Intervenção de

Sistema Educativo Especial<br />Intervenção da Deputada Luísa Mesquita

Senhor Presidente Senhoras e Senhores Deputados,A matéria que trazemos hoje a plenário evidencia mais uma vez as águas, cada vez mais conturbadas em que o governo do Partido Socialista insiste em navegar.Se a paixão pela educação e pela saúde foi aquilo que se viu. A obsessão economicista e mercantilista destas prestações sociais, quer da saúde quer da educação, ganham progressivamente os favores do governo do Partido Socialista.Mesmo quando se trata de direitos constitucionalmente garantidos. Mesmo quando se trata de compromissos assumidos internacionalmente. Mesmo quando se trata de crianças e jovens portadores de deficiência.Apesar do texto constitucional obrigar o Estado a realizar uma política nacional de prevenção e tratamento, reabilitação e integração dos cidadãos portadores de deficiência; apesar do texto constitucional obrigar o Estado a apoiar as famílias e a desenvolver uma pedagogia capaz de sensibilizar a sociedade quanto aos deveres de respeito e solidariedade para com estes cidadãos, o governo do partido socialista, está a pôr em causa o apoio a milhares de crianças e jovens, impedindo-os de frequentar o sistema educativo regular.Apesar de Portugal ser um dos subscritores da declaração de Salamanca, aprovada na Conferência Mundial da UNESCO sobre Necessidades Educativas Especiais onde se afirma que "As escolas devem ajustar-se a todas as crianças, independentemente das suas condições físicas, sociais, linguísticas ou outras" e que "Neste conceito devem incluir-se crianças com deficiência ou sobredotadas, crianças da rua ou crianças que trabalham, crianças das populações remotas ou nómadas, crianças de minorias linguísticas, étnicas ou culturais e crianças de áreas ou grupos desfavorecidos ou marginais", o governo do Partido Socialista resolveu reduzir drasticamente os lugares de docentes para a educação especial nas escolas portuguesas.À medida que cresce o consenso mundial em defesa da inclusão, nas estruturas educativas destinadas à maioria, de crianças e de jovens com necessidades educativas especiais, o governo do Partido Socialista opta pela marginalização, pela guetização das crianças e dos jovens portugueses com dificuldades de aprendizagem e de integração no ensino regular.Enquanto que as novas correntes pedagógicas consideram urgente que a escola seja cada vez mais inclusiva, centrada na criança e no jovem, capaz de educar todos com sucesso, incluindo os que apresentam grave incapacidade, o governo do partido socialista opta por diminuir as condições de sucesso destas crianças e destes jovens, retirando-lhes o apoio especial e acrescido a que têm tido direito.Mas não é só o texto constitucional ou a Declaração de Salamanca que o governo do partido socialista não cumpre.Também a Lei de Bases do Sistema Educativo deixa claro que a educação especial se organiza "preferencialmente segundo modelos diversificados de integração em estabelecimentos regulares de ensino, tendo em conta as necessidades de atendimento específico e com apoio de educadores especializados" e acrescenta que "quando comprovadamente o exijam o tipo e o grau de deficiência do educando" "a educação especial processar-se-á também em instituições específicas".Mas o Partido Socialista transformou as excepções em regra e quer entregar às famílias a responsabilidade de garantirem, em instituições privadas, as únicas que existem, a educação destas crianças e destes jovens.O Governo do Partido Socialista possui dados de 98/99 que demonstram a insuficiente resposta que tem sido dada a crianças e jovens com necessidades educativas especiais. Em nenhuma região do país a resposta dada pelo Ministério da Educação chegava aos 50% das necessidades das famílias e no Alentejo a situação era caótica, ficava-se pelos 4%. E é perante este desolador quadro que o Governo do Partido Socialista e particularmente o Ministério da Educação tomam a decisão de poupar recursos à custa dos apoios educativos àqueles e àquelas que mais deles necessitam.É difícil encontrar adjectivação que qualifique esta medida.É difícil imaginar que um Ministro da Educação viabilize esta decisão.É difícil compreender que ainda se encontrem razões para justificar estes procedimentos governativos.No ano lectivo de 2000/2001, os professores destacados para o ensino especial eram nas cinco regiões do país 6.740.O Governo do Partido Socialista pretende reduzir em 3.714 o número de docentes em todo o país, com cortes de 45,5% na Região Norte aos 69,6% no Alentejo, viabilizando, portanto, uma quota total de 3.026 docentes destacados para o ensino especial.As reduções mais significativas acontecem ao nível da Educação Pré-Escolar e do 1º ciclo do Ensino Básico, onde se encontra o maior número de crianças com necessidades educativas especiais; por exemplo, na Região Centro havia em 2000/2001 1.050 lugares e agora o Governo decidiu que para 2001/2002 chegam 334 lugares. São só menos 718 docentes.Os resultados imediatos destas medidas já para o próximo ano lectivo são preocupantes. Milhares de alunos deixarão de ter o apoio que tinham, outras nem nunca o virão a ter, apesar dele necessitarem.Crianças e jovens que integravam turmas de 20 alunos, no máximo, passarão a integrar turmas com 25 alunos.Mas o Governo atinge o que pretende - poupar despesas com professores e com educadores, impedir um ensino público de qualidade, impedir a educação para todos.E como chegou o Governo a estes novos e falaciosos números:De uma forma muito simples.Ignorando a realidade.Ficando cego e surdo diante dos estudos conhecidos.E finalmente criando um quadro inexistente.Enquanto o Conselho Nacional de Educação apontava para uma incidência de 12,5% de crianças com necessidades educativas especiais no primeiro ciclo do Ensino Básico, taxa considerada moderada, tendo em conta as recomendações internacionais, o Ministério da Educação ignorou esta análise e passou a considerar que esta incidência seja de 2% e com esta inqualificável alteração de 10,5%, propõe a drástica redução dos lugares dos respectivos docentes.Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados,Estas medidas estão a pôr em causa a escola inclusiva, que tem de estar disponível para a heterogeneidade das crianças e dos jovens que a frequentam.Muitas destas crianças e jovens poderão, a partir de Setembro, ter de regressar a casa ou a instituições específicas na procura de aprendizagens segregadas.Muitos professores ficarão obrigados a darem respostas educativas especiais sem terem condições para o fazer.O sistema educativo e o país ficarão mais pobres porque estas medidas saem sempre muito caras.Sr. Presidente Porque as questões levantadas pelo Sr. Deputado António Braga também foram, de algum modo, levantadas pelo Sr. Deputado David Justino, penso que poderei responder aos dois em simultâneo, e depois referirei, particularmente, a intervenção do Sr. Deputado António Pinho. No que toca às questões colocadas pelos Srs. Deputados quer do PS quer do PSD, gostaria de dizer que não foi dito na intervenção do PCP, que eu assumi daquela tribuna, que o que estava em causa era uma alteração relativamente à leitura que o Partido Socialista faz da escola inclusiva. Como o Sr. Deputado António Pinho disse, e muito bem, quanto ao discurso não há qualquer problema. O Partido Socialista continua a assumir que defende a escola inclusiva e a educação para todos. Também era melhor que não o fizesse, dado que está escrito no texto constitucional, na Lei de Bases do Sistema Educativo e que o Governo subscreveu a Declaração de Salamanca!Era demasiado escandaloso chegar tão longe! Naturalmente, os tempos futuros dirão até onde é que o PS é capaz de chegar! Mas vamos àquilo que nos interessa, que é a acção governativa! Aqui é que o escândalo é tamanho! Quanto ao discurso, estamos clarificados! Quanto à acção governativa, é assim: a escola é para todos, mas não há professores; todas as crianças têm direito ao sucesso, mas as crianças com necessidades educativas especiais não têm direito à escola no ensino regular; todas as famílias têm direito a apoio, mas são elas que pagam as instituições privadas de segurança social para que as suas crianças com deficiências profundas tenham acesso ao ensino especial, porque o Estado não tem escolas públicas para crianças com necessidades educativas profundas, só tem - e o Sr. Deputado David Justino conhece esta matéria - para as que não são deficientes profundas! Portanto, aquilo que o PS faz, na prática, é exactamente contrário daquilo que diz defender! Por conseguinte, o que está, efectivamente, em causa, com a acção governativa do PS, é todo o apoio dado a estas crianças, é a escola inclusiva, que, inclusivamente, já não é novidade no PS, porque, com a decisão que tomou na anterior Legislatura, de aprovar os currículos alternativos, era de esperar que mais dia menos dia isto acontecesse! Agora, que o PS e que o PSD já nem sequer suportem que discutamos este assunto no espaço da Assembleia, onde representamos as vozes dos milhares de eleitores que nos elegeram e também, como é natural, aqueles que são dirigentes sindicais e aqueles que estão sindicalizados nos respectivos sindicatos das estruturas dos professores, é de lamentar, Srs. Deputados! Então, só poderemos discutir aqui aquelas questões que uma estrutura sindical, fundamentalmente da área docente, nunca tenha levantado?! O PCP não tem problemas desta natureza, Srs. Deputados David Justino e António Braga! Aquilo que nos interessa aqui discutir são os direitos constitucionais das crianças portadoras de deficiência com necessidades educativas especiais, e tudo faremos para que em Setembro de 2001 estas crianças não deixem de ter o apoio a que têm direito, direito esse que está constitucionalmente consagrado, quer o PS queira ou não! Aquilo que está em marcha, por decisão da Secretária de Estado da Administração Educativa, e que esta fez chegar às direcções regionais de educação das respectivas regiões do País - e daí a confusão com os sindicatos feita pelo Sr. Deputado David Justino -, são decréscimos na ordem dos 50%, 60% e 70%.Se isto se confirmar, não vai haver apoio para as crianças portadoras de deficiência, o que é, de facto, um crime e é lamentável. Quanto à intervenção do Sr. Deputado António Pinho, só posso agradecer-lha, porque, estando mais perto da realidade, já que mais tarde veio para esta Casa e deu aulas tão recentemente, conhece, na prática, aquilo que alguns Srs. Deputados já esqueceram e que, por isso, criam quadros virtuais, tal qual o Ministro da Educação, que não lhes permite encontrar medidas legislativas e governativas sérias e rigorosas para atacar os problemas que a realidade demonstra no dia-a-dia, para quem conhece as escolas e não anda cego e mudo pelos caminhos deste país.

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