Intervenção de

Situação no Médio Oriente - Intervenção de António Filipe na AR (Comissão Permanente)

A situação no Médio Oriente

Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados:

Lamentamos ter de dizer que o discurso que o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros aqui trouxe foi um discurso vazio.

É que, se este debate servia para sabermos qual era a posição do Governo português sobre o que está a passar-se no Médio Oriente, ficámos a saber que o Governo português não tem posição!

O Governo português remete a sua posição para aquela que a União Europeia vier a tomar, o que é muito pouco para este debate!

Sr. Presidente e Srs. Deputados,

Em nome de uma qualquer realpolitik que ignora que as vítimas do que está a passar-se são seres humanos, não podemos esquecer-nos que as questões de fundo que estão em causa no Médio Oriente são precisamente seres humanos, são eles que estão a ser vitimados pela barbárie que está a acontecer no Médio Oriente. Não podemos esquecer-nos que o que está por detrás deste conflito é a ocupação de territórios palestinianos, desde há muitos anos em violação flagrante de inúmeras resoluções das Nações Unidas que as autoridades israelitas sempre desrespeitaram.

Não podemos esquecer-nos que o povo da Palestina tem sido massacrado e humilhado desde há muitos anos, perante a indiferença da chamada comunidade internacional, e que está a ser concluída a construção de um muro à volta da Cisjordânia para isolar o povo palestiniano, muro esse que já foi declarado ilegal pelo Tribunal Internacional de Justiça. Não podemos esquecer-nos que o que está em causa é a inviabilização de um Estado palestiniano sob qualquer pretexto. Não podemos esquecer-nos, também, que o que está em causa é a ocupação de parcelas significativas do território libanês desde há muitos anos, por parte das autoridades israelitas.

O pretexto para a actual ofensiva foi a captura de dois soldados na faixa de Gaza, após dois meses de bombardeamentos sobre a população civil efectuados pelas tropas israelitas, num quadro em que Israel mantém 9000 presos políticos palestinianos, entre eles oito Ministros do Governo eleito pelos palestinianos — goste-se deles, ou não! — e 25 Deputados palestinianos.

No Líbano, foi raptado um soldado israelita, em território indevidamente ocupado por Israel, e, a pretexto do rapto desse soldado, está a ser sistematicamente destruído um país — todos temos visto a barbárie que está a abater-se sobre o povo libanês, vitimando população civil —, tendo culminado, ontem mesmo, com o assassínio de quatro observadores das Nações Unidas, sendo relatado por toda a imprensa em todo o mundo os instantes apelos e avisos que foram feitos pelos observadores das Nações Unidas para os perigos que corriam pelos bombardeamentos que estavam a ser efectuados na zona.

Perante o que está a passar-se no Líbano, Portugal e os outros países da União Europeia, em vez de pressionarem as autoridades israelitas para acabarem com este massacre, retiram os seus nacionais como que reconhecendo implicitamente que, se os ataques israelitas fossem contra o Hezbollah, os cidadãos dos países da União Europeia, que seguramente não serão do Hezbollah, não teriam necessidade de se retirar para se manterem em segurança!

Ora, aquilo a que assistimos é ao Governo português e aos demais governos da União Europeia lamentarem as vítimas e, ao mesmo tempo, serem complacentes para com aqueles que as vitimam, para com os agressores, responsáveis pelos actos de barbárie que estão a ser cometidos.

O que o Governo aqui vem dizer é que vamos discutir a questão na União Europeia. O Governo abstémse de tomar uma decisão sobre esta matéria; abstém-se de chamar à responsabilidade quem tem de ser responsabilizado pelo conflito que está a passar-se no Médio Oriente; abstém-se de reivindicar uma imediata cessação das hostilidades naquela região e, ao mesmo tempo, vem dizer que está disponível para vir a participar com soldados portugueses numa força militar — até ao momento ninguém sabe que força militar é essa —, sobre a qual nada está definido e que, segundo o que já foi apontado por autoridades israelitas, acabaria por não ser mais, tendo em conta o que está desenhado, do que uma força para servir de auxílio à ocupação israelita do sul do Líbano, funcionando como a tal força-tampão que Israel reivindica.

Sr. Ministro, não conte connosco para o envolvimento de militares portugueses nas condições em que tem sido apontada e como foi defendida pelo Governo português. Poderá contar com o apoio do PSD ou do CDS, mas não contará, seguramente, com o apoio de quem, como nós, defende que a solução para o conflito do Médio Oriente passa pelo respeito da integridade territorial de todos os Estados da região, passando, inclusivamente, pela viabilização e o reconhecimento do Estado palestiniano independente e viável, que é aquilo que manifestamente as autoridades israelitas têm sistematicamente sabotado e a que se têm oposto terminantemente.

Concluo, Sr. Presidente, dizendo que esperávamos mais da posição do Governo português.

Esperávamos uma posição de princípio, não esperávamos uma posição de absoluto seguidismo relativamente àquilo que a União Europeia venha a decidir.

 

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