Declaração de Ângelo Alves, membro da Comissão Política do Comité Central do PCP, Conferência de Imprensa

Sobre as conclusões do Conselho Europeu e os recentes desenvolvimentos na União Europeia

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1 - A reunião informal do Conselho Europeu não constituiu um contributo para a resolução dos gravíssimos problemas económicos e sociais que afectam vários países da União Europeia.

Pelo contrário, as suas conclusões são um factor adicional para o seu aprofundamento. Insistem no caminho do retrocesso social, do declínio e recessão económica, da destruição dos tecidos produtivos de vários países da União Europeia, do aumento do desemprego e do aprofundamento das desigualdades e assimetrias de desenvolvimento. Ou seja, apontam exactamente o mesmo caminho e insistem nas políticas que conduziram à actual situação.

2 - A aprovação do Mecanismo de Estabilidade Europeu e do pacto orçamental e fiscal imposto pelo governo alemão – que o Governo PSD/CDS subscreveu num acto de abdicação contrário ao interesse nacional - constitui um gravíssimo passo na imposição e institucionalização das políticas contidas nos programas do FMI e da União Europeia - cujos resultados catastróficos estão à vista - e um degrau mais na estratégia de concentração e centralização do poder económico e político no grande capital financeiro e principais potências da União Europeia, com destaque para a Alemanha.

3 - A aprovação destes dois instrumentos configura uma fuga em frente face ao aprofundamento da crise do capitalismo na Europa, à falência da União Económica e Monetária, ao estalar das contradições do processo de integração capitalista europeia (bem patente no cenário cada vez mais realista de rupturas da zona euro na sua actual configuração) e ainda face à crescente dificuldade dos governos europeus de impor aos trabalhadores e aos povos as políticas ditas de austeridade, contra as quais se desenvolve uma crescente contestação e luta.

Uma fuga em frente ditada essencialmente pelos interesses do grande capital financeiro e que, tirando partido da actual situação, desfere uma profunda ofensiva ideológica visando uma profunda regressão social e civilizacional sem precedentes no pós-guerra e leva a cabo um criminoso ataque contra alguns dos mais elementares princípios democráticos e de respeito pela independência e soberania dos Estados.

Uma fuga em frente que é em si uma cabal demonstração da inexistência, no actual quadro da União Europeia, de respostas de fundo que possam verdadeiramente ultrapassar a profunda crise económica e social e uma das mais elucidativas provas da falácia que constituíram os proclamados objectivos da coesão económica e social.

4 - O pacto orçamental imposto pelo governo alemão constitui uma autêntica declaração de guerra contra o direito ao desenvolvimento económico e social dos povos.

As medidas e regras que preconiza – nomeadamente os tão irracionais como inatingíveis tectos do défice e da dívida; as sanções automáticas e o mecanismo de correcção e supervisão orçamental, entre outros – são um inaceitável colete-de-forças que a ser aplicado condenaria países como Portugal ao subdesenvolvimento económico e social e ao caminho para o abismo social, a recessão económica e a dependência, transformando-os em autênticos protectorados do século XXI.

Dando corpo a uma indisfarçável visão de domínio neo-colonial na União Europeia, institucionalizando a ditadura dos mercados, assumindo o neoliberalismo como dogma e doutrina oficial, remetendo os órgãos de soberania nacional ao papel de meros executantes de uma política económica, orçamental e fiscal decidida pelas grandes potências em função dos interesses do capital financeiro, o pacto ontem assinado aprofunda alguns dos mais gravosos elementos já constantes do Tratado de Lisboa e adquire contornos de golpe constitucional contra Estados soberanos como o nosso País.

Um golpe que pretende tornar permanentes os ciclos de austeridade, dependência e contracção económica, condenando países como Portugal ao declínio e retrocesso impedindo na prática qualquer desenvolvimento soberano do seu tecido produtivo e das condições de vida da sua população.

Denominá-lo de tratado é por isso uma aberração à luz de alguns dos mais elementares princípios democráticos, do direito internacional e mesmo das próprias regras de funcionamento da União Europeia. Lutar, por todos os meios possíveis, contra a sua ratificação e aplicação em Portugal é, a par com a intensificação da luta contra o pacto de agressão – e que terá no próximo dia 11 na manifestação da CGTP um momento particularmente importante -, um imperativo nacional, uma tarefa de todos os democratas e um dever de solidariedade internacionalista para com os trabalhadores e povos da Europa.

5 – A aprovação de uma declaração dos membros do Conselho Europeu sobre “crescimento e emprego” é, no essencial, um exercício de retórica ditado essencialmente pela necessidade de contrariar e atenuar a crescente contestação e luta popular contra as políticas da União Europeia, bem expressa nos fortes processos de luta dos trabalhadores que em países como Portugal, Espanha, Itália, Grécia, Bélgica e França têm marcado os últimos meses.

Os objectivos proclamados de crescimento económico e combate ao desemprego, nomeadamente ao desemprego juvenil, caem por terra quando, por um lado, são proclamados na mesma reunião que institucionaliza as políticas recessivas de austeridade, e quando, por outro, se elegem nesta mesma declaração a Estratégia 2020, o Pacto para o Euro + e a liberalização dos sectores da energia e dos serviços, como eixos centrais para os alcançar.

Simultaneamente o objectivo do combate ao desemprego juvenil fica-se por declarações ocas desprovidas de conteúdo que, designadamente, não abordam a questão central da precariedade entre a população juvenil trabalhadora, um dos principais factores do elevado desemprego nesta faixa etária.

Relembrando a sua posição de sempre de exigência de maior apoio às micro, pequenas e médias empresas, o PCP chama a atenção para o carácter difuso e pouco claro do anúncio de redireccionamento dos fundos comunitários do quadro plurianual 2007-2013, anunciada pelo presidente da comissão europeia. O PCP entende que tal medida deve ser aplicada no quadro do pleno respeito pela soberania nacional, de um amplo debate com diversos agentes económicos e sociais nacionais, envolvendo os órgãos de soberania nomeadamente a Assembleia da República, e tendo como objectivo central o apoio directo às pequenas e médias empresas e a criação de emprego.

6 – Em resumo a reunião do Conselho Europeu pautou-se mais uma vez pela incapacidade de resposta da União Europeia face à profunda crise económica e social em que estão mergulhados vários países europeus e a zona euro.

A natureza das suas decisões demonstra que os trabalhadores e os povos dos Estados membros da União Europeia só podem esperar destas reuniões a imposição antidemocrática de políticas que visam no essencial transferir riqueza dos rendimentos do trabalho para o capital, nomeadamente o capital financeiro, e impor aos Estados políticas que profundamente lesivas da sua soberania nacional, beneficiem sobretudo os interesses das grandes potências e uma União Económica e Monetária moribunda, um meio de domínio económico e político do capital e das grandes potências europeias e instrumento na guerra económica e monetária que caracteriza a evolução da situação internacional.

Num Conselho em que, deliberadamente, foram deixadas à margem questões como as desigualdades sociais e assimetrias de desenvolvimento; a livre e desregulada circulação de capitais; os paraísos fiscais; a financeirização das economias; a especulação e agiotagem dos chamados mercados, as decisões ontem adoptadas só aprofundarão o sentimento crescente de que a União Europeia é cada vez mais sinónimo de desigualdades, injustiças, pobreza e desemprego.

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