Intervenção

Sessão Solene Comemorativa do 29.º Aniversário do 25 de Abril<br />Intervenção do Deputado Bruno Dias

Senhor Presidente da República, Senhor Presidente da Assembleia da República, Senhor Primeiro-Ministro, Senhores Presidentes do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal Constitucional, Senhoras e Senhores Convidados, Senhoras e Senhores Deputados,

Para muitos de nós, a Revolução de Abril é um daqueles momentos da nossa História em que nos assalta o apelo de saber mais. E se possível, que esse urgente conhecimento nos permitisse sentir uma espécie de presença, mesmo que breve e ilusória, ali nas ruas daquele tempo. No fundo, fica a indisfarçável vontade de que pudéssemos ter sido também personagens dessa história.

É que para muitos de nós, para cerca de um terço da população portuguesa, a Revolução dos Cravos aconteceu antes de termos nascido. O que torna ainda mais necessária, cada vez mais necessária, uma pedagogia dos verdadeiros ideais e valores do 25 de Abril. Na verdade, são por vezes distantes e difusas as imagens que chegam desses dias e dessas horas. São estranhos os silêncios que tantas vezes envolvem esse turbilhão de momentos, actos e rostos. Por vezes, é como se o tempo que nos separa de Abril tivesse passado mais devagar. Raramente, na escola, surge o tempo e o espaço para ler, ouvir e falar sobre o que realmente aconteceu – e mais importante ainda, sobre os porquês e os “para quês” da Revolução dos Cravos.

E entretanto, são muitas e refinadas as formas de confundir, branquear, mistificar o que foi aquele quase meio século de ditadura fascista. E são escassas as expressões de reconhecimento deste Portugal de Abril perante a bravura e a generosidade daqueles que o libertaram.

Daí que seja indispensável reafirmar a nossa homenagem, a nossa comovida e intensa saudação aos Militares de Abril que há 29 anos, nas palavras do poeta Ary dos Santos, fizeram “nascer um país do ventre duma chaimite”.

A nossa gratidão nunca será bastante para com aqueles jovens que de armas na mão, trouxeram a Paz a este Povo cansado de guerra. E hoje como ontem, prevalecem entre os jovens deste País esses ideais humanistas e solidários.

Hoje, exercendo essa liberdade, saem os jovens à rua, erguendo a sua voz em defesa da Paz. Porque sabem, como nós sabemos, o que a guerra tem para oferecer, com o seu hediondo cortejo de bombas e balas: disse-o Manuel da Fonseca – “só crime e morte e o sangue derramado”. E nós acrescentamos: e os milhões que correm neste negócio de horror. Assim foi na Guerra Colonial, assim tem sido no Iraque dos nossos dias.

É este clamor que cresce na voz da Juventude e se faz ouvir pelos portugueses de todas as idades. Quem faz assim ouvir o seu grito de “paz sim, guerra não” está também a defender os ideais da Revolução de Abril – mesmo aqueles que a não viveram. Por isso afirmamos que a Paz, tal como Abril, não se rende!

Porque as lutas que travamos prosseguem o caminho de combate e resistência de muitas gerações de portugueses. Homens e mulheres deste País, que abriram caminho a esta Revolução Democrática e Nacional, e provaram com a sua acção, nos campos e nas fábricas, nas universidades, nos quartéis, que há razões para acreditar e lutar por um mundo melhor, “um mundo possível e feliz / (possível porque o sonhamos) ”, como escreveu na década de trinta o poeta militante José Gomes Ferreira.

Já desta tribuna dissemos muitas vezes que é preciso continuar Abril. Aprofundar a Democracia, desenvolver as suas múltiplas vertentes.

Mas hoje, ao celebrar estes vinte e nove anos da Revolução de Abril, é preciso denunciar o grave retrocesso democrático que constituem as alterações, ontem aprovadas, à Lei dos partidos políticos e à Lei do financiamento dos partidos e das campanhas eleitorais.

Quando se pretende por lei obrigar todos os partidos, numa inaceitável ingerência na sua vida interna, a adoptar um modelo único e obrigatório para o seu funcionamento, ofende-se a vontade própria, soberana, dos seus militantes e organizações.

Não estão em causa as opiniões sobre a opção de cada partido quanto ao seu funcionamento e organização. O que é ilegítimo é que a lei adopte um desses modelos e rejeite todos os outros.

Os partidos são feitos de homens e mulheres livres, que neles se associam por sua vontade, que através deles intervêm na sociedade de acordo com os seus ideais – e que têm o direito de decidir como é o partido que querem.

Quando por lei se impede que uma essencial fonte de receita de um partido seja a militância, a dedicação o contributo dos seus membros e apoiantes, e ao mesmo tempo se favorece a dependência do Estado e o aumento do despesismo eleitoral, dá-se um passo adiante no descrédito da vida política perante os cidadãos.

As razões desse descrédito da vida política não estão nas leis que até aqui têm regulado o funcionamento partidário. Estão nas sucessivas promessas não cumpridas; estão na falta de ética e de responsabilidade política; estão nas políticas que aumentam as desigualdades.

É preciso que todos os que participam neste processo tenham a consciência de que este é um caminho que não serve ao aprofundamento da democracia e que afronta valores essenciais de Abril.

É preciso defender Abril e as suas conquistas. Enfrentar com determinação os “ajustes de contas” que aí estão, mal disfarçados de modernice.

Os direitos conquistam-se e defendem-se, todos os dias – exercendo-se na prática, combatendo os ataques que lhes são dirigidos. Pois é esse combate que centenas de milhar de homens, de mulheres, de jovens, têm feito de Norte a Sul do País.

Estão lutando por Abril os estudantes que não desistem de exigir e defender uma educação pública, gratuita e de qualidade para todos. Que seja reconhecida e cumprida como um direito que é. Não como um luxo, não como um favor. E muito menos como um negócio.

O país precisa de inverter este atraso estrutural no seu sistema educativo. E é todo o país que tem a perder, quando se cava mais fundo o fosso das desigualdades no acesso à educação.

Perante este enorme passo atrás, a determinação e a coragem que os jovens deste país já tantas vezes demonstraram são a razão que temos para acreditar no caminho de luta que é preciso percorrer.

E estão lutando por Abril e pela Democracia todos aqueles que, nas ruas, nas empresas, nos seus postos de trabalho, combatem os retrocessos sociais e civilizacionais com que são confrontados – e de que é exemplo mais recente o Código do Trabalho, com uma matriz profundamente contrária aos direitos dos trabalhadores e aos princípios da Constituição da República.

Quando estão em causa o emprego com direitos, as liberdades sindicais, a Segurança Social, estão em causa os valores de Abril.

E para quem se interrogava sobre as razões destes estranhos silêncios sobre a Revolução dos Cravos, sobre as conquistas e os direitos que Abril nos trouxe, a resposta vai aparecendo, sussurrada, na opressão que se abate sobre quem trabalha.

Por isso é ainda mais importante e significativa esta consciência crescente, esta unidade que trabalhadoras e trabalhadores, de várias gerações e tantos ofícios, revelam na resposta a esta escalada de ataques à sua dignidade.

O que alguns chamam com sobranceria de “resistência à mudança” é resistência, sim. Mas uma resistência que traz dentro de si uma semente de Futuro. Uma resistência que teima em não baixar os braços, e que reconhecendo – e recusando – aquilo que é tão velho como a exploração e a tirania, não abdica de aspirar a um Futuro melhor.

A mudança, efectiva e urgente, virá e será concretizada quando cumprirmos Abril, e o Povo Português retomar o seu caminho de aprofundamento da Democracia política, económica, social e cultural, num País verdadeiramente livre, soberano, num mundo de Paz e de Cooperação.

A mudança, efectiva e urgente para a juventude e para a população, virá com a defesa e o efectivo respeito pelos direitos fundamentais. Na educação, no emprego, na habitação, no ambiente, na cultura, no desporto. Na participação.

É esse futuro e essa mudança que estes jovens estão construindo, quando lutam e resistem e defendem as conquistas de Abril. Por isso também hoje temos razões para acreditar no Futuro. Assim como, já antes de Abril, o souberam as Mulheres do Couço, os vidreiros da Marinha Grande ou os operários agrícolas do Alentejo, também nós hoje sabemos que vale a pena lutar.

É que, das tantas lições que aprendemos com Abril, há uma ideia que prevalece: por mais categóricos que sejam os que decretam o fim da História, a verdade é que a História prossegue e avança – e a luta continua. A luta de concretizar Abril, os seus ideais de democracia e de liberdade, as suas conquistas de progresso e justiça social.

O Futuro será como os povos o construírem. Pela nossa parte, mantemos a convicção e a confiança em que este País saberá construir o seu próprio Futuro, defendendo os valores do 25 de Abril. Sempre!

Viva o 25 de Abril!

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