Intervenção de Bernardino Soares na Assembleia de República

Sobre o aumento da inflação face aos salários e o abrandamento do crescimento económico

Debate de actualidade sobre o aumento da inflação face aos salários e o abrandamento do crescimento económico

Sr. Presidente,

A primeira questão que quero referir é a de que, evidentemente, este debate agendado pelo PCP é da maior importância e actualidade, que é, aliás, o nome que regimentalmente tem.

Também quero dizer que neste debate se estão a comprovar, mais uma vez, as razões que levaram o PCP a apresentar uma moção de censura pela política global do Governo e, porventura, serão estas algumas das razões que o Primeiro-Ministro admitiu que existiam, mas não quis dizer quais eram.

De facto, Sr. Ministro, quando discutimos o último Orçamento do Estado, já sabíamos que havia crise internacional; só o Governo continuava a dizer, nas palavras do Sr. Ministro das Finanças, que «tinha revisto o cenário macroeconómico, adoptando uma atitude prudente» -

imagine-se o que disse o Sr. Ministro das Finanças no debate do Orçamento do Estado para 2008...!

A situação que estamos a viver é causada, certamente, pela crise internacional e pela má previsão do Governo em relação ao que aí vinha, e é causada também pela política interna do Governo. Porque não pense o Governo que, agora, vai continuar a justificar a imposição de sacrifícios apenas com a crise internacional! A sua responsabilidade é muito grande na situação que, hoje, vivemos!

Este Governo é responsável pela crise económica que vivemos e por este crescimento económico raquítico que estamos a ter na nossa economia, que não cria emprego e que não resolve os problemas da nossa economia e do desenvolvimento.

Afinal, o Governo já teve de abdicar daquela «coroa de glória» que nos atirava em todos os debates que era a de que o crescimento, não muito grande, da economia portuguesa previsto pelo Governo ia, pela primeira vez, convergir, ser superior, à média de crescimento da União Europeia. Tudo mentira! Afinal, vamos continuar este ano a divergir da União Europeia, a crescer menos do que a União Europeia, ao contrário do que o Governo andou a propagandear todos estes anos, fundando-se numa previsão falsa, mentirosa e, apenas, destinada à propaganda política.

O Governo assumiu, agora - foi obrigado a assumir! -, tudo o que não tinha assumido até aqui.

Baixou a previsão do crescimento, em cerca de um terço daquilo que tinha previsto no Orçamento do Estado; aumentou a previsão de inflação em cerca de um quarto daquilo que tinha previsto no Orçamento do Estado... Não eram previsões! Afinal, eram mera propaganda para ser utilizada na contenção dos salários, na contenção das reformas e na criação de uma imagem que não correspondia à realidade.

O Sr. Ministro das Finanças também disse, nessa altura - citando Santa Ana -, que «quem não recorda o passado está condenado a repeti-lo». Ora, é o que acontece com o Governo! O Governo, mais uma vez apresentou uma previsão de inflação abaixo do que era realidade, do que iria ser realidade para poder não aumentar, hipocritamente, os salários dos trabalhadores da Administração Pública e dar um mesmo sinal para os trabalhadores do sector privado, cujos salários diminuíram realmente nos últimos três anos, também com as indicações que o Governo dá para a economia.

Há muitas coisas que o Governo não admite. O Governo não quer admitir que o aumento dos combustíveis, que penaliza fortemente os portugueses e a economia portuguesa (e muitos sectores da economia portuguesa), é responsabilidade do Governo, sobretudo porque não toma qualquer medida para impedir a especulação e para impedir a concertação de preços que alimenta os lucros das petrolíferas, designadamente da GALP.

Afinal, o mercado livre e liberalizado é apenas um mercado que é livremente concertado pelos operadores para obterem o máximo lucro à custa da economia portuguesa e da vida dos portugueses. A mesma coisa em relação ao aumento da energia.

Mas o que é espantoso é que agora, que confirma tudo aquilo que andamos a dizer há tantos meses, o Governo não quer admitir que é preciso recuperar os salários, que é preciso recuperar as reformas e devolver, pelo menos, uma parte do poder de compra que, face ao aumento do custo de vida brutal que as famílias estão a sentir, os portugueses estão a perder em cada dia!

Este Governo é responsável por um elevado nível de desemprego, pelo raquitismo do crescimento económico, pelo aumento do custo de vida e pelo aumento da pobreza e continua descaradamente a falar da recuperação do défice das contas públicas!...

Sr. Ministro, o discurso do défice não «enche a barriga» a ninguém, não paga as compras no

supermercado, nem paga o custo que as empresas têm com o aumento dos combustíveis com a penalização da nossa economia! O discurso do défice não resolve problema algum do País, não resolve o problema do custo de vida, não resolve o problema do desemprego, não resolve o problema do crescimento económico! É um discurso que não serve ao País, tal como não serve ao País a política do seu Governo que tanto nos tem prejudicado nos últimos anos!

  • Economia e Aparelho Produtivo
  • Trabalhadores
  • Intervenções
  • crescimento económico
  • Inflação
  • Salários