Intervenção de Paula Santos na Assembleia de República

Sobre a legalização do cultivo de canábis para consumo pessoal e criação dos clubes sociais de canábis

Sr. Presidente,
Sr. Deputados,

Sem prejuízo de um acompanhamento das múltiplas questões que estão colocadas nestas matérias, que exigem a nossa atenção, entendemos que a questão central da atualidade é a efetiva implementação de uma estratégia política, reconhecida internacionalmente, que já deu resultados positivos, e que tem vindo a ser colocada em causa, por este Governo.

A despenalização do consumo de drogas permitiu uma nova abordagem, inclusive na alteração de mentalidades, pondo fim à repressão, à perseguição e ao estigma aos consumidores.

A grande preocupação neste momento, na área de combate à toxicodependência, é defender a despenalização do consumo, levar tão longe quanto possível as potencialidades da resposta nacional nesta matéria e evitar retrocessos de qualquer natureza, em vez de optar pelo salto em frente, mais ou menos experimentalista.

A proposta que hoje discutimos assenta em alguns pressupostos que importa ponderarmos.

Primeiro, que o consumo de canábis acarreta menos riscos para a saúde pública do que outras substâncias legais. Mas a verdade é que a canábis não é uma substância inócua, muito pelo contrário, o consumo de canábis tem efeitos físicos e psíquicos graves e sérios – de entre eles, provoca várias doenças do sistema respiratório, conduz a uma maior passividade, inatividade e desmotivação e leva ao agravamento de problemas psíquicos. A distinção entre as ditas “drogas leves e drogas duras” está cada vez mais desatualizada.

De acordo com o relatório sobre a situação do país em matéria de drogas e toxicodependências, a canábis continua a ser a droga mais consumida, e dados de 2011 evidenciam uma tendência de crescimento do seu consumo nas populações escolares (após uma diminuição verificada em 2007). Os primeiros resultados do III Inquérito Nacional ao Consumo de Substâncias Psicoativas na População Geral, realizado em 2012, indicam que 12% dos consumidores de canábis assumem que têm “má conduta em casa”, 8,1% têm dificuldades em realizar tarefas importantes e 4,5% têm tido problemas de saúde.

Há cada vez mais consumidores de canábis que consideram que isso constitui um problema nas suas vidas. Regista-se um aumento do número de consumidores de canábis que procuram ajuda das unidades de tratamento, ganhando maior expressão nos novos utentes.

Segundo, que o tráfico seria controlado. Mas não existe nenhuma prova científica que demonstre que a legalização do consumo de canábis conduziria à redução do tráfico. Poderíamos mesmo vir a ter uma situação em que o aumento do consumo de canábis, expectável como consequência desta legalização, potenciaria o crescimento dum mercado paralelo desta substância e até do mercado clandestino de outras drogas que continuariam ilegais.

Por outro lado, a questão da permissão do uso da canábis para fins terapêuticos, é uma matéria que não deveria ser analisada neste âmbito. Importa efetivamente avaliar a evidência científica da vantagem da utilização do princípio ativo da canábis para fins terapêuticos, e caso se justifique, deve ser regulamentado, à semelhança de outras substâncias ilícitas que já hoje são utilizadas.

Não tem qualquer lógica que a proposta estabeleça a proibição da publicidade da canábis, apenas para marcas, símbolos e denominações comerciais, o que significa, que toda a publicidade dos clubes de consumo de canábis é autorizada, promovendo um crescimento do consumo desta substância, comprovadamente prejudicial à saúde. E a comparação com as designadas smartshops para além de extemporânea é desprovida de sentido.

O que resultaria de uma eventual aprovação desta proposta seria a liberalização do comércio da canábis e a expansão do seu consumo e venda.

O objetivo da salvaguarda da saúde e da segurança dos portugueses é absolutamente inatingível neste quadro.

Disse

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