Intervenção de Bruno Dias na Assembleia de República, Reunião Plenária

Sobre alegadas incompatibilidades e conflitos de interesses de ministros

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Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados, Senhora Ministra,

Para o PCP, a questão fundamental quando se trata de estabelecer incompatibilidades e impedimentos no exercício de cargos públicos é evitar que as funções públicas possam ser utilizadas para benefícios privados, seja diretamente do próprio titular, seja indiretamente, por via de quem lhe seja próximo.

Ao longo das últimas décadas, o país tem vindo a assistir a frequentes e sucessivas alterações legislativas em matéria de incompatibilidades e impedimentos, normalmente incluídas nos chamados “pacotes da transparência”, visando sempre apertar a malha das incompatibilidades, criar novos impedimentos ou alargar as obrigações declarativas.

Sempre que o espaço mediático é ocupado por notícias envolvendo atos ilícitos ou eticamente censuráveis que envolvam titulares de cargos públicos, como que se abre um concurso de ideias na Assembleia da República para ver quem consegue apertar melhor os regimes de incompatibilidades e impedimentos. 

Ora, como ninguém quer ficar para trás nessa competição, a legislação vai sendo alterada, umas vezes com sensatez, outras vezes sem ela, mas sempre com alargados consensos, não vá alguém poder ser acusado de se opor à adoção de novas e mais apertadas leis que têm sempre o generoso propósito de prevenir a corrupção no exercício de cargos públicos.

Se houver disposições legais que alguém considere menos claras, elas devem ser interpretadas por quem tem a competência jurídica e legal para o fazer. 

Se em qualquer momento se verificar que as leis existentes devem ser aperfeiçoadas e houver propostas concretas nesse sentido, o PCP estará, como sempre esteve, disponível para as apreciar devidamente e participar na procura de soluções que considere adequadas, mas não temos ilusões. 

Por mais completa que seja a lei, e deve sê-lo tanto quanto for possível, nada substitui a prevalência de uma elevada consciência ética no exercício de funções públicas.

A legislação existente em matéria de incompatibilidades e impedimentos centra-se muito na questão das relações familiares dos titulares de cargos públicos e visa impedir que estes, no exercício das suas funções, se beneficiem por interpostos familiares ou beneficiem diretamente os seus familiares. 

É natural que haja essa preocupação, mas importa sublinhar que os casos mais conhecidos de corrupção envolvendo titulares de cargos públicos não consistiu no benefício de familiares, mas de benefícios próprios obtidos por relações de promiscuidade entre os titulares dos cargos e os interesses económicos beneficiados pelos seus atos.

Para prevenir situações indesejáveis, é importante haver medidas legais que impeçam um decisor político de tomar decisões que possam beneficiar os seus familiares pondo em causa o princípio da igualdade entre todos os cidadãos, mas tanto ou mais importante do que saber o que fazem o cônjuge, os pais, os filhos ou os irmãos de um governante, de um autarca, de um diretor geral ou de um deputado, é saber quem beneficiou economicamente com decisões suas e se houve contrapartidas por tais decisões que o tenham beneficiado direta ou indiretamente.

Senhor Presidente e Senhores Deputados,

O PCP não se move na vida política por quaisquer objetivos de perseguição pessoal seja a quem for ou de suspeição sobre quem quer que seja. Há um regime legal de incompatibilidades e impedimentos que tem de ser cumprido por todos os titulares de cargos por ele abrangidos. 

Há entidades competentes para verificar o cumprimento desse regime legal. Havendo suspeitas de incumprimento elas devem ser investigadas por quem de direito. Confirmado que seja o incumprimento, as entidades competentes devem daí retirar todas as consequências, de modo a fazer cessar situações ilegais e aplicar as sanções que estejam previstas na lei.

O que não beneficia ninguém e só poder lesar o regime democrático é que, em vez de se fazer cumprir e lei e de se exigir rigor ético no exercício de funções, se procure fazer recair um juízo de suspeição generalizada sobre os titulares de cargos públicos e sobre os seus familiares que, no limite, conduz a uma quase criminalização do exercício de funções públicas. 

Por ser familiar do titular de um cargo público, ninguém deve ser beneficiado, mas também não deve ser prejudicado de forma injusta e desproporcionada. É nisto que consiste o princípio da igualdade entre todos os cidadãos.

E não deixaremos de sublinhar o seguinte.

Não foi preciso nenhum governante pertencer à família Espírito Santo para que o Grupo Espírito Santo tenha sido beneficiado por decisões governativas lesivas do interesse e do erário público. Não é preciso haver nenhum familiar de qualquer governante à frente de uma empresa concessionária de autoestradas para que o Estado seja gravemente lesado com as parcerias público-privadas de concessões rodoviárias. 

Os escândalos de corrupção que justamente chocaram o país nos últimos anos, e que envolveram o exercício de funções públicas, não se ficaram a dever a relações familiares, mas fundamentalmente a relações de promiscuidade entre governantes que tomaram decisões e grupos económicos que beneficiaram com elas à custa do interesse público.  

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