tervenção de Paula Santos na AR

A situação da Oncologia em Portugal

 

Debate sobre a situação da oncologia em Portugal

Sr. Presidente,
Sr.ª Ministra,
Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Saúde,
Sr.as e Srs. Deputados,

A proposta de reformulação da rede de referenciação hospitalar de oncologia, em discussão pública, baseia-se em critérios meramente economicistas de centralização e de educação de serviços de oncologia.

O que o Governo propõe é que os vários serviços de prestação de cuidados oncológicos dependam de um número mínimo de casos oncológicos por ano, o que significa o encerramento de vários serviços de oncologia.

Este Governo do PS, à semelhança do anterior governo, mantém uma política errada de saúde.

Todos nos lembramos do encerramento de maternidades baseado em critérios semelhantes.

Com o encerramento das maternidades, surgiu uma nova oportunidade de negócio na área da saúde, tendo já aberto inúmeras maternidades privadas. Com esta proposta, o Governo contribui para a proliferação de entidades privadas a lucrar na saúde.

Há que considerar que uma unidade hospitalar de referência para determinada região estatisticamente poderá não ter o número mínimo de casos oncológicos, não porque não haja incidência desses casos nessa região mas, sim, porque devido à falta de recursos humanos e de equipamentos não tenha capacidade para tratar um vasto número de doentes oncológicos e encaminham-nos para outra unidade hospitalar.

Este exemplo que referi demonstra que os critérios a aplicar, estritamente numéricos, não são orientados para uma política de investimento mas, sim, para encerrar serviços públicos e penalizar ainda mais as populações.

A criação da rede de referenciação hospitalar deve estar articulada com o Serviço Nacional de Saúde para que o médico de família do doente possa estar envolvido no seu acompanhamento.

Actualmente, quando o doente entra na rede de referenciação oncológica deixa de ser acompanhado no restante Serviço Nacional de Saúde. Queria perguntar-lhe o seguinte, Sr.ª Ministra: actualmente, quantos doentes oncológicos não têm médico de família?

Este é o terceiro plano nacional de prevenção e controlo das doenças oncológicas. Dos dois planos anteriores não é conhecido o balanço da sua aplicação, o que não nos parece uma boa prática de planeamento e monitorização. Quais foram os resultados dos planos anteriores - esta é uma pergunta que também lhe faço.

Há ou não restrições ao nível dos orçamentos dos hospitais que limitam o acesso aos medicamentos e aos tratamentos oncológicos? O Governo vai ou não aumentar o investimento público em equipamentos e em unidades oncológicas necessárias como, por exemplo, no alargamento de unidades de radioterapia?

Uma última pergunta, Sr.ª Ministra: temos conhecimento de que as comissões oncológicas regionais não reúnem há mais de dois anos e gostaríamos de saber porquê.

(...)

Sr. Presidente,
Sr.ª Ministra da Saúde,
Sr. Secretário de Estado,
Srs. Deputados:

De acordo com os dados oficiais, o cancro é a segunda causa de morte em Portugal. Prevê-se o aumento de mortalidade devido ao cancro, tendo em conta o envelhecimento da população e o facto de a probabilidade de morrer de cancro aumentar com a idade. De acordo com o Relatório da Actividade em Cirurgia Oncológica - Ano 2008, muito embora haja uma melhoria significativa nos tempos de espera, em muitos serviços os tempos de espera para a cirurgia ultrapassam os tempos máximos recomendados. Todos nós sabemos o que significa para um doente de cancro esperar por uma cirurgia, pois pode chegar a um ponto irreversível.

No diagnóstico, no tratamento e na cirurgia oncológica com um elevado grau de diferenciação que implique a existência de profissionais, equipamentos e práticas médicas especializadas, consideramos que estes casos mais complexos devem ser encaminhados para unidades centrais dotadas para o efeito. Existem, contudo, outras situações, em que os tratamentos são menos diferenciados, que poderão ser acompanhadas por unidades descentralizadas e mais próximas da população e com bons níveis de qualidade. Na nossa opinião, é vantajoso para os doentes a possibilidade de proximidade do tratamento, não só do ponto de vista da acessibilidade mas também do apoio familiar que permite.

Contudo, a proposta de requisitos para a prestação de cuidados em oncologia, hoje em discussão, assenta na centralização e redução de unidades em oncologia com base nos critérios que passo a citar «tendo em consideração a incidência da doença, o número de doentes tratados, os recursos humanos e técnicos existentes e o desempenho das instituições». Mais uma vez, este Governo do PS, tal como o anterior, optam por critérios economicistas na área da saúde, como aconteceu com as maternidades, abrindo caminho para a proliferação de entidades privadas. Se os serviços públicos de saúde não asseguram o tratamento, os doentes que podem recorrem ao privado; aos que não podem, não lhes são garantidos os tratamentos atempados.

O critério da qualidade não pode ser utilizado só num sentido, ou seja, para o encerramento de serviços. Em unidades centrais ou em unidades de proximidade, a qualidade da prestação de serviços deve estar sempre presente. Quando há avaliação de que a qualidade de determinado serviço está colocada em causa, a solução é investir e intervir, para melhorar e alcançar os níveis de desempenho adequados.

Podem existir situações em que a aplicação dos critérios não corresponde à realidade. Se, em determinada região, uma unidade hospitalar referenciada por falta de investimento não estiver dotada dos meios humanos e técnicos para dar as respostas de tratamento necessárias aos doentes oncológicos que surgem, apesar de nessa região incidir o número mínimo de casos, encaminha-os para uma outra unidade, e é nesta que estes casos são registados. Qual é o resultado? Encerra-se essa unidade, não por não ter o número mínimo de casos em oncologia mas, sim, por falta de investimento público. Esta é a questão central da discussão.

Na proposta do Governo, não é considerada a realidade do nosso País. As populações têm sido bastante penalizadas, principalmente no interior e ilhas, onde há muitas localidades isoladas e com deficientes acessibilidades. Devem ser introduzidos critérios geográficos e de proximidade para a reorganização da rede dos serviços em oncologia, de modo a garantir o acesso das populações a todos os cuidados de saúde.

A rede de referenciação hospitalar em oncologia deve estar articulada, nomeadamente, com os centros de saúde. Um doente oncológico tem de ser acompanhado quer pelo seu médico de família, quer pelos médicos especialistas em oncologia. Muito embora o Plano Nacional de Prevenção e Controlo das Doenças Oncológicas preveja esta articulação, ela, na prática, não funciona, o que não é positivo para o tratamento destes doentes.

Ao nível da prevenção, há muito para fazer. O rastreio está ainda muito aquém de atingir a taxa de cobertura total. Segundo os dados oficiais, em 2009, o rastreio do cancro da mama abrange 75% dos concelhos portugueses; o rastreio do cancro do útero abrange, essencialmente, concelhos da região Centro e Alentejo, sendo as mais jovens as que menos fazem citologias; o rastreio do cancro do cólon e recto é realizado somente em alguns concelhos da região Centro.

As metas estabelecidas pelo Plano só prevêem a cobertura total do rastreio do cancro da mama e do cancro do colo do útero em 2011 e do rastreio do cancro do cólon e recto em 2013, o que, na nossa opinião, não são metas ambiciosas. Há muito que o Serviço Nacional de Saúde deveria assegurar a realização do rastreio a toda a população. Consideramos que é necessário e urgente que o Governo invista no desenvolvimento destas políticas de prevenção do cancro.

Também nesta matéria, o País precisa de mais médicos e enfermeiros especializados em oncologia. Os insuficientes meios humanos não podem ser argumento para a redução de prestação de serviços em oncologia. Por diversas vezes, a falta de médicos e enfermeiros tem sido denunciada pelo PCP, mas continuamos a não ver resultados. Com o não reconhecimento e dignificação do desempenho dos médicos pelo Governo e com a retirada de direitos, hoje, a desmotivação é maior. Alguns médicos, com um vasto conhecimento especializado e experiência no diagnóstico, tratamento e cirurgia oncológica, abandonam o serviço público de saúde. É conhecimento e experiência que não são transmitidos às futuras gerações de médicos, com grandes prejuízos para o Serviço Nacional de Saúde, no desenvolvimento científico e na prática médica em oncologia.

O PCP não concorda com as políticas deste e do anterior governo do PS na área da saúde, designadamente, na centralização e restrição de serviços públicos de saúde, no insuficiente investimento e na dotação de médicos e enfermeiros, que continua por resolver.

Reafirmamos aqui que, de acordo com as conclusões das nossas jornadas parlamentares, divulgadas ontem, o PCP intervirá no sentido de garantir os serviços oncológicos de proximidade com os níveis de qualidade desejados e, simultaneamente, o tratamento das situações mais complexas nas unidades centrais.

(...)

Sr. Presidente,
Sr. Deputado Ricardo Gonçalves,

Quanto à questão de que aqui estamos a tratar hoje, relativa à oncologia, penso que todos temos os mesmos objectivos e todos queremos resolver o problema das pessoas.

Nós não falamos do que é o melhor para o Governo ou do que é o melhor para os Srs. Deputados do PS. O que nos interessa aqui é o que é melhor para as populações e para as pessoas que sofrem com esta doença, porque, infelizmente, muitas delas não têm condições para se poderem tratar convenientemente.

O Sr. Deputado refere que nós dizemos, muitas vezes, que tudo se faz em nome de critérios economicistas, e nós dizemo-lo, mas dizemo-lo porque é o que está referido no documento. O que o documento diz e a proposta que está feita é a de que a rede de oncologia dependa do número de casos, razão pela qual haverá imensas localidades do nosso País e imensas populações com menos acessibilidades, em localidades isoladas, que vão ter mais dificuldades no acesso aos cuidados de saúde.

Basta estar no interior do País para ver qual é a realidade concreta da nossa população! Obviamente, quando há um familiar doente - e o Sr. Deputado referiu-o -, as pessoas vão à procura do melhor. Sem dúvida! Mas há os que podem e há os que não podem! Não sei se há exemplo melhor do que o de uma família em que ambos recebem o salário mínimo nacional! Gostava de saber qual é a família que, nessas condições, se pode ir tratar a Londres ou a Nova Iorque... Provavelmente, nem tem capacidade para se ir tratar à sua sede de distrito!

Esta é a questão central de que estamos a falar: do direito à saúde por parte de toda a nossa população, o qual está consagrado na Constituição e deve ser garantido. A questão, aqui, é de investimento! Enquanto continuarmos a olhar a saúde como custos, como despesa que há que rentabilizar e centralizar, não estamos a resolver o problema das pessoas.

Nós, PCP, o que suscitámos na nossa intervenção foi que faz sentido que haja tratamentos em unidades centrais, exactamente pela sua especialização e pela sua diferenciação, mas há outros que podem ser feitos mais próximo da população. Sabemos quanto isso é vantajoso para as pessoas e é nesse sentido que vamos intervir para que as pessoas tenham os serviços a que têm direito. É que estamos a falar de um direito, não de um benefício ou de algo a que as pessoas não devam poder ter acesso. Todos, o rico e o pobre, têm direito à saúde neste País!

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