Intervenção de

Situação social, desemprego e pobreza - Intervenção de Agostinho Lopes na AR

 

Interpelação ao Governo n.º 25/X sobre a situação social, desemprego e pobreza

 

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

A crise (do sistema capitalista) põe a nu, desmantela alguns dos dogmas mais persistentes do neoliberalismo como ideologia do capitalismo actual: o dogma do mercado como lugar de plena igualdade dos agentes e unidades económicas - como é visível, os governos salvam os grandes e deixam afundar as pequenas unidades; o dogma da excelência da gestão privada sobre a gestão pública - quando o banqueiro foi para a cerimónia de apresentação do livro que descrevia o sucesso da sua gestão já o sucesso corria apressado atrás da garantia do Estado para a sua sobrevivência; o dogma da privatização e liberalização dos mercados como garantia de baixos preços - olhemos para as tarifas de combustíveis, energia eléctrica, telecomunicações (a Vodafone, por exemplo, não acredita nos 1,2% de inflação do PEC e, ontem, anunciou um aumento de 2,5%!)

A crise é também o tapete para debaixo do qual o Governo PS tenta varrer as suas responsabilidades pelo mau estado a que o País chegou, o mau estado em que nos encontramos para fazer face aos impactos externos.

A crise é, ainda, o tapete sob o qual o Primeiro-Ministro pretende sepultar o seu neoliberalismo persistente e impenitente.

Mas bem pode o Primeiro-Ministro escrever moções exorcizando o neoliberalismo que, enquanto a sua prática governamental for de privatização, liberalização, obediência ao PEC e obsessão pelo défice orçamental e de despedimento dos trabalhadores da Administração Pública, nada nem ninguém o poderá absolver.

Neoliberalismo persistente e consistente nas receitas e respostas para a crise, centrando-as sobre a protecção dos bancos (ou, melhor, dos banqueiros) e, fundamentalmente, na aceitação da força de trabalho como principal, quando não única, variável de ajustamento das contradições e impactos da crise - liquidação de postos de trabalho e desemprego; redução do tempo de trabalho/lay-off; degradação das condições laborais (ver Código do Trabalho).

Aliás, diga-se que a verdade do Sr. Ministro Vieira da Silva, em matéria de taxas de desemprego, é a mesma que o fazia considerar como uma catástrofe o PIDDAC para 2004, de 240 milhões de euros para o distrito de Braga, e o PIDDAC para 2009, de 100 milhões de euros (menos de metade!), um sério e esforçado esforço de investimento público e um bom orçamento.

Mas o PS e o Primeiro-Ministro não estão sozinhos nas responsabilidades pelas dificuldades e pelos problemas com que o País enfrenta a crise.

A crise fez «explodir» os problemas de um País decorrentes de três décadas de políticas de direita: uma economia dominada por um grupo de monopólios privados em sectores e áreas estratégicos para o País; os problemas de uma estrutura económica dependente e subcontratada, fragilizada na sua estrutura produtiva, assente num modelo de baixos salários e reduzido valor acrescentado.

Isto, depois de gastos ou, melhor, desperdiçados, 50 000 milhões de fundos comunitários e mais de 33 000 milhões de receitas de privatizações!

Os acontecimentos com a Qimonda, onde o Estado português terá entrado com 500 milhões de euros, qualquer que seja o seu desfecho, o que poderia ser e acontecer na AutoEuropa, o elevadíssimo nível de subcontratação em sectores como o do vestuário, onde uma subcontratante tem presas por frágeis fios dezenas de pequenas e médias empresas e milhares de postos de trabalho, evidenciam os riscos que o País enfrenta. O que não significa pôr em causa a importância desses investimentos, mas apenas relevar o erro do afunilamento, via mecanismos de dependência, de uma economia em unidades empresariais estratégicas subordinadas ao capital multinacional, o erro de um Estado que fica totalmente à mercê das chantagens desse capital.

A crise veio, igualmente, recentrar a atenção e, sobretudo, a preocupação em torno dos sectores produtivos e da produção material.

Os 34 anos de políticas de direita a que o Governo PS/Sócrates deu uma continuidade num patamar nunca alcançado - patente na privatização da rede de infra-estruturas, como a REN, que são monopólios naturais - representaram um profundo e, nalguns casos, irreversível fragilizar do tecido produtivo nacional, nas pescas, na agricultura, na indústria.

Quando hoje, a propósito de vultuosos investimentos públicos, se levanta o problema das contrapartidas dos possíveis fornecedores de equipamentos tem de ser recordada a liquidação, pelas políticas dos sucessivos governos, da metalomecânica pesada portuguesa: a liquidação da Sorefame, da Mague, da Cometna, da Equimetal, da Mompor, da Sepsa ou da Siderurgia, na sua antiga configuração, quando ainda tinha o trem de perfis pesados com capacidade para produzir (e produziu muito) carril para caminho-de-ferro, ou a liquidação dos processos de reestruturações empresariais do sector energético nacional.

Mas não pensemos que tudo isto é coisa do passado. Não! Uma das quatro reestruturações do sector da energia é trabalho do actual Governo, como é o processo em curso na ex-Siderurgia Nacional, na vertente aços planos, com a sua transformação em grande armazém/entreposto comercial, para a Europa, dos produtos siderúrgicos produzidos noutras empresas da multinacional brasileira CSN.

Foi o que aconteceu em 2007, com o desmantelamento da linha de produção de folha-de-flandres, agravando a dependência do mercado espanhol, em Abril de 2008, com a linha do laminado a frio, ficando a produção limitada à chapa galvanizada.

Tudo acompanhado pelo despedimento de dezenas de trabalhadores e que, agora, culmina com a suspensão/lay-off dos contratos de 179 trabalhadores.

Aliás, agora, as instalações da empresa estão em boas condições para servir de armazém, pronta que está a ligação ferroviária entre as instalações siderúrgicas e o nó de Coina - 15 milhões de euros de dinheiros públicos.

O Governo não só se mantém impassível perante este processo como, em fins de Dezembro, resolveu a privatização de 10% da posição pública que ainda restava na Siderurgia Nacional. Na actividade agrícola, são muitas as consequências destrutivas da política do Governo PS. Poderíamos falar dos riscos para a produção leiteira. Poderíamos falar dos mais de 200 000 ha que ainda restam dedicados à produção de cereais. Poderíamos falar da política de destruição dos poucos solos agrícolas de boa qualidade que o País possui. Poderíamos falar das ameaças que pesam sobre o olival tradicional.

Uma palavra para falar da beterraba sacarina. Depois de anos e anos de resistência das indústrias de refinação, em 1993, avançou, em Coruche, a fábrica que começou a laborar em 1997. Uma significativa mais-valia para a agricultura ribatejana e alentejana e para o País.

Em 2007, com a reforma da OCM do açúcar, perante a passividade do Governo português, a quota portuguesa de açúcar passou de 70 000 para 34 000, inviabilizando a unidade fabril.

Hoje, a fábrica produz com recurso à importação das ramas de cana-de-açúcar.

O País perdeu duas vezes, no agravamento do défice da balança comercial, no fim de uma importante alternativa de produção agrícola.

Outro caminho é possível, Srs. Deputados, com outra política, uma política virada para os interesses dos trabalhadores, do nosso povo e do País!

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