Intervenção de

Sobre licenciamento da actividade televisiva<br />Intervenção de António Filipe

Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro: O que está em discussão não é tanto a trapalhada em que o Governo se enredou com a questão de saber se o decreto-lei de 1998 estava ou não em vigor. Essa é uma questão relativamente secundária. Aliás, a boa doutrina considera que o diploma sempre esteve em vigor e a Alta Autoridade para a Comunicação Social actuou sob esse pressuposto. A questão fundamental é a de saber qual é o regime concreto instituído para a renovação das licenças de televisão. Essa é que é uma questão relevante. A esse propósito, devo dizer que discordamos do decreto-lei de 1998 que o Governo pretendeu repristinar, independentemente da questão da sua vigência ou não. É que o que o referido diploma estabelece é um processo de renovação de licenças que diria não ser quase automática, mas automática de facto. Efectivamente, o diploma estabelece que a renovação da licença só não é concedida «em caso de manifesto e injustificado incumprimento das condições e requisitos de que dependeu a sua atribuição». Ora, como se sabe que foram muito vagos os requisitos de que dependeu a atribuição — e, aliás, até tem sido referido pelo Sr. Ministro que, praticamente, não houve caderno de encargos —, então, a licença não seria renovada apenas se os operadores não emitissem ou se houvesse uma violação da lei de tal modo grosseira que tornasse absortamente insustentável que os operadores continuassem a emitir. Como isso não acontece, a renovação é, de facto, automática, o que, obviamente, contraria o princípio constitucional de obrigatoriedade de abertura de um concurso público. Na verdade, se a lei estabelece que a atribuição das licenças é feita por concurso, este não pode ser interno. Aliás, a própria Lei da Televisão estabelece que a concessão tem a duração de 15 anos. Ora, se a renovação é automática, qual é o sentido de estabelecer que tem de ser aberto um concurso e que a concessão é por 15 anos? Na prática, o que o referido decreto-lei estatui é que o concurso, uma vez feito — e foi feito há 14 anos —, é para vigorar pelos séculos fora e só não é assim porque, como se sabe, daqui a cinco anos, começará a funcionar a televisão digital e, nessa altura, todo este processo passará à história. Do nosso ponto de vista, é profundamente incorrecto que assim seja. O Sr. Ministro, quando questionado sobre o problema da interferência do Governo no processo das licenças de televisão, veio dizer que o Governo nada tem com isso porque há uma entidade reguladora independente. Mas, ontem, através das declarações do Dr. Artur Portela, ficámos a saber que, afinal, não é exactamente como diz o Sr. Ministro. É que, afinal, o Governo contactou a entidade reguladora para, de alguma forma, procurar influenciar algo neste processo. Ora, é importante que isto fique esclarecido porque é muito revelador da forma como o Governo entende o funcionamento de uma entidade reguladora independente. Isto é, o Governo, por um lado, diz que nada tem com este processo porque há uma entidade reguladora mas, afinal, parece que pretende ter alguma coisa a ver com isso e a prova é que, de facto, contacta a entidade reguladora procurando influenciar a respectiva decisão, ou o processo dessa decisão, ou seja o que for. É, pois, importante, repito, que isso seja esclarecido. Talvez o Governo se tenha enganado quanto à entidade reguladora e já tenha dado como adquirido que estava em funções a entidade reguladora, cuja aprovação se prepara para mais logo, que, essa, sim, será inteiramente controlada pelo bloco central formado pelo PS e pelo PSD. Vou terminar, Sr. Presidente, mas era importante que esta questão ficasse cabalmente esclarecida já neste debate. Sr. Presidente, Sr. Ministro,V. Ex.ª ficou muito incomodado por termos trazido aqui a questão das pressões sobre a Alta Autoridade para a Comunicação Social, mas não esclareceu efectivamente o que deve ser esclarecido. E não se trata de uma questão de honra, Sr. Ministro. Quando o Partido Socialista criticou o então Ministro Gomes da Silva por ter pressionado a TVI, creio que não estava em causa a honra pessoal do ex- Ministro Gomes da Silva e actual Deputado. Ora, não está em causa a honra pessoal do Sr. Ministro. Não fomos nós que inventámos que o Governo exerceu pressões sobre a Alta Autoridade para a Comunicação Social. Foi o Dr. Artur Portela, que é membro da Alta Autoridade, que o afirmou. Não fomos nós que inventámos. Nós só temos o dever de esclarecer devidamente as questões. O documento que fez chegar aos grupos parlamentares, e que agora pediu de novo para ser distribuído, refere esta reunião, que decorreu no seu gabinete, com o Presidente da Alta Autoridade para a Comunicação Social. Todavia, fica por esclarecer o interesse do Governo. Há, ou não, uma entidade independente com competência para tomar decisões sobre essa matéria? A Alta Autoridade para a Comunicação Social, concorde-se ou não com ela, é legalmente competente. A questão colocava-se juridicamente perante o Tribunal Constitucional e não perante o Governo. O Governo não tem margem de decisão nessa matéria, cuja apreciação da constitucionalidade foi suscitada pelo Sr. Presidente da República. Então, qual é o objectivo do Governo? O que quis o Governo dizer à Alta Autoridade para a Comunicação Social? O Sr. Ministro não esclareceu aqui essa matéria! O Sr. Ministro refere depois que há aqui um problema de divergência política. Há, sim senhor, e isso está claro. Aliás, entendemos que toda a lógica constitucional aponta para que houvesse uma concessão com a duração de 15 anos. Ao fim desse período, deveria abrir-se um novo concurso destinado aos operadores detentores das licenças actuais e a quaisquer eventuais interessados em exercer a actividade de televisão. Contudo, não foi essa a posição do Governo. A posição do Governo, em 1998 — aliás, a posição tem estado na lógica dos governos quer do PSD, desde o início da televisão privada em Portugal, quer dos governos do Partido Socialista—, foi a de privilegiar os detentores de licença para as televisões privadas. Em 1990, no governo do Prof. Cavaco Silva, todos nos lembramos que as televisões privadas foram viabilizadas à custa de vultuosos investimentos públicos, designadamente na rede de difusão de sinal. Não fosse esse investimento público, não fosse o sacrifício da RTP, que foi esbulhada de toda a sua rede de transmissão de sinal, obviamente os operadores privados não teriam sido viabilizados como foram. Todos nos lembramos de um governo do Partido Socialista ter decidido que a RTP reduzia a sua publicidade para beneficiar os operadores de televisão privada. Todos nos lembramos disso. Essa questão foi assumida e veio na lógica de beneficiar os actuais detentores de licença para as televisões privadas. Ora, aqui, o PS e o PSD têm estado juntos em toda esta lógica. Agora parecem muito zangados. O PSD faz aqui um discurso de grande oposição ao Governo, mas esta zanga só vai durar mais 21 minutos, porque às 18 horas vão votar conjuntamente uma nova entidade reguladora para que o PS e o PSD possam controlar, em conjunto, o sector da comunicação social.

  • Cultura
  • Economia e Aparelho Produtivo
  • Regime Democrático e Assuntos Constitucionais
  • Assembleia da República
  • Intervenções