discriminados, porque ao deixarem de ser considerados emigrantes, os governos e administrações locais reduzem e retiram os apoios ao ensino do português e ao movimento associativo.

O PCP, ao mesmo tempo que denuncia as orientações neoliberais que presidem ao actual processo de construção europeia com as suas nefastas consequências para Portugal, como é cada vez mais evidente na destruição do aparelho produtivo e no aumento do desemprego, afirma a sua determinação na luta por uma Europa com emprego e desenvolvimento sustentável, coesão económica e social.

Cerca de 30 anos dominados por governos com políticas de direita alternadas entre o PSD, PS e PP, ora sozinhos ora em coligação, põem hoje em evidência de que também para as comunidades portuguesas é tempo de mudar de política. É tempo de as Comunidades Portuguesas verificarem, sem preconceitos, que o PCP, embora sem deputados eleitos pela Emigração, é o Partido que, inquestionavelmente, apresenta e desenvolve mais propostas, acções e iniciativas (incluindo a iniciativa legislativa na Assembleia da República, bem como no Parlamento Europeu) em defesa das mesmas Comunidades. Dizemo-lo não por uma mera operação contabilística sobre quem fez mais ou menos, mas em nome da verdade tantas vezes distorcida e em nome dos valores que defendemos.

As Comunidades Portuguesas podem continuar a contar com o PCP.

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