Sobre questões de educação resultantes da intervenção do Ministério da Educação<br />Conferência de Imprensa do PCP

Os primeiros 2 meses dos novos ministérios da Educação e da Ciência e do Ensino Superior constituem já uma desilusão e exigem iniciativas de resposta das comunidades educativas. As políticas do novo governo resumem-se a “cortar e a encerrar”, o que não está associado a nenhuma ideia consistente do desenvolvimento da Educação, reduzindo a pó os altos desígnios expressos por Durão Barroso no programa de governo e na campanha eleitoral. E uma divisão do ensino em dois diferentes ministérios que não podemos desligar das intenções privatizadoras e da redução previsível do investimento público no desenvolvimento económico, em que a componente científica e tecnológica é fundamental. O PCP sempre teve intervenção qualificada nas questões da Educação com a definição de propostas globais e particulares e iniciativas parlamentares diversificadas. Trata-se neste momento, não de apreciar exaustivamente todas as situações, mas de apresentar comentários e perspectivas alternativas a alguns aspectos enunciados pelos dois ministérios à luz dos conceitos de educação pública, gratuita e de qualidade, de consagração constitucional e de reclamações da comunidade educativa. Do Ministério da Educação são de destacar decisões ou intenções expressas, como:— O fim do ensino recorrente em muitas escolas, na ausência de uma avaliação sobre um sistema que, claramente, não serve e das correspondentes medidas alternativas que deviam ir sendo preparadas enquanto as escolas continuariam no próximo ano o trabalho desenvolvido; Com a gravidade particular de as escolas terem tomado conhecimento da decisão por fax, sem consulta prévia e sem invocação de critérios, e sabendo-se que externatos particulares se movimentam para recrutar estes alunos;— A apresentação, há dias, pelo Governo, de um projecto-lei sobre “sistema de avaliação da educação e do ensino não superior”, que limita a qualidade a situações de “excelência” e atribuição de mérito aos casos de maior sucesso e se propõe elevar os recursos nestas situações, enquanto subvaloriza o necessário aumento generalizado de apoios a situações diferentes; A sobrevalorização irreflectida da divulgação de “rankings”, apesar da justeza da divulgação de avaliações feitas em diferentes contextos e com diferentes parâmetros; A governamentalização da avaliação neste projecto, que não valoriza o papel da Inspecção Geral da Educação, confirma o carácter apenas consultivo do Conselho Nacional de Educação, remetendo o essencial das decisões para as estruturas centrais do Ministério;— O encerramento e alteração das tipologias de escolas básicas e secundárias, sem garantir suficiente consensualidade entre professores, estudantes, pais e autarquias;— O crescimento do número de professores com “horário zero” e da fragilização da situação dos contratados, com o fim dos destacamentos e requisições e do ensino recorrente em muitas escolas (decidido sem uma avaliação das consequências);— A ausência de medidas, articuladas com as autarquias, que viabilizem alternativas credíveis a algumas escolas isoladas com menos de 10 alunos que se pretende encerrar (transportes adequados, tempos de deslocação, refeições e tempos livres, etc.), já que a maior parte não deve ser encerrada;— A “profissionalização” dos órgãos de gestão, retirando poder deliberativo e executivo a membros eleitos pelos diversos corpos;— A ausência de legislação relativa ao financiamento do ensino não superior que garanta meios e introduza a democraticidade e a transparência no quadro de atribuição de verbas e de outros recursos decorrentes das leis de orçamentos do Estado;— A ausência de uma estratégia para valorizar as vias profissionalizantes do ensino quer dos cursos tecnológicos quer dos profissionais, com qualidade e maior rentabilização dos recursos investidos, com a integração das escolas profissionais, a criação de uma rede pública de ensino profissional e das condições legais e orçamentais para o efeito, e respeitando a diversidade de experiências territoriais e de especialidades e as necessidades de profissionais de média formação;— A intenção velada de introduzir o “cheque-educação”, onde a pretexto da liberdade de escolha se quer privilegiar as instituições privadas, já generosamente apoiadas pelo Estado, subfinanciar a rede pública e degradar os recursos de escolas em zonas socialmente mais difíceis;— A ausência da consideração de que a maioria dos problemas de sucesso escolar e disciplina não se resolvem pela via administrativa mas fundamentalmente criando bases para o sucesso, seja pela via pedagógica (inovação e adequação às necessidades reais), seja pela sociabilização e uma maior ligação efectiva às escolas por parte das crianças, nomeadamente reforçando o aspecto lúdico nas mesmas (currículos e actividades diversas). Tudo isto implica, necessariamente e à priori, um vasto programa de requalificação escolar que manifestamente não se vislumbra no horizonte;— A insistência na revalorização dos exames em prejuízo da avaliação contínua e da concepção alargada de sucesso escolar, e na avaliação das escolas para criação de estatutos de “excelência” e não para apurar quais as escolas em dificuldade que têm que ser mais apoiadas; Do Ministério da Ciência e do Ensino Superior sublinham-se atitudes como:— A apresentação, hás dias, na AR, de uma proposta de Lei de Desenvolvimento e Qualidade do Ensino Superior, mal organizado e conflituante com outra legislação, sem ouvir os parceiros, e sem dar tempo para debate público, em que são subestimados as instituições e lesada a autonomia universitária, em que no Conselho Nacional do Ensino Superior é sobrevalorizado o papel do Ministro e ignorada a representação dos sindicatos, em que se prevêem equívocos e conflitos na relação deste Conselho Nacional com o Conselho Nacional de Educação, em que o Politécnico é desvalorizado e onde são consagradas inaceitáveis condições de financiamento ao ensino privado e à própria banca;— A intenção de manter apenas cursos com saídas que os empregadores procuram no curto prazo e não aqueles que correspondem a outras vocações dos jovens ou necessidades permanentes ou futuras do País;— Afirmar não dispor de margem de manobra para a revalorização social dos profissionais do sector mas tão só para rever os estatutos de carreiras; — A tentativa de confundir os objectivos e as estruturas dos sistemas público e privado, ao tentar equiparar a qualidade de cursos em ambos, quando é evidente que é no ensino privado que existem sérias carências e logros;— A ausência de clareza quanto ao financiamento, que o Ministério chegou a declarar ser plurianual, e à alteração da respectiva fórmula e à forma de a aplicar concretamente, com a simples declaração de que “haverá dinheiro para funcionar”, tanto mais que se afirma no já referido projecto de lei que “compete ao Estado financiar os estabelecimentos públicos de ensino superior no limite das suas disponibilidades governamentais”; A negociação directa entre as instituições e a tutela, a penalização dos estudantes pelo insucesso escolar, a maior pressão para cada instituição obter mais receitas próprias junto de empresas e de estudantes, são outros aspectos preocupantes;— O silenciamento sobre a necessidade de quadros docente e investigador, suas dotações globais, e a manutenção ilegal com contratos administrativos de provimento, sem integração em lugares do quadro, da maioria dos docentes, bem como a instabilidade do emprego cientifico, em geral;— A falta de esclarecimento sobre a gestão administrativa e financeira das instituições passaria a ser efectuada por agentes exteriores;— A prevalência da associação do financiamento ao processo de avaliação, que adquire cada vez maior papel como um fim em si mesmo, e a publicitação desregrada de resultados e respectivos efeitos perversos;— O silêncio e o não distanciamento relativamente aos processos de mercantilização que passarão por nova fase em breve no quadro de negociações no seio da OMC e já com desenvolvimentos no quadro da União Europeia (e-Learning) Sabemos que os novos ministérios só começaram a funcionar há poucos meses, mas importaria que em tão pouco tempo nas declarações públicas e nos contactos com os parceiros e a Assembleia da Republica, tivesse havido a identificação das linhas condutoras de uma política e não a decisão avulsa sobre cortes para conter a despesa na rede pública enquanto são criadas novas expectativas para o sector privado, em coerência, aliás, com o objectivo expresso no programa do Governo de “contrariar o crescente estatismo a que está sujeita a educação em Portugal” (sic). Isto reforça a determinação do PCP em continuar a agir para que a Educação seja pública, gratuita e de qualidade, em correspondência com as necessidades educativas do modelo económico que temos proposto para o país e as aspirações e vocações dos jovens portugueses.Isso implica vencer atrasos no ensino, educação e formação contínua, para que não andemos sempre a falar da crise de Educação e a alternar grandes expectativas, sem bases, com depressões que tudo agravam . Numa altura em que a direita, atrás de uma imagem de pragmatismo, prepara novos golpes na educação pública e de qualidade, importa dizer que vencer os atrasos (que só em palavras todos estão de acordo), exige:— Um cada vez maior esforço de recursos e de investimentos na área da Educação, num quadro de franqueza no diálogo, retomando as negociações com todos os parceiros;— Manter o ensino recorrente em todas as escolas no decurso de 2002/3 e durante este ano lectivo preparar as alterações a vigorar no ano lectivo seguinte; — Uma formação permanente e recorrente que vença a iliteracia, seja uma continuada oportunidade para jovens e adultos, ajude a integrar os imigrantes e assegure, em geral, outros níveis de qualificação;— Uma revisão curricular no secundário com carácter democrático e cientificamente sustentada com a valorização da via tecnológica e profissionalizante, a preocupação de corresponder a uma educação integral e intercultural, prevendo componentes curriculares locais e o apoio a projectos educativos locais;— Dignificar os primeiros anos de escolaridade (reabilitação de escolas, orçamentos próprios, reforço de pessoal, equipas pluridisciplinares, reequipamento e sua manutenção operacional, refeições e tempos livres, etc.);— Redimensionar as turmas do 1º ciclo e do respectivo quadro de auxiliares de acção educativa;— Continuar a expansão da rede do pré escolar, na base do crescimento da rede pública;— Racionalizar o parque escolar através de consensos entre os interessados sobre as alterações a introduzir;— Uma escola que seja inclusiva e que corresponda às necessidades educativas especiais;— A viabilização, desde cedo, das condições para a formação do pensamento crítico e o desenvolvimento da criatividade;— Garantir uma autonomia efectiva das escolas, que não seja confundida com o abandono a si próprias pela desresponsabilização do Estado, com uma crescente regionalização participada da direcção do sistema e revogando o DL 115-A/98 para que se aprofunde a experiência de gestão democrática;— Uma lei do financiamento do ensino não superior; que contenha objectivos de dotação equilibrada de recursos, participada pela comunidade educativa de controlo de gestão subordinado ao primado das condições educativas, de democraticidade de distribuição assente em parâmetros objectivos, da universabilidade de acesso, da responsabilidade da boa gestão dos recursos públicos, da transparência através de critérios rigorosos, de discriminação positiva em situações de maior carência social, da necessidade de respostas para vários anos em função dos projectos de escolas e da autonomia das escolas em apresentar propostas de acordo com os respectivos projectos educativos.— A discriminação positiva de muitas crianças que entram na escola vítimas de grandes desigualdades;— Alargamento da escolaridade obrigatória;— Um aperfeiçoamento da avaliação externa e da auto-avaliação das escolas evitando os efeitos perversos dos rankings escolares;— A melhoria da formação inicial e contínua de docentes e não docentes, aperfeiçoando a definição de carreiras e oferecendo incentivos à fixação no interior. No que respeita ao ensino superior:— Amadurecimento junto dos restantes parceiros do projecto de lei do Governo, que, pela superioridade hierárquica que tem em relação à restante legislação do ensino superior, exige um amplo debate público;— A opção pelo Projecto de Lei Quadro do Ensino Superior que o PCP apresentou há dias, e que contempla entre outros aspectos, alguns dos que se seguem:— O sistema ser único, embora diferenciado quanto às soluções organizativas das instituições, conteúdos científicos, modelos pedagógicos e modalidades de formação, territoralizado e de gestão integrada regionalmente, mas com maior racionalização de meios; numa diferenciação que não constitua o suporte de uma diferenciação social, antes convirja durante um período de transição para um sistema único;— Assegurar a participação democrática de todos os agentes da comunidade educativa;— As instituições terem capacidade de exercer e verem respeitadas as autonomias estatutária, científica, pedagógica, administrativa, financeira, patrimonial e disciplinar e cooperarem entre si;— O sistema tem que assegurar uma programação prospectiva que nos aproximem de padrões europeus na qualificação e competências, garantindo a gratuitidade de formações, a independência em relação ao poder económico, o acesso a todos os que revelem capacidades e motivação e eliminando o numerus clausus;— Os estabelecimentos de ensino superior cumprirem missões definidas, tendo por parte do Estado a garantia de dotação de recursos humanos, materiais e financeiros correspondentes;— O financiamento público assegurar, após um alargado processo de discussão, o orçamento de funcionamento dos estabelecimentos, na base de uma fórmula que resulte da adaptação da actual, pondo fim à asfixia e incertezas que têm sido criadas pela não aplicação da lei do financiamento e pelos sucessivos subterfúgios na aplicação da respectiva fórmula e garantindo a gratuitidade de frequência para os estudantes (fim das propinas);— A rejeição do cheque-educação;— O alargamento e reforço da acção social escolar, directa e indirectamente;— Há que inverter a tendência de quebra da procura de cursos essenciais ao desenvolvimento do país (Ciências Exactas, Engenharia, etc.) ou da escassez da oferta em certas áreas como a da Saúde, sem quebra de ofertas correspondentes a outras vocações;— Devem ser criados, em cada estabelecimento de ensino, quadros globais próprios de dotação de docentes, de investigadores e outros funcionários que ponham fim à dimensão extraordinária que atingem no país, nomeadamente entre os docentes, os contratos administrativos de provimento;— A aplicação de recursos suficientes para a investigação científica, o desenvolvimento experimental e a demonstração necessários ao normal funcionamento dos diferentes Laboratórios do Estado, tutelados também por vários outros ministérios, com missões de interesse público a cumprir, e publicação das respectivas leis orgânicas e quadros de pessoal actualizados; E criação de estímulos para ultrapassar a escassez de investigação nas empresas privadas, uma das principais causas da baixa produtividade, em conjunto com a deficiente gestão e organização, contrariando também assim para vencer a tendência de obter a viabilidade económica à custa da desvalorização do trabalho e dos direitos dos trabalhadores;— O estímulo à formação pedagógica dos docentes devidamente ponderada para efeitos de progressão na carreira, o alargamento da acção social escolar e outros elementos que contribuam para o sucesso escolar;— A gestão transparente, a prestação de contas à sociedade pela boa utilização dos dinheiros públicos, a preocupação permanente com a eficiência e a qualidade;— Revalorização da actividade desportiva, social e cultural e os respectivos equipamentos;— O reconhecimento das instituições privadas baseado em avaliações que as certifiquem ou não, na igualdade de regras para a contratação de docentes e para as respectivas carreiras e no direito dos estudantes verem cumprida a relação contratual com a instituição, nomeadamente no respeitante às condições financeiras de frequência do curso, garantia das condições para a sua conclusão e acesso a prestações sociais do Estado enquanto o numerus clausus se mantiver no acesso ao ensino superior público;— Um maior dinamismo na intervenção no processo de Bolonha para repensar a estrutura de graus e a organização pedagógica do ensino e para valorizar socialmente os cursos, rejeitando reduzir administrativamente as licenciaturas, remeter para pagamento dos estudantes o prosseguimento dos estudos, reduzir o acompanhamento dos alunos ou limitar a algumas grandes escolas competências e capacidade de formação de elites dirigentes; Concretização da Educação ao Longo da Vida— Deve passar-se da repetição do enunciado de conceitos e da diversidade de práticas, insuficientes e, em parte ineficazes, para uma política sólida e com investimento que é mais reprodutivo a curto prazo;— Devem ser definidos os diferentes tipo de instituições correspondentes aos chamados “novos públicos “ que compreendem, entre outros: · 2ª oportunidade para jovens estudantes; · Ensino recorrente, tornado efectivo e com condições de ensino para diferentes necessidades e aspirações que tenham diferentes acompanhamentos e formas de avaliação; · Trabalhadores imigrantes; · O regresso à universidade para completar e actualizar conhecimentos e formações;— Partir das instalações existentes, de pessoal docente existente que devem ter as respectivas formações e reequipamentos específicos;— Articular, ao nível do secundário, a sua criação com as diferentes experiências de escolas profissionais, de uma via tecnológica do secundário revalorizada, dos cursos tecnológicos do ensino nocturno;— Este esforço de montagem de um sistema, que tem que deixar de ser um parente pobre, e que deve assentar numa rede pública e não em instituições particulares, subsidiadas pelo Estado;— Criar um modelo que, sendo flexível e tendo a participação dos órgãos autárquicos, não seja apenas regulado “à distancia” pelo Estado, mas tenha estruturas, gestão democrática, metas bem definidas, nem se limite à educação informal que continuará a existir com os suportes e organizações próprias;— Ao nível do ensino superior apostar na oferta preferencial de cursos de banda larga que prepare para múltiplas oportunidades profissionais, numa oferta que corresponda à procura mas que esteja atenta à evolução de vocações;— Garantir certificação flexível sem cedência em critérios de qualidade e rigor.

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