Intervenção de Paulo Sá na Assembleia de República

Sobre os projectos de extinção da sobretaxa e os cortes salariais

Sr. Presidente,
o Sr. Deputado António Leitão Amaro
Acabou de apresentar, entre outras, uma iniciativa legislativa que regula a cobrança de uma sobretaxa em sede de IRS, imposta pelo anterior Governo PSD/CDS, no âmbito de um brutal saque fiscal aos rendimentos do trabalho e que os senhores gostariam de prorrogar, pelo menos, até 2019, repito, até 2019, algo que o Sr. Deputado se esqueceu de dizer.
Não posso deixar de assinalar que, nesta proposta, o PSD e o CDS deixaram cair o crédito fiscal que, alegadamente, permitiria a devolução de uma parte da sobretaxa no ano seguinte ao da sua cobrança. Um embuste montado em ano eleitoral com o único propósito de enganar os portugueses, criando a ilusão de que, convosco, a brutal carga fiscal sobre os trabalhadores estaria a ser aliviada já em 2015. Ora, o vosso embuste foi desmascarado, não vos restando outra alternativa que não a de deixar cair o crédito fiscal.
Desde o primeiro momento que o PCP denunciou a devolução da sobretaxa como um embuste, desde logo porque, para haver uma pequena devolução da sobretaxa, os portugueses teriam de pagar mais impostos em sede de IRS e de IVA. Efetivamente, para reaverem uns meros 50 milhões de euros em 2016, por via da devolução da sobretaxa, os contribuintes teriam de pagar mais 1000 milhões de euros de IRS e IVA em 2015. Não há, pois, qualquer devolução, o que há é um aumento da carga fiscal que incide sobre os rendimentos do trabalho e o consumo.
Durante a campanha eleitoral, o embuste ganhou acrescida dimensão. O Governo do PSD/CDS esforçou-se, por todos os meios, por criar na opinião pública a perceção de que uma devolução significativa da sobretaxa estava garantida, pelo menos 35% — disseram —, mas poderia ser mais. A dura realidade, revelada pelos mais recentes dados da execução orçamental, é outra: em vez dos 35%, Sr. Deputado António Leitão Amaro, a devolução será um rotundo zero!
Esta atitude do PSD e do CDS não nos surpreende. Já em 2011, antes das eleições legislativas, prometeram uma coisa, mas, quando se apanharam no Governo, fizeram exatamente o oposto.
Para dar maior credibilidade ao embuste, o Governo PSD/CDS, que hoje cessa funções, não hesitou em sacrificar os pequenos e médios empresários, impondo-lhes severas regras para a devolução do IVA, com o objetivo de atrasar os reembolsos e, dessa maneira, empolar a receita fiscal. Esta atitude é vergonhosa e só revela que o PSD e o CDS não conhecem limites, quando se trata de caçar votos.
Sr. Deputado, explique lá por que motivo o crédito fiscal desapareceu da vossa proposta. Reconheça que a devolução da sobretaxa era um embuste e que, depois de esse embuste ter sido desmascarado, já não tinham condições para o repetir.
(…)
Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
As eleições legislativas do passado dia 4 de outubro confirmaram o que, há muito, os trabalhadores e o povo vinham afirmando, com a sua luta, a derrota do Governo PSD/CDS e da sua política de favorecimento do grande capital à custa da liquidação de direitos e confisco de rendimentos dos trabalhadores.
A nova correlação de forças na Assembleia da República permite dar resposta aos mais urgentes problemas que afetam os trabalhadores e as populações, nomeadamente os que dizem respeito à devolução de salários e rendimentos e à redução da brutal carga fiscal que incide sobre os rendimentos do trabalho.
Essa é a primeira alteração que, hoje, aqui se regista.
Ao contrário dos últimos quatro anos, em que PSD e CDS apenas apontaram a perspetiva de empobrecimento e agravamento da exploração, a discussão de hoje é feita na perspetiva da recuperação de rendimentos e direitos da reposição daquilo que foi cortado por PSD e CDS.
Debatemos, hoje, um conjunto de iniciativas legislativas que terão de ter consideração adicional no processo orçamental, independentemente do desfecho deste processo legislativo, em que não é possível ter em consideração todos os dados fiscais e orçamentais relevantes, porque PSD e CDS, ao longo de quatro anos, os esconderam do País e dos portugueses.
O projeto de lei n.º 43/XIII (1.ª), apresentado pelo PS, visa prorrogar as receitas previstas no Orçamento do Estado para 2015, nomeadamente as contribuições sobre os sectores bancário, energético e indústria farmacêutica, assim como os adicionais, imposto único de circulação e o imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos. Acompanharemos esta iniciativa legislativa sem, contudo, deixar de registar uma divergência relativamente à manutenção do adicional de IUC (imposto único de circulação).
Debatemos, hoje, ainda, dois outros projetos de lei, também do PS, sobre a extinção da contribuição extraordinária de solidariedade e das reduções remuneratórias na Administração Pública.
São conhecidas as posições do PCP sobre os cortes de salários e pensões. Sempre nos batemos contra o confisco dos rendimentos dos trabalhadores, estejam eles no ativo ou reformados. Confisco imposto pelo anterior Governo PSD/CDS, usando como pretexto a consolidação orçamental e o equilíbrio das contas públicas, mas, na realidade, com o objetivo, nunca declarado, de dar corpo a uma opção de liquidação de direitos dos trabalhadores e de transferência de rendimento de trabalho para o capital.
Sobre a extinção da contribuição extraordinária de solidariedade e das reduções remuneratórias na Administração Pública é também conhecida a posição conjunta entre o PS e o PCP, onde, sobre esta matéria, se regista uma convergência quanto ao objetivo, mas não se verifica acordo quanto à forma de concretização.
Existe, da nossa parte, uma firme disponibilidade para, no decurso do processo legislativo, na especialidade, darmos o nosso empenhado contributo para encontrar uma melhor solução que respeite a proposta, que consideramos fundamental, de eliminação dos cortes de salários e pensões, um processo legislativo em que estarão disponíveis elementos de natureza fiscal, essenciais para uma avaliação mais profunda e detalhada das soluções possíveis que correspondam ao objetivo da reversão dos cortes de salários e pensões.
Por fim, relativamente ao projeto de lei n.º 42/XIII (1.ª), redução para metade da sobretaxa do IRS, em 2016, e completa extinção em 2017, devo dizer que já se tinha verificado a fixação, em conjunto com o PS, do objetivo da eliminação da sobretaxa…
Vou concluir, Sr. Presidente.
Como eu dizia, já se tinha verificado a fixação do objetivo da eliminação da sobretaxa, apesar de não haver convergência sobre a forma da sua concretização. Estamos convictos de que há alternativa à proposta agora apresentada que responda melhor ao objetivo da eliminação da sobretaxa, uma alternativa que requer uma análise mais detalhada, em sede de especialidade, com base em dados de natureza fiscal relativos a um universo de contribuintes aos quais se aplica a sobretaxa, dados esses que o anterior Governo sempre sonegou, mas que, muito em breve, estarão disponíveis.
Manifestamos, desde já, a nossa empenhada disponibilidade para, na especialidade, contribuirmos para a construção dessa alternativa.

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