Procriação medicamente assistida
(projetos de lei n.os 752/XII/4.ª e 755/XII/4.ª)
Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados:
Passados quase 10 anos sobre a regulamentação das técnicas de procriação medicamente assistida, fazemos uma avaliação positiva da lei de 2006. Foi essa lei que permitiu utilizar o conhecimento científico para ultrapassar situações de infertilidade ou prevenir a transmissão de doenças graves para os descendentes, o que, até àquele momento, não era possível, constituindo um avanço civilizacional no plano da medicina e do acesso a direitos sexuais e reprodutivos.
Esta lei possibilitou a concretização do sonho de muitas famílias de terem um filho ao alargar a acessibilidade às técnicas de PMA, muito embora ainda haja um longo caminho a percorrer, dados os inúmeros obstáculos que hoje persistem e que impedem a acessibilidade às técnicas, designadamente os elevados custos com os medicamentos, as listas de espera e a insuficiente capacidade de resposta dos centros públicos de procriação medicamente assistida.
Recusámos e continuamos a recusar a discussão desta matéria em função do que é ou não natural. Em 2006, afirmámos que «as regras morais estão também em permanente evolução e sempre que o ser humano se dá conta de que modificar o que esteve de ‘pedra e cal’ pode tornar as coisas melhores, o que se faz através do conhecimento, então surgem novos conceitos de licitude ou ilicitude. Na área que hoje nos ocupa, são estas bases da bioética que devem reger qualquer regulamentação das técnicas de reprodução medicamente assistida, as quais, aliás, de acordo com o que foi dito, também estarão sempre sob sindicância, porque o conhecimento poderá dar origem a novos direitos, princípios ou valores».
Portanto, para o PCP, a atual lei não é obra acabada e deve acompanhar essa evolução.
Concordamos com a necessidade de alterar a lei da PMA, inclusivamente com alterações de aperfeiçoamento sugeridas pelo Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida e que apontam soluções para problemas concretos, em particular a questão da eliminação dos embriões excedentários ao fim de um determinado prazo, questão incompreensivelmente deixada em branco na lei em vigor.
Os projetos de lei de alteração à lei da PMA hoje em discussão propõem alterações que vão para além da questão do acesso dos casais de mulheres às técnicas de PMA. Essa questão, aliás, não se distancia muito da discussão sobre o acesso das mulheres sós a essas técnicas, proposta que o PCP fez, em 2006, aquando da discussão da lei.
No entanto, o que hoje se discute é também a alteração da atual conceção da utilização das técnicas de PMA, passando a considerá-las como um método alternativo ou complementar de reprodução.
Na nossa opinião, esta não é uma alteração de pormenor, é uma opção com repercussões mais profundas sobre a finalidade e as situações em que se deve recorrer às técnicas de PMA.
Esta discussão sobre as técnicas de PMA deixarem de ser um método subsidiário e passarem a ser consideradas como um método alternativo ou complementar de reprodução suscita inúmeras dúvidas ao ponto de, no recente processo de especialidade sobre a PMA, não se ter afastado a sua natureza subsidiária.
É matéria em que se exige aprofundar a análise e a reflexão, envolvendo os partidos políticos, os profissionais de saúde e a comunidade académica.
Considerando os elementos disponíveis e a reflexão existente, continuamos a entender como mais adequada a utilização das técnicas de PMA com base num diagnóstico de infertilidade, obviamente admitindo o recurso a estas mesmas técnicas para evitar a transmissão de doenças graves para os descendentes, mantendo as técnicas na esfera da intervenção de saúde.
Mesmo fazendo o debate apenas na perspetiva em que os proponentes o colocaram, temos muitas dúvidas de que se devam considerar alterações desta natureza em relação à PMA quando nem sequer está resolvida a questão da adoção por casais de pessoas do mesmo sexo, que o PCP acompanhou com um voto favorável no último debate.
Considerando todo este quadro de discussão e os elementos que referimos a propósito destas iniciativas, que colocam as técnicas de PMA como um método complementar de reprodução, não podemos se não inclinar-nos para um voto contra.