Altera o Código Penal, autonomizando o crime de mutilação genital feminina
(projetos de lei n.os 504/XII/3.ª, 515/XII/3.ª 517/XII/3.ª)
Sr. Presidente,
Sr. Deputados:
A mutilação genital feminina é uma das formas mais hediondas de violência contra as mulheres, constituindo uma violação grave dos direitos das mulheres e das crianças, causadora de lesões irreparáveis à sua saúde física, sexual e psicológica, podendo mesmo provocar a sua morte.
De acordo com a definição da OMS, da UNICEF e da FNUAP, mutilação genital feminina é «todo e qualquer procedimento que envolva a remoção parcial ou total dos órgãos genitais femininos ou que provoque lesões nos mesmos, tendo por base razões culturais ou fins não terapêuticos».
Em 2003, numa discussão semelhante a esta, a minha camarada Odete Santos afirmava que, e passo a citar: «A questão das mutilações genitais femininas coloca, em termos brutais, a questão da alienação da mulher nos sistemas patriarcais. À sujeição social e étnica comum aos dois sexos, junta-se para a mulher a dominação masculina universal».
Num artigo publicado recentemente na revista do Ministério Público por uma magistrada, é afirmado que, «de acordo com um inquérito levado a cabo junto de 52 profissionais de saúde nas áreas de Lisboa, Amadora e Almada, 13,5 dos inquiridos declararam que a MGF é praticada em território nacional e 27% dos inquiridos confirmou que já tinham observado pacientes vítimas de mutilação genital feminina».
Portugal é um país de destino de mulheres que «procuram escapar à prática da mutilação genital feminina ou por terem sido já vítimas dessa violência, solicitam autorização de residência por ‘razões humanitárias’, ao abrigo da denominada Lei do Asilo. Nos últimos 10 anos, Portugal terá recebido, em média, um a dois pedidos de asilo por ano com fundamento em mutilação genital feminina. Os últimos dois pedidos terão sido deferidos».
A luta pela erradicação da mutilação genital feminina é inseparável da luta pela proteção e reforço dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, pelo acesso à educação e em particular à educação sexual, pela melhoria da saúde materno-infantil, por um caminho de progresso e justiça social.
Sr. Presidente,
Sr. Deputados:
O PCP mantém algumas das reservas que suscitou em 2003 na discussão do projeto de lei do CDS que, pela primeira vez, propôs a autonomização do crime da mutilação genital feminina.
Houve, entretanto, alterações ao Código Penal que, em nosso entender, ajudaram a clarificar que este crime é já hoje punível, independentemente da forma como seja concretizada a mutilação.
A alteração introduzida em 2007 à alínea b) do artigo 144.º do Código Penal, conjugada com as restantes normas penais, nomeadamente a alínea a) do mesmo artigo e as normas relativas ao consentimento, deixou claro que a mutilação genital feminina é um crime e deve ser punido, não sendo o consentimento de admitir como causa de exclusão da ilicitude.
Admitindo que há questões que necessitam de resolução e podem justificar alteração legislativa, designadamente as relativas à incitação à prática do crime, à sua prática fora do território nacional ou às diferentes implicações da prática deste crime consoante a vítima seja menor ou maior de idade, o PCP acompanhará as iniciativas em discussão e, em sede de especialidade, apresentará também propostas que respondam aos problemas identificados.