Sobre a “Reforma dos Laboratórios do Estado”

Sobre a “Reforma dos Laboratórios do Estado” - Declaração de Jorge Pires, da Comissão Política

Sobre a “Reforma dos Laboratórios do Estado”
Declaração de Jorge Pires, da Comissão Política

A Resolução do Conselho de Ministros nº 89/2006, de 20 de Julho, que anuncia o arranque de uma “reforma do sistema dos Laboratórios do Estado”, apesar da “bondade” dos objectivos nela contidos, configura mais uma curva apertada no acidentado percurso da vida dos Laboratórios do Estado e do próprio sistema científico e técnico nacional, desta vez com a marca do Governo PS presidido por José Sócrates.Segundo o relatório elaborado pelo grupo de trabalho internacional a pedido do actual Governo, o sistema dos laboratórios do Estado, sujeito há quase uma década, às tropelias e pseudo-reformas de sucessivos governos, está hoje pior do que estava, como aliás era já a percepção nítida de quem neles trabalha, situação que  já há muito vinha a ser denunciada pelo PCP nos planos político e institucional. Ao longo da última década o PCP apresentou oportunamente um conjunto de propostas em defesa deste importante sector do Sistema Científico e Técnico Nacional e da criação de condições de trabalho que tornem possível uma acção eficaz dos profissionais que aí desenvolvem a sua actividade, no sentido de contribuir para o desenvolvimento do país.
O Governo segue um caminho errado e faz uma leitura enviesada e castradora das recomendações do grupo de trabalho internacional.

Ao examinar na generalidade o “estado de saúde actual dos laboratórios do Estado” o relatório do grupo de trabalho internacional enumera um conjunto de obstáculos e dificuldades que na opinião do grupo vêm condicionando a acção dos laboratórios não passando despercebido na leitura a responsabilização que nele se faz de governos e instituições que, por desleixo e inoperância, mantiveram ou contribuíram para o agravamento da situação do sistema.

O diagnóstico agora feito pelo grupo, de facto, nas suas linhas gerais, não difere significativamente de anterior relatório elaborado há mais de cinco anos e retoma várias das críticas e recomendações então expressas.
No entanto a RCM 89/2006, ignorou ou deixa no vago as recomendações mais importantes do relatório, ao mesmo tempo que anuncia uma consulta pública estival, que mais não é que um simulacro de auscultação dos interessados como leva a crer, em particular, a inclusão nas Leis Orgânicas dos Ministérios já aprovadas na generalidade pelo Governo durante o mês de Julho, de medidas legislativas de fundo afectando alguns dos actuais laboratórios do Estado.

Como é sabido, o Plano de Reestruturação da Administração Central do Estado (PRACE), peça fundamental da ofensiva dirigida contra o emprego público e o exercício pelo Estado de importantes funções sociais, visando a privatização das mais rentáveis, não passa ao lado desta “reforma” dos laboratórios .

Assim, também aqui se prepara a aplicação dos instrumentos de fusão, extinção, e reestruturação de serviços com as consequências previsíveis: precarização do emprego e alienação do património.
Parece certo que nesta “reforma” de algum modo antecipada pelo PRACE, os critérios de natureza técnico-científica cedem, uma vez mais, o passo perante objectivos de redução da despesa certa com pessoal permanente e a obtenção de receitas extraordinárias pela venda de património, como é evidente no caso do INETI.
Tal como tem vindo a acontecer com outros relatórios que têm sido elaborados desde 1997, as recomendações deste, agora elaborado pelo grupo de trabalho internacional são ignoradas em aspectos fundamentais, no conjunto das orientações agora aprovadas, nomeadamente no que respeita ao estabelecimento de um quadro de financiamento plurianual dos LE,  quanto à instituição de um Conselho dos LE (CLEP) e quanto à instituição de Conselheiros Científicos junto de cada Ministério, bem como as propostas explicitas de autonomização do IGM, do INIA e do IPIMAR.

Mas se relativamente a este conjunto de propostas o documento aprovado pelo Governo para consulta pública é omisso, o mesmo não acontece relativamente à proposta de alteração do estatuto jurídico dos LE e a sua submissão ao modelo de “consórcio”, procurando desta forma subalternizar a sua missão e especificidade, subtraindo-os ao regime de funcionamento estável e sustentado no âmbito do OE e da directa supervisão da Assembleia da República.
A possibilidade de associação de laboratórios entre si e com outras entidades, para a realização de projectos ou programas de interesse comum de forma a fazer trabalhar em conjunto capacidades que se complementem, é bem vinda, há muito que é possível e não carece, antes dispensa, a introdução de novas formas jurídicas e a imposição de parcerias de cima para baixo.

Duas situações merecem especial atenção no contexto da RCM 89/2006: a criação do Laboratório de Recursos Biológicos Nacionais que equivale a insistir no erro de manter a fusão do INIA com o IPIMAR e agravar o erro juntando àqueles o Laboratório Nacional de Investigação Veterinária; a extinção do INETI, desmantelando-o e distribuindo as partes por outras entidades. Se relativamente à primeira fica claro que uma coisa é articular esforços outra é retirar espaço de afirmação das suas especificidades às instituições atingidas, já relativamente à segunda é de sublinhar que só o mais ingénuo optimismo poderá fazer crer que a desagregação do INETI com a distribuição de competências específicas nele desenvolvidas por diversas entidades, virá potenciar o respectivo aproveitamento e não, como infelizmente é previsível, o seu definhamento e a extinção do efeito sinérgico de natureza pluridisciplinar que elas proporcionam, num campus que, se para tanto lhe forem dadas condições adequadas, pode vir a acolher já em futuro próximo o desenvolvimento de novas tecnologias industriais.
 
Entretanto e como observação final, importa referir que o Governo não dá sinais de entender a gravidade da escassez de investigadores e, mais ainda, de pessoal técnico de apoio à investigação, devidamente qualificado cuja falta, com repercussão na capacidade de inovação técnica empresarial, se faz sentir agudamente em todo o sistema científico e técnico nacional, em particular no sector público que integra os laboratórios do Estado e as unidades de investigação do sistema de ensino superior.
À cabeça das questões mais preocupantes que emergem da análise da situação actual do sistema dos laboratórios do Estado, o grupo de trabalho internacional coloca: o persistente “bloqueio do recrutamento de pessoal, em especial pessoal jovem”; “a falta de autonomia para proceder à adaptação dos quadros de pessoal à evolução das necessidades dos laboratórios”; e, “a situação inusitada de manter bolseiros nos laboratórios durante longos períodos de tempo, nomeadamente por mais de cinco anos”.

O caminho certo

Conforme o PCP há muito sublinha, os laboratórios do Estado são um dos pilares fundamentais do Sistema Científico e Técnico Nacional, sistema que engloba não só as actividades de investigação fundamental e aplicada e de desenvolvimento tecnológico, mas também um conjunto vasto e diversificado de “outras actividades científicas e técnicas” que são suporte indispensável da actividade do sector produtivo e de uma multiplicidade de serviços em que assenta o funcionamento das sociedades modernas. Os laboratórios devem constituir um braço especializado da Administração destinado a apoiar nos planos técnico e científico a definição e execução de políticas públicas e, nessa medida, a respectiva acção deve ser programada e dirigida pelos órgãos próprios da Administração. Neste contexto os laboratórios devem ser vistos como um parceiro e não como um concorrente das universidades.

No nosso País é crucial o envolvimento do sector empresarial em actividades de I&D e é, em especial, crucial, ganhar o universo das PME’s.
Para a introdução de novas tecnologias e o melhoramento da aplicação de métodos de trabalho usando tecnologias convencionais. Neste sentido, os laboratórios do Estado podem desempenhar um papel importante desde que lhes sejam dadas as condições de trabalho necessárias.
Tarefas especializadas como as que exige a intervenção no sector produtivo, designadamente, de apoio à inovação tecnológica no sector das empresas, não podem ser satisfeitas sem o recurso a pessoal investigador e técnico de grande qualidade e adequadamente remunerado, trabalhando a tempo inteiro e apoiado em infra-estruturas técnicas também de grande qualidade, nomeadamente oficinas especializadas como existem em instituições congéneres estrangeiras e que entre nós não só são praticamente inexistentes como aquelas que ainda subsistem vêm definhando ao longo dos anos.
O PCP tem repetidas vezes sublinhado aqueles que são os grandes constrangimentos que, a não serem vencidos, continuarão a impedir os laboratórios de desempenhar cabalmente as funções que lhes competem e que – sublinhe-se – nenhumas outras instituições nacionais existentes estão em condições de desempenhar. Esses constrangimentos dizem respeito aos recursos humanos, aos orçamentos e à autonomia de gestão dos recursos disponíveis. A sua superação exige uma nova política que contemple como principais medidas as seguintes:
 
    - Descongelamento imediato do recrutamento de pessoal investigador, técnico e oficinal, com fixação de quotas a negociar com as instituições em condições de cobertura orçamental assegurada.
    - Duplicação em três anos do orçamento dos laboratórios, no que respeita a despesa pública.
    .Estabelecimento de financiamentos programáticos e orçamentos plurianuais (3 a 5 anos).
    - Abertura de concursos para a progressão na carreira do pessoal do quadro de acordo com as necessidades das instituições.
    - Instituição das Carreiras Técnica de Investigação e de Operário Prototipista.
    - Revisão do Estatuto da Carreira de Investigação Científica, garantindo uma efectiva participação das organizações representativas dos investigadores. Revisão do estatuto do pessoal técnico afecto a projectos de investigação em laboratórios do Estado onde não existe a C de Investigação, designadamente, o Instituto de Meteorologia e o Instituto Hidrográfico.
    - Atribuição aos laboratórios de uma dotação orçamental específica para a contratação de bolseiros de investigação, limitada aos candidatos à obtenção de graus académicos a alcançar em períodos de tempo bem definidos.
    - Revalorização das competências dos Conselhos Científicos dos laboratórios do Estado, designadamente, no sentido de uma co-responsabilização na afectação dos recursos aos objectivos e programas da instituição bem como na aprovação de projectos e na execução orçamental, traduzida na obrigatoriedade de parecer.
    - Obrigatoriedade de parecer dos Conselhos Científicos, na designação dos dirigentes e co-responsabilização no convite a personalidades para integrarem os conselhos de orientação e as unidades de acompanhamento externo.

Entretanto e no que toca à organização do sistema de laboratórios, o PCP defende o retorno à autonomia anterior do Instituto de Investigação das Pescas e do Mar (IPIMAR) e do Instituto de Investigação Agrária (INIA), actualmente integrados numa estrutura fantasma, o INIAP; analogamente se propõe a separação do Instituto Geológico e Mineiro (IGM) e do Instituto Nacional de Engenharia, Tecnologia e Inovação (INETI) com manutenção deste na sua integridade original, como um dos pólos principais do sistema dos laboratórios do Estado. Todos os restantes laboratórios, Instituto Hidrográfico (IH), Instituto de Meteorologia (IM), Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), Instituto Tecnológico e Nuclear (ITN), Instituto de Investigação Científica Tropical (IICT), Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA), Laboratório Nacional de Investigação Veterinária (LNIV) e a Direcção Geral da Protecção de Culturas (DGPC) devem manter-se, sem prejuízo de eventuais reestruturações que em alguns deles possam vir a ser reconhecidas como desejáveis tendo em vista a prossecução dos objectivos que lhes são próprios.

Preconiza-se ainda a revisão do estatuto do Instituto de Medicina Legal, que tem uma actividade significativa de investigação.

Por último, sublinha-se a necessidade de proceder ao levantamento dos domínios técnico-científicos com significado económico e social que não estão adequadamente cobertos pela actual rede de laboratórios do Estado ou outras instituições especializadas, com vista a determinar o interesse da possível criação de novos laboratórios públicos.

 

 

 

 

 

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