Intervenção de Bruno Dias na Assembleia de República

Sobre alteração do Código dos Impostos Especiais de Consumo

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Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados, Senhores membros do Governo,

Começamos por um ponto prévio: o peso dos impostos indiretos em Portugal – sobretudo o IVA, mas também estes impostos sobre o consumo – tem vindo a crescer cada vez mais, ganhando peso em relação aos impostos que incidem sobre rendimentos e património.

O problema desta opção política fiscal é que os impostos sobre o consumo (seja o IVA, sejam o ISP, sejam a maioria dos IEC) são cegos ao rendimento – e por isso acabam por ser suportados acima de tudo pelos mais pobres, cujos baixos rendimentos se dirigem quase na totalidade ao consumo.

É por isso falsa a retórica que por estes dias se tem ouvido, que diz que os mais pobres não pagam impostos. Pagam, porque todo o seu rendimento se dirige ao consumo, taxas efetivas superiores aos dos grandes grupos económicos, que têm mecanismos para fugir às suas responsabilidades fiscais.

Esta iniciativa do Governo não altera este caminho de sucessivo aumento do peso destes impostos.

Faz uns ajustes, para cumprir com umas diretivas, para definir o que se considera consumo, para evitar as fraudes, até alarga algumas isenções que acompanhamos, designadamente a pequenos produtores de vinho e cerveja, ou as produções caseiras de bebidas alcoólicas para consumo próprio. Mas não altera significativamente o essencial: o peso brutal dos impostos indiretos, que prejudicam quem tem menos rendimentos.

Insistimos: não faz qualquer sentido que o ISP, o imposto que tanto pesa no preço dos combustíveis e que faz parte deste código, seja sujeito a 23% de IVA. É um imposto que paga imposto. É uma dupla tributação que (sendo sempre questionável), torna-se ainda mais grave no ISP devido ao peso muito particular que tem na estrutura de preço dos combustíveis.

Não nos enganemos: o desagravamento fiscal não soluciona o problema dos preços dos combustíveis, sem que haja uma intervenção pública sobre as margens especulativas das grandes petrolíferas. Mas insistimos no fim da dupla tributação como medida justa, que aqui não aparece!

Esta Proposta de Lei tem um outro propósito evidente, que é o de resolver o problema que foi criado no que concerne à Contribuição de Serviço Rodoviário.

E, recorde-se, o PCP esteve frontalmente contra a criação dessa Contribuição há quinze anos, no quadro do modelo de financiamento da então Estradas de Portugal, não só por se ter contrariado (mais uma vez) o princípio da não consignação da receita fiscal, mas desde logo pelo seu caráter instrumental na entrega da gestão da Rede Rodoviária Nacional aos interesses privados dos grupos económicos, com particular destaque para as famigeradas PPP.

Agora, não ignoramos a operação de oportunismo litigante, de uma petrolífera que impugnou a CSR no Tribunal de Justiça da União Europeia, com o objetivo declarado de amealhar aqueles milhares de milhões de euros de pagamentos acumulados.

Como se fosse possível alguém acreditar que aqueles 8,7 cêntimos por litro não estavam a repercutir-se na fatura ao consumidor! Perguntem às pessoas que abastecem nos postos de combustível se se repercute ou não! Mas é preciso legislar, com sentido interpretativo (!), para que lá no Luxemburgo percebam que assim é!

Passamos de Contribuição de Serviço Rodoviário para Consignação de Serviço Rodoviário. Mantém-se o problema de fundo: o que a Constituição consagra é a subordinação do poder económico ao poder político democrático. E não é isso que acontece, nem no plano nacional – muito menos na União Europeia!

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