Intervenção de Ilda Figueiredo, membro do Comité Central, Encontro Nacional do PCP - «A situação nacional, as eleições para o Parlamento Europeu e a luta por uma política patriótica e de esquerda»

Soberania e independência nacional

Soberania e independência nacional

Caros Camaradas
Estimados Amigos

Saúdo todos os presentes neste Encontro Nacional do PCP, mas permitam-me uma saudação especial ao primeiro nome, já anunciado, da lista da CDU ao Parlamento Europeu, o camarada João Ferreira. Ele, tal como a deputada Inês Zuber, e toda a equipa que com eles trabalha, souberam dar continuidade ao trabalho de deputados anteriores na defesa das posições do PCP, dos interesses do nosso povo e de Portugal.
Numa frente de trabalho distante do país, onde, muitas vezes, os deputados de outros partidos votam o contrário do que afirmaram nas campanhas eleitorais, e até recebem prémios de organizações estrangeiras por serem os melhores defensores dos seus interesses, importa valorizar o trabalho único que o PCP e os seus deputados fazem no Parlamento Europeu, sempre na defesa da posição soberana do povo português, da produção nacional na indústria, na agricultura ou nas pescas, das funções sociais do Estado, dos direitos de quem trabalha, da cultura e da língua portuguesas, na luta contra a ingerência externa e o militarismo, na defesa da paz, da amizade e cooperação com os povos de todo o mundo.

É certo que estamos a viver um tempo que nenhum de nós esperava em Portugal, sobretudo depois do 25 de Abril de 1974, há 40 anos, e da aprovação da Constituição da República Portuguesa de 2 de Abril de 1976.

Mas também é verdade que a adesão, há quase 30 anos, em 1986, à então CEE, se fez contra a posição do PCP, que alertou para o seu significado, para a tentativa de recuperação dos interesses do capitalismo que, em Portugal, tinham sido profundamente abalados com a revolução de Abril, que deu voz e poder ao povo para construir com as suas mãos um país de progresso social e de paz.

Já em 1980, numa Conferência Nacional realizada no Porto, o PCP alertava para os perigos que poderiam surgir com tal adesão de Portugal. Ao longo de dezenas de anos, e mais concretamente desde o início dos anos 80 do século passado, o PCP foi alertando para o caminho perigoso que se estava a seguir e para as ilusões que a social-democracia ia criando, em Portugal e na Europa, ao empenhar-se na submissão de Portugal ao motor do capitalismo europeu, dando cobertura aos ataques que as forças reaccionárias desenvolviam contra as conquistas da revolução de Abril.
Um marco importante nessa análise foi a preparação e realização da Conferência do PCP com o título “Portugal e o Mercado Comum”, realizada no Porto, em 31 de Maio de 1980.

Quase três dezenas de anos depois da adesão, com diversas alterações ao Tratado de Roma, novos Tratados, como os de Maastricht, o de Lisboa e o dito tratado orçamental, e com muitas outras adesões, aí temos uma União Europeia a 28, onde a Alemanha dita as regras da ingerência e da exploração, escudada pela França, Reino Unido e governos de países que foram sendo atrelados a este processo de integração capitalista. E querem sempre mais, como é bem visível no que se tem passado na Ucrânia. A dura realidade portuguesa aí está a mostrar como o objectivo de domínio imperial foi atingido, com governantes dos ditos partidos do pode ( PS, PSD e CDS) que sucessivamente aceitaram esta vergonhosa submissão do País aos ditames das potencias estrangeiras.

Tal como o PCP avisou , a adesão dificultou o desenvolvimento económico ao facilitar a destruição das conquistas de Abril, impondo políticas e regras que foram destruindo os sectores produtivos, nalguns casos facilitando fundos comunitários para destruir a agricultura familiar, abater barcos e diminuir o esforço de pesca, encerrar empresas de sectores que incomodavam os grupos económicos europeus, como na siderurgia, em sectores de metalo-mecânica pesada, na indústria naval, na produção de açúcar.

Com o país a produzir menos, tornou-se necessário importar mais, criar maiores dependências, incluindo financeiras, o que, por sua vez, facilitou novas imposições, mais atentados à soberania nacional. E assim, dos vários pacotes, PEC's e políticas comuns, de que o euro é um exemplo, chegou-se à troika e transformou-se Portugal num mero protectorado da União Europeia, ignorando a Constituição e tentando a destruição das conquistas de Abril.

Com estratégias de nomes pomposos, como a dita estratégia de Lisboa ou, agora, a estratégia UE 2020, foram sendo lançadas directivas e novas imposições para facilitar as privatizações do que ainda restava do sector empresarial do estado, no sector financeiro, nas telecomunicações, nos correios, nos transportes. Na fase actual já chegaram aos lixos e, se tiverem tempo, vão tentar chegar à água, destruir a saúde e educação públicas, a segurança social.

Hoje, alguém ainda duvida que esta política de integração capitalista da União Europeia, visa facilitar aos grupos económicos estrangeiros a apropriação dos recursos portugueses, incluindo recursos naturais, patrimoniais e recursos humanos?

Hoje alguém ainda duvida que esta política de aceleração das privatizações, do desemprego, da destruição de serviços públicos, da emigração forçada de jovens quadros, do empobrecimento generalizado da população, tenta destruir a capacidade de organização e de reivindicação dos trabalhadores para mais facilmente explorar a sua força de trabalho e para os grupos económicos e financeiros se apoderarem da riqueza produzida?

Hoje alguém ainda duvida que os governantes e deputados europeus dos partidos da troika nacional são autênticos serventuários desses interesses estrangeiros ao aprovarem as políticas europeias, os sucessivos tratados e directivas, incluindo a adesão ao euro e o dito tratado orçamental?

De facto, o capitalismo internacional aproveitou as fragilidades criadas pela brutal fragmentação do bloco socialista para tentar impor as suas regras no plano mundial, de forma a dificultar o desenvolvimento económico e o progresso social de algumas regiões, com receio que servissem de pressão e exemplo para obrigar outros países e regiões a terem políticas de progresso social.

Assistimos à enorme campanha ideológica para impor a agenda do neoliberalismo, do fundamentalismo do livre mercado, aos países e aos povos, em nome de um pretenso desenvolvimento que alguns teimaram em denunciar, apesar de ridicularizados, de serem chamados de “velhos do Restelo”, como diversas vezes ouvimos, sobretudo quando nos opusemos ao aprofundamento da integração capitalista, aos respectivos tratados da União Europeia, à crescente ingerência da Comissão Europeia, do Conselho e da maioria do Parlamento Europeu nos assuntos internos, não apenas dos Estados que são membros, mas também de outros Estados soberanos.

Mas, a gravidade da situação começa a tornar mais claro que a perda de soberania e de independência está ligada ao controlo por grupo económicos e financeiros de sectores estratégicos fundamentais, de recursos económicos e de sectores e serviços básicos. Tal como está claro que, quando os povos ou os governos não cedem facilmente, as potências recorrem a todas as formas de violência, incluindo o reforço do militarismo, transformando a União Europeia no pilar europeu da NATO sempre pronta a agredir povos e Estados.

Tal como começa a estar cada vez mais claro para largas camadas da população portuguesa que a defesa da qualidade da educação pública, do SNS, da Segurança Social, do emprego com direitos é inseparável da defesa dos valores de Abril, do controlo pelo poder político do poder económico, da retoma pelo poder político das alavancas da economia e dos seus sectores básicos para os colocar ao serviço do povo e de Portugal.

Tal como hoje muitos reconhecem que a união económica e monetária, que serve de base ao euro, chegou ao dito tratado orçamental para tentar impedir qualquer alternativa ao neoliberalismo. Perceberam que as suas consequências são o desastre económico e social.

Com o “tratado orçamental” as potencias da UE já nem precisam de troika. A sua aplicação implica o estrangulamento da soberania e da economia dos países mais frágeis, para facilitar a aquisição dos sectores estratégicos de cada país e o seu controlo pelos grupos económicos e financeiros europeus mais poderosos, sobretudo da Alemanha e da França, a que se junta a estratégia do aumento das dívidas soberanas.

Este aprofundamento da integração capitalista foi concretizado através de autênticos golpes constitucionais, em que os Estados-Membros perderam o que ainda lhes restava de soberania económica e orçamental e foram transformados em meros protectorados.

Com aquilo que chamaram de “uma união económica mais forte”, temos já divergências económicas a acentuar-se porque esse é o resultado lógico de uma integração forçada, de aplicação de regras iguais a países com graus de desenvolvimento muito diverso, sem políticas solidárias e sem mecanismos de compensação eficazes para caminhar no sentido da coesão económica e social.

É um autêntico caminho neocolonial, que remete os órgãos de soberania nacionais para o papel de meros executantes de uma política económica, orçamental e fiscal decidida pelas grandes potências em função dos interesses do capital financeiro, adquirindo contornos de golpe constitucional contra Estados soberanos como Portugal.

Por isso a ruptura com estas políticas é urgente, retomando o cumprimento da Constituição de Abril.

É através da luta que se irá ganhando espaço decisivo nas instituições, no poder legislativo, no poder local e regional. Com a luta será acumulada a força social e política necessária para a mudança e para a instauração de um governo que cumpra princípios constitucionais fundamentais.

É essa luta que é preciso continuar também no esclarecimento e na mobilização para a campanha eleitoral ao Parlamento Europeu, aproveitando a oportunidade para tornar mais clara a política alternativa que urge, na defesa e promoção dos valores de Abril.

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