Intervenção de

Sobre o déficit orçamental 2001 (Comissão Permanente) - Intervenção de Lino de Carvalho

Senhor Presidente, Senhores Ministros, Senhores Deputados,

Mais do que a controvérsia sobre se o déficit de 2001 é de 3,5% ou 4,1% o que seguramente seria mais importante era aproveitar o momento para uma séria reflexão sobre a irracionalidade dos denominados Programas de Estabilidade e Crescimento e para se promover na União Europeia um debate que conduza a uma revisão não só dos valores mas da própria orientação meramente monetarista em que assenta o Pacto de Estabilidade. Este é o desafio que desde já lançamos ao Governo, a todas as forças políticas representadas neste hemiciclo, aos economistas e à comunicação social, designadamente à especializada nestes temas.

Em todo o caso, mesmo no quadro dos que perfilham a defesa do cumprimento estrito do Pacto de Estabilidade, não podemos deixar de criticar os termos em que este processo tem sido conduzido com evidentes prejuízos para o País. É de todo incompreensível que o Governo, por meras razões de combate político interno, tenha vindo meses a fio a oferecer o País ao altar dos sacrifícios de Bruxelas. Temos o único Governo da União Europeia que exige o reconhecimento do mais alto déficit possível e que quase reclama ser multado.

Devemos também ser os únicos que perante a possibilidade, ainda nesta fase, de reivindicar o emprego de critérios técnicos mais favoráveis optamos pelo caminho mais penalizador para o País. Não é de facto compreensível que perante a possibilidade aberta pelo Relatório da Comissão para a Análise das Contas Públicas de ser reconhecido um déficit de 3,5% do PIB o Governo o ignore fixando-se unicamente no valor mais elevado.

Mas obviamente também não são aceitáveis as operações de má engenharia orçamental que foram efectuadas pelo Governo do PS designadamente em matéria de transferências financeiras para as empresas públicas bem como em transferir de Orçamento para Orçamento despesas de anos anteriores.

Tudo isto, contudo, faz realçar o absurdo com que o País está confrontado: manipulam-se os registos orçamentais para apresentar contas compatíveis com os critérios de convergência nominal. Impõem-se medidas restritivas e, amanhã, de austeridade, no plano económico e social, unicamente por causa do Pacto e dos seus compromissos, embora tal nada tenha a ver com a realidade e as necessidades da economia portuguesa.

O absurdo está aí, bem à vista de todos. É a altura de, com toda a frontalidade, ser questionada a irracionalidade do esforço que é exigido ao País e aos portugueses. Como vai o Governo atingir os défices objecto dos compromissos com a União Europeia (zero ou próximo do zero em 2004) se não for à custa de uma brutal redução das despesas de investimento e, particularmente, das despesas sociais ? Qual a lógica de uma estratégia que em vez de estimular o crescimento e a melhoria das condições de vida vai, pelo contrário, ser um factor acrescido de retracção económica e de penalização do poder de compra? Porque é isto que vamos ter pela frente. Novas medidas de contenção. Um Orçamento para 2003 de desnecessária austeridade. Que já se está fazer sentir nas questões mais sensíveis e a constituir um dos argumentos para a redução cada vez maior das responsabilidades do Estado. Ainda na semana passada o Ministro da Agricultura confessou, aqui, na Assembleia, que a não activação dos postos de vigia no início da época dos fogos se deveu às restrições orçamentais. Quantos incêndios não terão sido detectados ainda na fase nascente devido a este absurdo? Mas não é menos grave o que se passa em múltiplos serviços públicos, designadamente na área da saúde, que se viram obrigados a cancelar ou não renovar contratos de trabalho afectando gravemente o funcionamento de serviços essenciais aos cidadãos. Como grave é a definição de uma política de privatizações que não obedece sequer a nenhuma lógica de racionalização mas que tem como um dos grandes fundamentos a necessidade do Estado realizar novos encaixes financeiros com o sério risco de entregar centros de decisão estratégicos nas mãos dos interesses multinacionais.

Não desconhecemos a importância do fluxo de fundos comunitários para o nosso País. Nem o esforço adicional de disciplina das finanças públicas que a integração na zona euro exige, independentemente das nossas divergências de fundo na matéria. Mas tal nada tem a ver com a fixação do défice como critério de aferição dessa disciplina e, além do mais, de um valor completamente arbitrário cuja racionalidade técnica e financeira ninguém descortina e cujo cumprimento vai obviamente contra as necessidades de dinamização da economia.

Todos estamos de acordo que é necessário privilegiar a boa despesa mas essas são as despesas de investimento e as despesas sociais que criam as condições para a dinamização do crescimento económico. Mas sobretudo o que seria necessário é que o vigor que o Governo coloca no lado da despesa o pusesse igualmente no lado da receita. Porque como demonstra o Relatório da Comissão Para a Análise das Contas Públicas o desequilíbrio dá-se no lado das receitas com uma diferença para menos, em 2001, em relação ao Orçamento inicial, de 2,8% - de que a quase totalidade são receitas fiscais – enquanto que a diferença do lado das Despesas não ultrapassa os 0,2%. Combata-se o desperdício na despesa pública. Mas combata-se também a fraude e a evasão fiscal, para o que é absolutamente necessário abrir-se o sigilo bancário; tributem-se os grandes patrimónios; obrigue-se o sector financeiro e as grandes Companhias a pagarem o que é devido em matéria de Impostos sobre os Lucros; dêem-se meios e coerência de funcionamento aos serviços tributários, e temos resolvidos muitos dos problemas financeiros do Estado. Questões que, aliás, estranhamente parecem estar afastadas das preocupações imediatas do Governador do Banco de Portugal. Esta é que é a exigência que “tem de ser colectivamente assumida”. E para ela pode o País contar com o PCP.

 

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