Sobre o significado do 25º aniversário do 3º COD - Lino Carvalho

III COD

25 anos, no caminho da liberdade

Por Lino
de Carvalho

Foi há 25 anos. Em
Aveiro. De 4 a 8 de Abril.
O III Congresso da Oposição Democrática , que marcou o caminho
para a liberdade e a democracia.

Na declaração
final do Congresso pode ler-se: "os milhares de democratas -
reunidos em Aveiro - têm a consciência de que esta reunião - a
que o Governo foi obrigado por pressão das condições internas
e para tentar melhorar a sua imagem internacional - constitui uma
grande vitória das forças democráticas. A longa mobilização
de democratas efectuada em todo o País em torno da organização
dos trabalhos, da elaboração das teses e do debate dos
problemas apresentados, veio no seguimento da movimentação
democrática crescente, ao mesmo tempo que traduz o
descontentamento cada vez maior da população portuguesa em face
do constante agravamento dos problemas fundamentais do
País".

Como objectivos
imediatos o Congresso definiu a luta pelo fim da guerra colonial;
a luta contra o poder absoluto do capital monopolista; a
conquista das liberdades democráticas.

Nestes dois
parágrafos da declaração final estão traduzidos os aspectos
centrais do Congresso: a mobilização popular e a luta por um
regime de liberdade, e ajudam a compreender também muitos
aspectos programáticos retomados um ano depois nos textos do MFA
e na luta do Portugal de Abril, que não nasceram por geração
espontânea ou por uma aceleração artificial da história mas
na continuidade de um processo de exigência e de luta com origem
nos movimentos democráticos da oposição à ditadura e nas suas
diversas componentes.

Mais de 4000
Congressistas convergiram de todo o País para uma cidade de
Aveiro cercada pela polícia de choque, pela GNR e pela PIDE.
Havia obviamente um clima de forte tensão e expectativa mas
respirava-se simultaneamente um ambiente de forte solidariedade e
empenhamento numa iniciativa que, todos tinham consciência
disso, era um momento alto no combate pela democracia e contra o
fascismo. A ditadura também tinha consciência disso o que
explica a mobilização, sem precedentes, das forças repressivas
e o desencadeamento antes, durante e depois do Congresso de
múltiplas provocações, intimidações e perseguições.

A preparação do
Congresso assentou, durante meses em centenas de reuniões pelo
País fora, na constituição de amplas Comissões Distritais,
Grupos de Trabalho, Comissões Coordenadoras e uma Comissão
Nacional com cerca de 500 elementos de todas as zonas do País.

Na definição dos
contornos e objectivos do Congresso, na sua preparação e na
mobilização popular, o PCP, em duras condições de
clandestinidade, teve um papel determinante. Percorrendo a lista
da Comissão Nacional é fácil depararmos com quadros comunistas
hoje largamente conhecidos como é o caso do Secretário geral do
PCP Carlos Carvalhas.

Mas o movimento
vinha de trás. As eleições de 1969 tinham marcado um ponto de
viragem e de ruptura com uma certa concepção conspirativa,
fechada e reduzida a um grupo de personalidades que até então
marcava a intervenção tradicional da chamada oposição
democrática ao regime fascista.

A constituição de
Comissões Eleitorais (CDE’s) por todo o País, forçando a
abertura de sedes e mobilizando milhares de democratas introduziu
uma nova dinâmica popular, de unidade na acção e de
convergência democrática na organização e na luta pela
liberdade. Método que desaguou no 3º Congresso da Oposição
Democrática traduzido na elaboração de 169 teses das quais 67
eram colectivas. E se encontramos entre os autores das teses
grandes vultos da democracia e da intelectualidade, muitos dos
quais destacadas figuras da vida pública no Portugal de Abril
também lá encontramos teses elaboradas por operários,
camponeses, jovens, mulheres numa imensa mobilização popular
que, aliás, constituiu o principal fermento da luta contra a
ditadura que haveria de conduzir, cerca de um ano depois, ao 25
de Abril.

As teses
apresentadas ao Congresso, os vivos debates que ocorreram, as
conclusões aprovadas, percorreram todos os temas importantes, à
época, da sociedade portuguesa. Questão central, presente em
quase todas as secções, a exigência do fim do regime fascista
e da guerra colonial, a liberdade de reunião, de associação,
de expressão. Mas também as questões laborais e os direitos
dos trabalhadores, o desenvolvimento global do País, o
desenvolvimento regional e local, a situação da juventude, as
questões da educação, do desporto e da cultura, a segurança,
a saúde e até o urbanismo e a habitação, teses que só por si
pressupõem um imenso trabalho de preparação prévia.

Apesar da censura e
da repressão a ditadura não foi capaz de silenciar o Congresso.
A imprensa nacional - embora a muito custo e com as notícias
muito mutiladas - e a imprensa internacional fizeram-se eco do
acontecimento.

A brutal repressão
desencadeada contra a concentração e a romagem à campa de
Mário Sacramento na manhã de 8 de Abril de 1973, de que
resultaram mais de 70 feridos, foi a expressão do pânico que o
Congresso provocou no regime mas também do seu enorme êxito. 25
anos depois recordo a solidariedade do povo de Aveiro,
abrindo-nos espontaneamente as portas das suas casas para nos
abrigarmos das cargas policiais, dos bastões e dos
cães-polícia. Mas o clima de intimidação e perseguição e a
repressão contra o Congresso tinham começado muitos dias antes:
prisões de quem colocava cartazes a anunciar o Congresso;
proibição de sessões de trabalho preparatórias; encerramento
do parque de campismo de Aveiro; retenção dos comboios e
camionetas que transportavam os congressistas, múltiplas
operações stop. Aveiro foi cercada.

Mas tudo em vão. A
pé, percorrendo quilómetros ou à boleia o cerco foi furado e
milhares de democratas, grande parte dos quais jovens, chegaram
às ruas da cidade e superlotaram o Teatro Avenida.

Esta imensa
mobilização não se limitava contudo ao Congresso. Na
clandestinidade, o PCP conduzia dezenas de pequenas e grandes
lutas nas fábricas, nos campos, entre a juventude. Na
Universidade (por exemplo, na Faculdade de Economia do Porto)
cresciam as greves. Nas Forças Armadas desenvolvia-se um largo
movimento de consciência democrática entre os militares.

Quando alguns
pretendem reescrever a história, branqueando o fascismo e
omitindo ou reduzindo ao máximo o papel do PCP é oportuno
lembrar, designadamente para as jovens gerações, o 3º
Congresso de Oposição Democrática e tudo quanto o rodeou.

Como foi possível a
mobilização e o êxito do Congresso? Não significaria que o
regime se estava a democratizar, como proclamava à época a
chamada "ala liberal"? Não era o Congresso, como
afirmavam outros, uma concessão do regime que poderia conduzir
ao branqueamento da ditadura e que poderia aparecer aos olhos do
mundo como um regime de liberdade onde a oposição até podia
realizar as suas iniciativas?

A vida provou que
aqueles, como os comunistas, que sempre se bateram pela
realização do Congresso tinham razão. O Congresso realizou-se
e foi um êxito porque o fascismo não teve forças para conter o
imenso movimento democrático e popular que crescia no País
desde as eleições de 1969. A repressão que se abateu sobre o
Congresso foi a prova de que o regime não se estava a abrir.
Contribuiu para o isolamento internacional da ditadura e para o
caminho que abriu as portas do 25 de Abril.

O Congresso só foi,
entretanto, possível com um amplo entendimento e forte
empenhamento das diferentes componentes das forças democráticas
com especial relevo para os comunistas, os socialistas e os
então chamados católicos progressistas que, com base num
intenso diálogo, juntos caminharam depois para as eleições de
1973.

25 anos depois,
recordando convergências e entendimentos e sem querer fazer
extrapolações despropositadas, é caso para perguntar: quantos
temas existem hoje, neste final do século e em democracia, que
aguardam e reclamam novos entendimentos( mas entendimentos leais)
à esquerda dando corpo ao apelo final da carta-testamento de
Mário Sacramento, citada na intervenção de encerramento do
Congresso pelo Prof. Lindley Cintra: "Façam um mundo
melhor, ouviram? Não me obriguem a voltar cá".

«Avante!» Nº 1270 - 2.Abril.98