Intervenção de

A situação gravíssima do Arsenal do Alfeite e dos seus trabalhadores

 

 

Declaração política condenando o processo de empresarialização do Arsenal do Alfeite e as questões que laborais que levanta e saudou a luta dos seus trabalhadores

Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:

A situação gravíssima do Arsenal do Alfeite e dos seus trabalhadores no momento actual constitui, pelas piores razões, um retrato paradigmático do que têm sido as políticas, as opções de classe e a actuação deste Governo PS/Sócrates.

Está em curso uma vergonhosa operação de desmantelamento de postos de trabalho e de ataque aos direitos, definida e concretizada por ordem do Governo sob o manto diáfano do processo de «empresarialização do Arsenal».

Primeiro, o Governo extingue o Arsenal do Alfeite como estaleiro público ligado à Marinha Portuguesa; decide colocar na prateleira da «mobilidade especial» - uma forma de despedimento encapotado - centenas de trabalhadores; constitui uma sociedade anónima, a Arsenal SA, para onde transitam os trabalhadores que a administração quiser. Mas transitam no quadro de um «acordo de cedência de interesse público», com um regime laboral em que, para uma larga parte dos aspectos, a norma é o Código do Trabalho, nivelando por baixo os direitos dos trabalhadores.

O Governo vem dizendo que há muitos direitos e situações actuais que se mantêm, mas mantêm-se por prazos de três meses, até um dia!...

É que a inaceitável situação apontada é a da precarização dos vínculos, negando aos trabalhadores o direito à estabilidade no emprego.

Os trabalhadores passariam a viver pensando o futuro a 90 dias, porque a cada 90 dias estes trabalhadores podem ser dispensados tranquilamente, discricionariamente, abrindo um caminho muito fácil aos famosos outsourcing.

No limite, desenha-se um quadro com uma empresa que até poderia simplesmente deixar de ter trabalhadores efectivos.

Importa recordar, para os mais esquecidos, a decisão recente do Tribunal Constitucional, que declarou inconstitucional a norma do Código do Trabalho que previa o período experimental de 90 dias, por conflituar com o direito constitucionalmente garantido e consagrado à segurança e estabilidade no emprego.

Agora, o Governo quer colocar estes trabalhadores numa situação de insegurança, com uma intolerável ameaça sobre o seu futuro.

Durante muito tempo, a tese oficial difundida era a da «rentabilização da capacidade instalada» no Arsenal, da «diversificação de encomendas», aproveitando os recursos não utilizados ao serviço da Marinha.

Mas o que a actuação e as decisões concretas do Governo vieram demonstrar foi a absoluta falsidade desta ideia que se veiculou durante meses a fio. Rapidamente se constatou que o verdadeiro objectivo era extinguir postos de trabalho e retirar direitos aos trabalhadores.

Na semana passada, deslocámo-nos ao Arsenal do Alfeite para conhecer directamente a situação actual e a sua evolução e da boca de um alto responsável na condução deste processo ouvimos pessoalmente a frase que esclarece qualquer dúvida: «na rua está a malta, nós estamos a meter pessoal!»

Está tudo dito: a tal «empresarialização» mais não é senão «pôr a malta na rua». Depois, é só contratar os mesmos trabalhadores com as condições que unilateralmente a administração (entenda-se, o Governo) quiser impor aos trabalhadores.

É uma intolerável chantagem que está a ser movida aos arsenalistas, inclusive com a Administração a distribuir documentos para serem individualmente assinados pelos trabalhadores, que têm de aceitar as condições que lhes derem, independentemente de qualquer negociação.

Sr. Presidente e Srs. Deputados:

O que está a acontecer não resulta de um desvio de percurso ou de uma opção errada de algum quadro intermédio. O que está a acontecer é o resultado directo de uma determinação e opção política do Governo. Está tudo conforme o planeado!

Com esta actuação, o Governo assume, com toda a crueza e empenhamento, o papel indigno da destruição directa de postos de trabalho no Arsenal do Alfeite. Neste contexto social e económico de crise, de recessão e de desemprego que o País atravessa, é esta verdadeiramente a marca da governação PS/Sócrates. A responsabilidade política directa deste Governo, face à situação vergonhosa que se está a passar, tem de ser plenamente assumida, porque ainda é possível, urgente e indispensável fazer com que este processo seja corrigido e os direitos dos trabalhadores sejam garantidos.

Há algum tempo atrás, num debate nesta mesma Sala, o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares virou-se para os Deputados do PCP e, pensando que assim nos atacava, afirmou que a nossa posição política tinha «uma lógica de Arsenal do Alfeite».

Estava feita a afirmação clara, que a prática política veio confirmar, que o Governo PS quer ser do tempo e da «lógica» da precariedade e do desemprego, da submissão nacional ao poder económico, da fragilização das próprias estruturas de apoio à Marinha portuguesa.

Pela parte do PCP, nós somos - e queremos continuar a ser - do tempo do Arsenal do Alfeite, da lógica do Arsenal do Alfeite. Somos do tempo e da lógica do trabalho, da produção de riqueza, do desenvolvimento, do emprego com direitos e melhores salários, da soberania e da independência nacional, e queremos ser do tempo da formação e da valorização dos trabalhadores.

Queremos ser do tempo e da lógica dos novos projectos, do avanço tecnológico, da modernização do Arsenal digna desse nome. Principalmente, somos e queremos ser do tempo do Arsenal do Alfeite cumprindo plenamente o seu papel como estaleiro público ligado à Marinha portuguesa, ao serviço do nosso povo e do nosso País. Esse tempo é possível! Esse País é possível! E surgirá da mudança que será construída com a ruptura de políticas, com a concretização de uma política de esquerda, com o cumprir da palavra dada, com a opção firme pela defesa dos direitos de quem trabalha, mas também com a luta, a luta dos arsenalistas e de todos os trabalhadores, com a sua unidade na acção, firme e determinada, em defesa dos direitos. Lá no Arsenal, junto ao Tejo, em frente à Administração, lá no «portão verde», em Almada, aqui, junto ao Parlamento, ao Ministério da Defesa, ao Conselho de Ministros, à Presidência da República, a luta dos arsenalistas nunca parou e continua na actualidade.

Em todos os momentos, o PCP sempre lá esteve e continuará a estar ao seu lado. A nossa mensagem é, afinal, muito simples: a vida não tem de ser assim.

A política não tem de ser assim.

Há um outro caminho que é possível seguir, para uma vida melhor e mais justa.

E a nossa confiança no futuro, a nossa esperança que não fica à espera, assenta precisamente na confiança que temos nos trabalhadores e no povo, que construirão o futuro com as suas lutas.

E nessas lutas sabemos muito bem de que lado estamos.

(...)

Sr. Presidente,
Sr. Deputado Fernando Rosas,

Agradeço-lhe as questões que colocou, que são, de facto, importantes e permitem aprofundar um pouco a abordagem a esta questão gravíssima que se está verificar e está a ser vivida não só por aqueles mais de 1000 trabalhadores do Arsenal do Alfeite, para o concelho de Almada e para o distrito de Setúbal mas também, a nível nacional, para uma componente estratégica da própria soberania e do desenvolvimento dos estabelecimentos fabris das Forças Armadas.

De facto, abordou aqui a questão da precariedade e da insegurança com que estes trabalhadores, aqueles que transitarem para a chamada Arsenal S:A., são confrontados, numa situação de contratação a prazo por 90 dias sucessivos.

Cada dia que passa é um dia a menos em que não se saberá o que acontecerá ao seu posto de trabalho nos próximos 90 dias.

Isto é uma situação indigna para trabalhadores de qualquer geração e de qualquer profissão, independentemente do seu percurso, e em particular, neste caso, para trabalhadores, muitos deles, com uma via inteira de trabalho ao serviço do Arsenal do Alfeite e com uma larguíssima experiência e especialização.

Por outro lado, quanto à eliminação dos postos de trabalho, sobre isso já poderemos dizer mais alguma coisa a seguir, tendo em conta que não está garantido para o conjunto dos trabalhadores do Arsenal do Alfeite a passagem para a Arsenal S.A. e para um posto de trabalho que ali poderia ter continuidade.

Disse o Sr. Deputado Fernando Rosas que este é um remake do que se passou nas OGMA e restantes estabelecimentos fabris das Forças Armadas.

Permito-me só acrescentar aqui um aspecto em que há uma diferença, e uma diferença de fundo: é que os trabalhadores que transitem para a nova Arsenal S.A., ao contrário do que aconteceu nas OGMA e nos restantes estabelecimentos fabris, não transitam com o estatuto profissional que têm e que tinham enquanto trabalhadores da Administração Pública, do Estado/Administração, de um estabelecimento público ligado às Forças Armadas. Perdem esse estatuto e, como dizia este responsável que ouvimos a semana passada, «na rua está a malta» e eles vão meter pessoal.

Portanto, as explicações do Secretário de Estado da Defesa, ontem, na reunião, no sentido de dizer que isto é tudo boa gente, que não há preocupações porque, a cada 90 dias, as pessoas vão ficando, são pessoas experientes, trabalhadores com qualificação que fazem muita falta...

Na lógica do Governo, pela falta que eles dizem fazer, então, exige-se, de facto, que tenham o estatuto, a segurança e a estabilidade no emprego que este Governo quer negar aos arsenalistas.

(...)

Sr. Presidente,
Sr. Deputado Nuno Magalhães,

Agradecendo as questões que colocou, não resisto a deixar aqui uma pequena nota prévia para chamar a atenção para a referência que fez sobre advogar ou acreditar na luta de classes: mesmo que os senhores não advoguem, estão a fazê-la, mesmo que advoguem que não se faça, estão a fazê-la; ela existe e continuará a existir, mesmo que digam que ela não é uma realidade. O CDS-PP tem uma perspectiva e uma opção de classe que já conhecemos e opções diferentes e posicionamento diferente sobre o emprego, sobre as relações laborais, a estabilidade no emprego e até sobre as questões de defesa e as funções de soberania nacional cometidas a estaleiros, a serviços como este e a estruturas como o Arsenal da Marinha.

Estas opções são conhecidas e foram sendo consagradas ao longo da política que tem vindo a ser seguida pelos sucessivos governos.

Assim, não estranhamos que no essencial da estratégia e da opção política que está a ser seguida em relação ao Arsenal haja, também, um perfilamento dos partidos da direita relativamente a esta opção e que haja uma adesão ao essencial do que estão aqui em causa: eliminar aquele serviço enquanto estrutura da Administração Pública, criar ali uma S.A., isso faz parte da estratégia e da leitura que os senhores ao longo dos anos vêm afirmando.

O que nós não acreditaríamos era que um partido que se afirma de esquerda, um partido com o nome de «socialista» aderisse a essas mesmas políticas, a essas opções. E aquilo que está a ser feito por este Governo é aquilo que os senhores, no governo anterior, não conseguiram fazer, diferindo apenas nas opções em relação ao estilo, em relação ao diálogo que o senhor diz defender, em relação à consulta aos trabalhadores.

Essa crítica de fundo que os senhores colocam é sobre o processo e a forma como é desenvolvido, mas nunca ouvimos da parte do CDS qualquer crítica quanto à estratégia de fundo, de empresarialização e da transformação em S.A., a menos que haja, agora, a alteração e a clarificação de que afinal os senhores estavam connosco e estão connosco na defesa de um arsenal ligado à Marinha, enquanto estrutura pública ao serviço do povo e do País.

Portanto, mais do que um problema de falta de respeito e de consideração pelos trabalhadores - e esse é um problema concreto que está em cima da mesa -, há aqui um problema de modelo, de opção de fundo e de orientação política sobre o papel deste Arsenal da Marinha ao serviço das Forças Armadas, quanto mais não fosse para evitar situações e opiniões de Deputados da maioria como aquelas que têm vindo a ser afirmadas e que os trabalhadores nos transmitiram, na sequência de reuniões aqui na Assembleia, os quais, perante a hipótese de a Marinha reparar os seus navios no estrangeiro, diziam: «Porque não?»

Nós dizemos: «Por aí não vamos!»

(...)

Sr. Presidente,
Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia,

O meu tio costumava dizer-me: «Teima sempre, mas nunca apostes!» Ora, em apostas dessas não caio de certeza. É que, perante a situação que está criada e o ataque gravíssimo que o Governo está a fazer em relação aos postos de trabalho no Arsenal do Alfeite e perante a política ruinosa para o País e para o emprego que está a ser desenvolvida, é natural que a má consciência da maioria PS impeça os Srs. Deputados de intervirem neste debate.

Portanto, não aposto com V. Ex.ª que venha dali alguma intervenção.

A Sr.ª Deputada interpelou-me perguntando se me recordava da promessa dos 150 000 postos de trabalho do então candidato a Deputado pelo PS José Sócrates. Não só me recordo desses cartazes como até me recordo da linha que estava por cima da referencia aos 150 000 postos de trabalho, que era o lema da campanha, ou seja, «Voltar a Acreditar».

De facto, houve muitos portugueses que voltaram a acreditar e houve muitos portugueses que voltaram a ser enganados.

É lamentável que esta política, que vai sendo sempre a mesma - ora vem um, ora vem outro -, tenha sido ainda levada mais longe por este Governo, como disse e muito bem, não por causa da «tempestade» da crise internacional mas por opção política própria, porque esta não é uma questão de estratégia de algum responsável intermédio.

Esta é uma questão política, é uma opção política do Governo, que não depende de mais ninguém se não do Governo e está por ele a ser aplicado no Arsenal do Alfeite.

O que está a acontecer não é uma situação de uma tempestade que cai sobre uma casa. Porque esta «casa», Srs. Deputados, tem o «telhado» vendido ao estrangeiro e ao sector privado. Por isso, ficamos desprotegidos perante as «tempestades» que os senhores agora anunciam.

Nesta situação concreta, o que está a acontecer, ao contrário do que era anunciado pelo Governo e pela Administração do Arsenal, não é utilizar a capacidade do Arsenal para outros trabalhos, para outras encomendas, para outros clientes. Não! É cortar à volta, eliminar o que sobra do trabalho que a Marinha portuguesa utiliza ali no Arsenal do Alfeite.

Nesse sentido, o que está a acontecer ao Arsenal do Alfeite é uma profunda desonestidade política, uma profunda falta de respeito e um insulto aos trabalhadores e a este País.

(...)

Sr. Presidente,

Agradeço também ao Deputado Rui Gomes da Silva as questões que colocou no seu pedido de esclarecimentos.

No entanto, não posso deixar de sublinhar a expressão que utilizou quando referiu que, independentemente das opções assumidas, o método e a aplicação deste processo merece a discordância do PSD. Até aí chegamos e, pelos vistos, ao nível dos partidos da oposição, estaremos todos de acordo quanto à crítica e à condenação da forma como este processo está a ser conduzido.

Gostaria de ter convidado o Sr. Deputado Rui Gomes da Silva e o PSD a clarificarem o assunto, indo um pouco mais além desta parte do «independentemente das opções assumidas», porque é muito importante que os partidos políticos, ainda para mais nesta altura, clarifiquem a sua posição e a sua opção política relativamente às opções que estão a ser assumidas, ao contrário daquilo que disse o Sr. Deputado.

Esta é a questão essencial: qual é o futuro do Arsenal do Alfeite? Qual é o futuro dos seus trabalhadores? Qual é a situação contratual e o estatuto desenhados para o futuro? Estas são questões que também o PSD e o CDS não podem deixar de clarificar, porque é importante que os trabalhadores e as populações percebam de que lado está cada um de nós.

Depois, é preciso também recordar que, ao longo dos anos, temos vindo a ser confrontados com aquela falsa opção entre deixar ficar tudo na mesma ou, então, mudar para ficar como o Governo quer, neste e em muitos sectores.

Ou a opção do Governo avança ou, então, fica tudo como está. Nós nunca aceitámos essa falsa opção.

Também é preciso recordar que, ao longo dos anos em que esteve no governo a maioria PSD/CDS também havia a necessidade de não deixar as coisas ficarem como estavam. Designadamente, era necessário proceder à modernização do Arsenal do Alfeite, à reconversão tecnológica, à admissão de quadros e de trabalhadores no âmbito do futuro que esta estrutura podia ter e também no âmbito das tais novas potencialidades que poderiam ser ali rentabilizadas.

Infelizmente «o buraco foi-se cavando» - desculpem-me a expressão - e a situação foi-se agravando ao longo do tempo, dando o lastro e a oportunidade para este verdadeiro «assalto» com que se confrontam agora os trabalhadores e a indústria naval.

Na verdade, na indústria naval é difícil obter lucros, sim, senhor, mas nos estabelecimentos fabris das Forças Armadas, quando se trata de soberania e de interesse nacional, o que está em causa é muito mais do que a questão do lucro, é muito mais do que «deve e haver».

O que está em causa é o interesse nacional e, desse ponto de vista, os direitos dos trabalhadores, o interesse do País e o futuro destas estruturas de apoio à Marinha e às Forças Armadas é uma matéria essencial que exige a clarificação sobre a opção política de cada partido.

 

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