Intervenção de Bernardino Soares na Assembleia de República

Sobre a adopção por casais do mesmo sexo

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Senhora Presidente,
Senhores Deputados,

Foi há pouco mais de um ano que debatemos estas importantes questões. É um debate importante

Um debate em que respeitamos aqueles que, defendendo as suas convicções, têm vindo a intervir sobre esta matéria e acompanhamos com atenção as opiniões e argumentos que expressam. Sabemos que há diversas sensibilidades sobre esta questão e que há, de diversos pontos de vista, gente que coloca de forma séria e ponderada os seus argumentos, que por isso devem ser respeitados, concordemos ou não com eles.

Respeitamos as compreensíveis expetativas e sentimentos dos que pretendem ver consagrada a possibilidade de adoção que hoje lhes está vedada e procuramos refletir sobre elas com profundidade. Não ignoramos também as situações concretas existentes, de famílias constituídas de ligações de afeto e de relações efetivas de parentalidade e filiação.

Rejeitamos qualquer aproveitamento político das compreensíveis expectativas e anseios das pessoas. É matéria em que temos de procurar encontrar soluções adequadas em prejuízo de buscar ganhos políticos imediatos.

Temos hoje várias iniciativas em debate, algumas retomando iniciativas anteriores, que têm contudo âmbitos e soluções diferenciadas, pelo menos em dois planos distintos. É assim que distinguimos as questões da chamada “co-adoção” das propostas que visam alargar a adoção para casais de pessoas do mesmo sexo.

Não escondemos sobre esta matéria as nossas posições nos últimos debates, mas também não permitimos que elas sejam deturpadas ou relativizadas como por vezes injustamente acontece. Admitimos com certeza as discordâncias que existam para com as posições que temos tomado, mas não admitimos nem que as caricaturem ou deturpem, nem que ignorem o conjunto da nossa intervenção e posicionamento ao longo dos tempos.

De facto, o PCP tem tido votações favoráveis, sendo por vezes proponente, de avanços legislativos nesta área, o que por vezes parece ser esquecido.

Foi o PCP que apresentou a iniciativa que veio a dar origem, no já longínquo ano de 1999, à consagração explícita na lei de direitos para os casais em união de facto, fossem de sexo diferente ou de pessoas do mesmo sexo. Foi o PCP que, desde a primeira lei sobre a procriação medicamente assistida, propôs sempre (infelizmente sem sucesso ainda), que as mulheres sós pudessem recorrer a estas técnicas. O PCP votou a favor da consagração legal do casamento entre pessoas do mesmo sexo, convicto da adequação e oportunidade desta alteração, aliás confirmada pela aceitação social generalizada da sua aplicação.

Em relação aos projetos em presença:

Votaremos hoje favoravelmente o projeto de lei de alguns deputados do Partido Socialista que visa consagrar a possibilidade de co-adoção pelo cônjuge ou unido de facto do mesmo sexo. Trata-se afinal de fazer corresponder a uma relação afetiva e familiar real, e consistente a sua consagração jurídica plena, correspondendo aos anseios de muitas famílias que, estando nesta situação, temem pelas consequências de uma qualquer situação de infortúnio daquele que já tem responsabilidades parentais sobre a criança. Trata-se, como justamente afirma o preâmbulo deste projeto, de “prevenir um colapso injusto, emocionalmente irreparável e insustentável do ponto de vista do superior interesse da criança.”.

O projeto formula corretamente os parâmetros desta co-adoção, designadamente quanto à sua irrevogabilidade e à condição de inexistência de um segundo vínculo de filiação.

Não reconhecer esta questão seria dar crédito a teorias sobre os alegados ou possíveis efeitos perniciosos da educação de uma criança por casais de pessoas do mesmo sexo, teorias de que discordamos e que nunca foram para nós fundamento de análise nesta matéria. Reforçamos essa convicção neste dia internacional contra a homofobia. E mais ainda rejeitamos que a prisão, a condenação e a morte sejam aplicadas ao direito de livre orientação sexual que a nossa Constituição consagra.

A questão da adoção (e por consequência a do recurso à PMA) por casais de pessoas do mesmo sexo, foi a única em que até agora não assumimos um voto a favor, deixando contudo sempre claro que o nosso voto contra não correspondia a uma rejeição definitiva desta aspiração, mas sim à convicção de que era ainda insuficiente o amadurecimento na sociedade desta questão.

Dissemos então há pouco mais de um ano: “o nosso voto nesta matéria, … não significa uma posição de rejeição (e naturalmente também não de aprovação) da possibilidade de adoção por casais de pessoas do mesmo sexo, mas expressa apenas a necessidade de prosseguir o debate e o esclarecimento sobre a questão, debate em que naturalmente não enjeitamos integrar-nos.”.

Pensamos que o debate sobre esta questão, no pouco tempo desde o último agendamento desta matéria, continuou a aprofundar-se e que esse percurso ainda não terminou. Trata-se de uma questão de grande sensibilidade social, seja qual for o ponto de vista pelo qual a observemos. Este aprofundamento, que julgamos ainda ser necessário, deve continuar a fazer o seu caminho e pela nossa parte continuaremos a contribuir para que assim seja.

Para o PCP, esta continua a ser uma questão cuja análise não está concluída e sobre a qual não temos uma posição fechada.

Queremos sinalizar essa evolução e por isso, ao contrário de debates anteriores, não inviabilizaremos as iniciativas que se propõem tornar legal a adoção por casais de pessoas do mesmo sexo. Esta é a posição que corresponde hoje ao estado da nossa reflexão. Uma posição que procuramos seja construtiva, como tem sido e hoje na votação voltará a ser.

Disse.

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